Nota pública ao Ministério Público Federal sobre o caso do cacique pataxó Joel Braz

Vimos, muito respeitosamente, manifestar à 6ª Câmara do MPF, à Ouvidoria do Ministério Público Federal e ao Conselho Nacional do Ministério Público o nosso estranhamento e nossa contrariedade diante da conduta da Procuradoria da República em Eunápolis em processo judicial em que foi réu o indígena Joel Braz dos Santos.

Como é sabido, de 1998 a 2002 Joel vinha exercendo a liderança de várias comunidades pataxós situadas em terras de ocupação tradicional desse povo – e ora já devidamente identificadas pela Funai como Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal – até então ocupadas por fazendas improdutivas, retomadas nesse período pelos Pataxó, mas ainda questionadas pelos pretensos proprietários dessas áreas.

Residindo em uma dessas retomadas, Joel foi, a 08 de dezembro de 2002, à abordado por um pistoleiro que, apontando-lhe um rifle, tinha o claro intento de matá-lo, tendo entretanto tombado antes com um tiro em legítima defesa disparado por Joel.

O fato teve grande repercussão na região e na luta dos povos indígenas, tendo sido transferido para a Justiça Federal em 2006, quando Joel passou a estar submetido a prisão domiciliar, sob responsabilidade da Funai, na Aldeia de Barra Velha.

As características do caso e de suas circunstâncias nos parecem claras o suficiente para que tivesse esse Ministério Público Federal atuado judicialmente em defesa de Joel Braz, em conformidade com sua missão constitucional de “defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas” – conforme disposto no artigo 129 º, inciso V, da Constituição Federal – uma vez que o feito guarda inequívoca relação direta com a defesa de direitos territoriais e coletivos do povo Pataxó, flagrantemente ameaçados no caso por ações de pistoleiros. Entretanto, não só não atuou o MPF em defesa do povo Pataxó como assumiu a denúncia e  acusação a Joel; malgrado o que, em tribunal do júri havido em 16 de agosto de 2017 na cidade de Eunápolis, restou cabalmente comprovada a tese da legítima defesa e as consequentes inocência e absolvição de Joel.

Diante do exposto, reiteramos nosso estranhamento e nossa contrariedade diante da informação, lavrada em ata do dito tribunal do júri, de que terá o MPF, através de sua Procuradoria no Município de Eunápolis, recorrido da decisão.

A propósito, vale referir que tem sido essa Procuradoria objeto de insistentes e justas queixas da parte do povo Pataxó, face à sua reiterada atuação em oposição e em contrário á legitima defesa dos direitos desse povo, como no caso da acusação de homicídio que pesa sobre os indígenas Lourisvaldo da Conceição Braz e Valtenor Silva do Nascimento e em outros feitos em que, em uma região em que predomina o poderio econômico do agronegócio e da indústria do turismo predatório, que sabidamente não convivem com os direitos dos povos indígenas, parece estar essa Procuradoria mais afeita à proteção de interesses desses grupos que à do povo Pataxó, cujos direitos lhe caberia defender.

Solicitamos as providências cabíveis.

Subscrevem:

Associação Nacional de Ação Indigenista – Anaí

Centro de Estudos e Pesquisas Interculturais e da Temática Indígena da Uneb -Cepiti

Conselho Indigenista Missionário – Cimi

Grupo de Pesquisa Memória, processos identitários e territorialidades no Recôncavo da Bahia- Mito-UFRB

Licenciatura Intercultural em Educação Escolar Indígena da Uneb – Liceei

Movimento Indígena da Bahia – Miba

Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia – Mupoíba

Programa de Pesquisa Povos Indígenas no Nordeste Brasileiro – Pineb -FFCH/Ufba

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