Diálogo cultural anima quilombolas na Bahia

Zoraide Vilasboas – Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania

Raios solares benfazejos ajudaram a compor a temperatura amena tecendo o clima de satisfação e congraçamento que perdurou durante toda “Tarde em Ações Culturais”, realizada no segundo sábado deste mês, na comunidade quilombola de Malhada, que fica no entorno da mineração de urânio, no município de Caetité (Ba).

O evento, promovido pela Associação da Memória e do Patrimônio Cultural (AMPC), foi o coroamento de um projeto que busca valorizar a memória individual e coletiva das comunidades, fortalecendo sua identidade, dando visibilidade a sua cultura e garantindo a salvaguarda do patrimônio – material e imaterial – dos territórios quilombolas. Encontros, entrevistas, exposições mediaram a conversa sobre políticas públicas socioambientais, saúde, educação e políticas econômicas e sociais específicas para as comunidades tradicionais.

Seu Joaquim Fernandes presidente da Associação dos Pequenos Agricultores Familiares, e a líder comunitária, dona Odetina, fizeram “as honras” da casa, ajudando no feitio das atividades que incluíram artesanato, canto, dança e o diálogo amigo e confiante.

Na troca de saberes, vimos o show da arte do trançado das “meninas” que criavam objetos (com os cipós, colhidos na hora, ao redor da Associação), enquanto dançavam no centro da sala. Também foi bem aplaudida a apresentação do Carimbó. A índiadescendente Chica contou que ele vem do norte do país. “A gente canta, roda e gira a saia bem colorida de um lado pro outro, num movimento que lembra a jogada da rede no rio. Os homens fazem movimentos, como se puxassem a rede, ou pegassem carangueijo no mangue. É uma criação artística de pescadores, mulheres e homens, que, como vocês, têm uma história de luta muito grande pela sobrevivência, né?”

Em saudação inicial, o presidente da AMPC Edimilson Gomes disse que “Malhada se revela diante do nosso olhar, por meio das várias formas de percepção e representação, a partir do repertório de histórias, memórias, artefatos, práticas recentes ou ancestrais, que dão singularidade a esta importante comunidade”. O evento foi realizado em parceria com o Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania, com apoio dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e o dos Funcionários Públicos de Caetité e Secretaria Municipal de Cultura.

@s convidad@s Luciana, Rúbia, Dete, Valmique e Zé Orlando destacaram que ali estavam vários historiadores imbuídos de uma causa comum: a valorização do patrimônio cultural e da identidade quilombola. Todos consideram a vida um aprendizado e ali colocavam sua disposição de trocar informações com a comunidade de Malhada, reconhecida pela sua riqueza em sabedoria popular, experiência e criatividade para tocar a vida.

As conversas sobre as lutas e os sonhos passaram por questões ligadas às raízes da vida rural, ao racismo ambiental, aos prejuízos trazidos à região pela mineração de urânio e ao medo da exploração de nova jazida, que vem sendo imposta violando as leis do país, desrespeitando os direitos das comunidades quilombolas, e a outros assuntos.

A vice presidenta da AMPC, Leticia Rodrigues, “negra com muito orgulho”, foi bem afirmativa: “temos é que continuar lutando, sem medo, pra superar nossas carências de educação, informação, para sobrevivermos, com mais  dignidade, no lugar onde nascemos e vivemos.”

E finalizamos com um registro da prosa de dona Odetina. “Eu só queria saber quem de vocês aqui historiador, professor, doutor e outros mais… sabe me responder qual a cor de Deus? Pois é. Até hoje ninguém me respondeu, nem um doutor. Por isso canto: se não sabe responder qual a cor de Deus, por que me julga pela cor da minha pele, pelo cabelo duro? Então, cuidado! pode ter surpresa…”

 

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