Por Makota Célia Gonçalves de Souza, no Brasil de Fato
O Brasil vive, há um ano, um estado de golpe à democracia, aos direitos e às conquistas das trabalhadoras e dos trabalhadores. O desmonte do Estado social patrocinado pelos golpistas de plantão demonstra claramente o que pretende a elite brasileira: o retorno a um país onde impera a fome, a miséria, o desemprego, a morte e a violência social.
Ainda se encontra viva em minha memória as cenas de fome e de sede que estampavam as páginas dos jornais e os telejornais da imprensa golpista. Eram cenas que me deixavam atordoada com a situação de extrema pobreza de nosso povo. Era a indústria da sede e da fome que alimentava uma elite que só se sente completa quando expõe os mais pobres, os humildes a um estado de subserviência absoluta a seus interesses. Nesse caso, não há espaço para o Estado social, um Estado que coloque os interesses coletivos acima dos interesses dos poderosos.
O golpe foi a forma mais rápida que essa elite encontrou para acabar, em um ano – um tempo mínimo na roda da história -, com estruturas que asseguravam minimamente a máxima aristotélica de que “devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade”. Estávamos na rota, ainda que em seu início, de um país de e para todos. Um país sem desigualdades sociais e raciais.
Estávamos na rota de construção de um país de Estado Social pleno, que fosse capaz de compreender que a diversidade e a pluralidade social devem ser levados em conta quando da elaboração das políticas públicas; de construção de um Estado que pudesse entender que a terra é para quem dela vive e não para quem a explora apenas para aumentar sua riqueza; de um país que entenda que a educação, a saúde e o trabalho digno é um direito de todos e não apenas para uma parte de seus cidadãos. O Estado social é o Estado em que todas as cidadãs e cidadãos são levados em consideração e a eles é assegurada a equidade de direitos.
Mas não nos iludamos: sofremos um golpe e ele veio certeiro. As canetas golpistas estão apontadas para o fim da possibilidade de um país melhor, em que justiça social, direito, cidadania fossem pautas do dia. Nas melhores das projeções, digo que comemos mosca, fomos ingênuos e imprevidentes de imaginar que uma gente historicamente sem escrúpulos iria dar conta de ver a equidade, o direito, a democracia e a inclusão se estruturar em nosso país.
História de privilégios
Há, por parte de determinados segmentos sociais de nosso país, forte rejeição a essas transformações ocorridas no país. Não tem como negar que essas medidas mexeram com privilégios históricos. E isso significa tirar do armário o racismo, o preconceito e a intolerância, que até então estavam bem guardados e enfeitados por um verniz social. Ter que dividir espaços, sentar no avião ao lado de um negro, um pobre, frequentar a mesma sala de aula, ver quem vive da terra com direito a ela… Tudo isso incomodou muito àqueles que até então não se declaravam racistas nem preconceituosos, porque tinham um amiguinho negro e/ou uma velha e boa babá negra. O que é diferente de ter que conviver em espaços públicos com uma diversidade que incomoda.
O Brasil estava mudando e muito há ainda para mudar. Mas estamos hoje vivendo uma nova realidade, o desmonte de conquistas históricas. Nosso país, hoje, é um país de perdas de conquistas, de retirada de benefícios e direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras. Um país que passa por um desmonte das chamadas políticas públicas e direitos. O fim do Estado Social. Uma realidade que grita por nossa intervenção, por nossa organização para garantir o básico. No desmonte do Estado brasileiro, o que está em jogo é o nosso futuro.
Precisamos lutar para assegurar nossos sonhos. E esses só se tornarão realidade se juntos buscarmos transformá-los em sonhos coletivos e fundamentais. Se organizados e em luta, se permanecermos juntos, daremos passos largos para viver plenamente a democracia. O fato de sermos diferentes não pode nem deve significar a falta de equidade e de direitos. Nossos filhos com certeza merecem viver em um país diferente, os filhos deles em um país mais diferente ainda e, assim, os filhos dos filhos deles provavelmente não precisarão ter políticas de cotas e de ações afirmativas para acessarem seus direitos.
A solidariedade e a generosidade dos homens e mulheres de bem são fundamentais em momentos como o vivido atualmente. Batem à porta a truculência dos vendilhões de nosso país, nossa Amazônia, nossas riquezas naturais correm riscos sérios de não mais nos pertencer num futuro muito breve. As reservas indígenas, as terras quilombolas, os assentamentos rurais e urbanos, o trabalho decente e digno, tudo corre sérios riscos de muito em breve deixar de existir. Precisamos urgentemente pensar um projeto político para nosso país e defendê-lo, ferrenhamente. Um projeto político que leve em consideração o país que queremos um país democrático e justo, que leve em consideração todos os seus cidadãos.
Nosso país é um país continental que hoje sangra pela falta de democracia, onde não há controle social, pois esse só é possível em Estados democráticos e de direito. Precisamos tomar as rédeas de nosso destino, ocupar as ruas e nelas resistir. Pensar um país para todas e todos, pois o futuro só pode ser vislumbrado se houver consciência dos erros do passado e coragem pra enfrentar o presente. E nosso presente é de luta, muita luta, garra, persistência, resistência e coragem.
*Makota Celinha é comunicadora Social, especialista em marketing e coordenadora nacional do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-brasileira (CENARAB).
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Imagem: Makota Celinha: “O golpe foi a forma mais rápida para acabar com estruturas que asseguravam minimamente a igualdade” / Fernando Frazão / Agência Brasil