Brasil: O racismo segue em ritmo acelerado para defender o capital [Opinião]

Por Thaiña Rodrigues, no Rio On Watch

Rio de janeiro, era julho e acontecia o Julho Negro –evento que promoveu encontros ao redor da cidade para debater o racismo em suas diferentes formas de existência– e presenciei duas cenas, em menos de 30 minutos no Centro da cidade que me deixaram perplexo. Ambos com objetivo de proteger o capital.

A primeira cena foi em frente ao Starbucks da Cinelândia que fica na saída do metrô. Estava parado ali mexendo no celular, me organizando para um compromisso mais tarde na Rua México, quando um senhor negro, morador de rua e com algum problema na perna me pediu dinheiro pra almoçar. Ele tinha dificuldades de falar e estava quase caindo sobre mim, o que não era um incômodo de maneira nenhuma. Por questões ideológicas sempre dou dinheiro para moradores de rua que me pedem –mais adiante explico melhor isso. O fato é que mal coloquei a mão na carteira e o segurança do Starbucks me abordou dizendo que aquele senhor não poderia entrar na loja. Fiquei duplamente surpreso com a abordagem porque além de não ter intenção nenhuma de levar o senhor para tomar aquele café caro, ninguém tinha perguntado nada ao segurança, e claro, se tivéssemos intenção de entrar iríamos! Não tem lei que possa nos impedir.

Eu, educadamente, disse que a franquia era uma espelunca e que aquele senhor merecia coisa melhor. Me certifiquei de que o senhor estava seguro e parti para meu compromisso.

Ainda tinha que esperar mais um pouco então decidi aguardar no Nisa Café que fica na Rua México em frente ao Consulado dos Estados Unidos. Enquanto aguardava, dois jovens negros me pediram um lanche. Mas a vigília destes lugares é intensa principalmente se você for negro. Eles precisam proteger a imagem do estabelecimento impedindo a presença negra a qualquer custo. Os meninos não terminaram suas frases dirigidas a mim e dois seguranças vieram expulsá-los. Eu já estava revoltado com a cena anterior e fiquei ainda mais incomodado com a nova velha situação. Quando falei em voz alta que iria pagar um lanche pra eles, os seguranças recuaram.

Conversei com os rapazes enquanto aguardava os lanches. O papo foi em voz alta. Queria que os seguranças soubessem o que eu estava falando. Queria que os seguranças soubessem que eles tinham direito a estar ali! Mesmo assim eles não se sentiam à vontade no ambiente por acharem elegante, mas que na verdade não tinha nada demais. Quando se têm referências humildes sobre os lugares que podem frequentar, qualquer aparência de elegância pesa. E os seguranças precisavam manter essa aparência negando lhes o direito de estar ali.

Na conversa  com os jovens descobri que eles eram amigos e que voltariam para Caxias ao final do dia. O Centro o Rio era um grande mundo para eles, e ali teriam mais chances de fazer um pouco de dinheiro. Os olhos dos meninos estavam sempre baixos e de vez em quando olhavam para os seguranças demonstrando medo. Os cochichos entre eles eram sobre os seguranças e as possibilidades de agressão que poderiam sofrer. Indagações baseadas em suas experiências nas ruas da cidade.

Foi inevitável lembrar que esta mesma lógica produziu a chacina da Candelária. Era o medo dos indesejados meninos de rua que motivou uma matança de jovens enquanto estes estavam dormindo. Na época, algumas pessoas celebraram o feito. Afinal, eles cometiam pequenos delitos e estariam sujando a imagem do local e atrapalhando os negócios. Sobre os negócios se justificam muita coisa. Não é de se admirar que o “Lapa, Centro e Méier presente” são patrocinados pela Fecomércio, grande interessada em manter lucros altos e negros afastados. Não é de se admirar que também são os criadores do Disque Denúncia.

Estes acontecimentos não são novos. São frutos de um projeto antigo chamado “Cidade Maravilhosa”, que envolve remoções de favelas, extermínio do povo negro. Nos últimos anos ganhou outro nome “Cidade Olímpica“, mas a política continuou a mesma. A transição entre estes dois projetos veio nos Jogos Pan-Americanos. Teve chacina, remoção e higienização. A diferença é que agora as empresas têm o aval do governo e participam ativamente deste projeto de cidade.

Estamos entrando em uma nova fase que envolve exército nas ruas, aliado a um jornal local que criou uma editoria de guerra. É uma guerra para proteger quem já é protegido e quem não sofre ameaça. Não são cidadãos cariocas que estão sendo protegidos. É o investimento feito nas Olimpíadas. Não é contra as drogas a guerra, é contra os pobres.

Para meus companheiros que construíram o Julho Negro, qualquer sociedade em que crianças de rua atrapalham negócios é uma sociedade falida. Eu estou com eles.

Lembra quando eu disse lá em cima que por questões ideológicas sempre dou dinheiro para moradores de rua que me pedem? Faço isso não apenas porque prefiro acreditar na palavra deles. Quero demonstrar que um pedinte não é um estorvo que merece ser tratado pelos seguranças ou garçons. Ajudamos a justificar a agressão do garçom ou segurança porque tratamos pedintes como estorvos que estão atrapalhando nossa vibe. Reforçamos em outra escala o que já rola na política pública: projetos de segurança não servem para proteger pessoas e sim a circulação, aliás restrita, do capital. O Lapa Presente recebe patrocínio da Fecomércio. A UPP teve grande investimento da EBX, aquela do Eike Batista.

Não nos enganemos. Nossas atitudes que excluem o negro da circulação e obstruiu o seu empoderamento através do uso dos equipamentos da cidade, refletem e justificam investimentos em chacina e projetos de segurança que combatem pessoas para proteger o capital.

Thaiña Rodrigues é museólogo e jornalista, nascido no Complexo da Penha e residindo a 4 anos no Complexo do Alemão. Atua no Coletivo Papo Reto, um coletivo que usa o audiovisual como forma de fazer disputa de narrativa sobre a favela.

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