4 erros do chefe da bancada ruralista

Nilson Leitão usou dados falsos sobre legislação ambiental, desmatamento de assentamentos do Incra e invasão de reservas florestais, além de exagerar orçamento de saúde indígena

por Maurício Moraes e Patrícia Figueiredo, da Agência Pública

O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT), deu uma entrevista polêmica para o site do serviço alemão Deutsche Welle no dia 21 de agosto. Chefe da bancada ruralista, o parlamentar atacou a legislação ambiental, defendeu o agronegócio e elogiou as reformas do governo Michel Temer (PMDB). Também minimizou protestos indígenas contra perda de direitos e invasões de terras e criticou demarcações. Segundo Leitão, manter a floresta em pé é um custo pago pelos produtores rurais, que deveria ser recompensado.

O relator da CPI, Nilson Leitão (PSDB-MT) é investigado pelo STF. Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

O Truco – projeto de fact-checking da Agência Pública – selecionou quatro frases do deputado federal para verificar. Seguindo a nossa metodologia, o parlamentar foi procurado para informar as fontes das afirmações e respondeu prontamente aos nossos questionamentos. As justificativas, enviadas pela assessoria de imprensa da FPA, foram incluídas nas checagens – a entidade ficou de se manifestar sobre os resultados após a publicação do texto. Veja abaixo as conclusões a que chegamos.


“O Brasil é o país com a legislação ambiental mais rígida do mundo.”

Ao criticar a legislação ambiental brasileira, o deputado ruralista Nilson Leitão afirmou que o regramento vigente aqui seria o mais rígido de todo o mundo. O Truco consultou duas especialistas em direito ambiental para verificar a informação. Há um consenso de que a complexidade do tema impossibilita comparar todos os aspectos das diferentes legislações do mundo. Logo, não é possível dizer que um país tem as leis mais rigorosas do planeta. Além disso, a comparação entre nações com ondas de ocupação de solo diferentes resultaria distorcida. Por isso, a frase de Leitão é classificada como falsa.

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do parlamentar respondeu com mais detalhes sobre sua alegação. “A obrigatoriedade de preservação de 20% (cerrado) a 80% (Amazônia) [da vegetação] dentro de propriedades privadas, além da necessidade de preservação das Áreas de Preservação Permanentes (morros, encostas, rios, lagos e nascentes), com distância entre 15 e 500 metros, a depender da largura do rio, são exemplos do quão rígida a legislação ambiental é. Nenhum outro país possui este tipo de exigência e de interferência em propriedades privadas, vide Estados Unidos e Europa”, disse o deputado, por meio de nota enviada por sua assessoria.

A porcentagem citada pelo parlamentar é relativa à chamada Reserva Legal. Trata-se da área do imóvel rural que deve ser coberta por vegetação natural e que pode ser explorada com o manejo florestal sustentável. Ela varia de acordo com o bioma em que está o território: 80% nas propriedades na Amazônia Legal e áreas de floresta, 35% no Cerrado, 20% nas demais vegetações do resto do país. Sua definição é feita pela Medida Provisória Nº 2.166-67, de 2001, que a estipula como “área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas”.

A legislação ambiental brasileira compreende ainda uma série de leis diferentes que abordam temas muito diversos. A principal é a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Nº 6.938, de 31 de agosto de 1981), mas as mais conhecidas são a Lei de Crimes Ambientais (Nº 9.605 de 13 de fevereiro de 1998) e o Novo Código Florestal (Nº 12.651, de 25 de maio de 2012). Para analisar essas e outras leis, a reportagem contatou Patrícia Iglecias, professora da Faculdade de Direito e superintendente de gestão ambiental na Universidade de São Paulo (USP), e também Danielle de Andrade Moreira, professora de direito ambiental na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Ambas afirmam que não é possível fazer a avaliação feita por Leitão em sua entrevista.

A existência de exigências como as impostas pelas Reservas Legais, cujas porcentagens são citadas pelo deputado em sua justificativa, não provam que o Brasil é o país com a legislação ambiental mais rígida do mundo. “A legislação ambiental engloba um grande número de temas, desde a preservação da cobertura vegetal, que no Brasil normalmente é feita via Código Florestal, até regras sobre poluição eletromagnética. A conservação da vegetação é um aspecto importante e relevante para a sociedade, mas pequeno diante de todo esse universo”, explica Danielle Moreira, que também é coordenadora de pesquisa do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente da PUC-Rio.

Por conta da complexidade do assunto, estudos que comprovariam a frase de Leitão seriam inviáveis. “Você pode até encontrar estudos comparados entre países, mas não do mundo todo”, afirma a professora da PUC-Rio. “É muito pouco provável que eles sejam feitos um dia porque seria complicadíssimo estabelecer uma metodologia consistente e cuidadosa diante de tantos aspectos diferentes que a legislação ambiental pode abordar.”

Um dos principais problemas da comparação feita pelo deputado é que ela não leva em conta o histórico de ocupação e uso de solo de outros países. “Não dá pra comparar o contexto europeu e americano ao brasileiro”, afirma Patrícia Iglecias, da USP. “Na Europa, por exemplo, a gente vê que há menos áreas protegidas porque a ocupação se deu muitos anos antes da brasileira. Então é óbvio que quando esses territórios foram ocupados não havia um conhecimento técnico suficiente para fazer legislações específicas.” A professora da PUC-Rio também faz essa observação. “Não é possível comparar os diferentes modos de ocupação e processos de dominação de área no mundo todo”, diz Danielle Moreira.

Há incoerências também na justificativa enviada pelo parlamentar após ser contatado pelo Truco. Apesar de o deputado alegar que um dos exemplos da rigidez da legislação brasileira seria a “obrigatoriedade de preservação” de 20% a 80% da vegetação em áreas privadas, não existe tal determinação na lei. “A legislação nunca exigiu a preservação de até 80% da propriedade. O que existe é a obrigatoriedade da conservação de uma porcentagem que varia de 20% a 80% do território”, explica Danielle Moreira. “É mal intencionado misturar no mesmo balaio conceitos de preservação e conservação. O objetivo da reserva legal é conservacionista e não preservacionista. O proprietário pode fazer diversos usos daquela área de maneira sustentável.”

Na nota enviada como justificativa, a deputado diz ainda que nenhum outro país traz exigências como a determinada pelas Áreas de Preservação Permanentes. Na verdade, existem outros países que também delimitam a necessidade de preservação nos arredores de morros, encostas, rios, lagos e nascentes, segundo levantamento feito por Patrícia Iglecias, da USP. “Na França, por exemplo, existem regras específicas que tratam de situações semelhantes às que ele cita”, explica a professora. O país promulgou em 27 de julho de 2010 a Lei 2010/874 que aborda os limites para a agricultura e a pesca. O texto traz uma definição de faixa de vegetação herbácea ou florestal e determina a conservação de pelo menos 5 metros nos arredores de cursos de água. Iglecias cita ainda a legislação vigente na Espanha, que promulgou em 2003 a Ley de Montes. O país passou a determinar que a proteção de áreas de importância ambiental independe da classificação do terreno em público ou privado, como também ocorre no Brasil.


“O Incra abriu inúmeros assentamentos. Aliás, quem mais desmatou a Amazônia na história do Brasil foi o Incra.”

Leitão criticou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), creditando ao órgão a criação de assentamentos que provocaram a maior parcela do desmatamento na Amazônia. De fato, o Incra foi responsável pela criação de milhares assentamentos nos últimos anos. No entanto, dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) mostram que a maior porcentagem de desmatamento na Amazônia Legal ocorre em propriedades privadas e não em assentamentos, como afirma o deputado. Por isso, a frase é classificada como falsa.

Procurado pela reportagem para informar qual foi a fonte da sua afirmação, Leitão disse, por meio de sua assessoria, que o Incra foi convocado a prestar contas ao Ministério Público Federal (MPF) sobre as medidas necessárias para a redução do desmatamento em assentamentos. “Entre agosto de 2014 a julho de 2015, foram derrubados 5.831 quilômetros quadrados de floresta na região, um aumento de 16% quando comparado ao mesmo período do ano anterior. Dados do Ministério do Meio Ambiente mostram que 26,55% do desmatamento ocorreu em áreas de assentamento”, disse o deputado, em nota, citando notícia da Agência Brasil publicada em dezembro de 2015.

Os dados apresentados em sua justificativa, contudo, não demonstram que os assentamentos são responsáveis pela maior parte do desmatamento na Amazônia. A nota alega que 26,55% da devastação ocorreu nessas áreas entre 2014 e 2015. Este número, no entanto, está desatualizado. Na verdade, dados do Ipam calculados com base nas estatísticas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que a porcentagem correta é 28,6%. A análise é feita a partir dos dados oficiais divulgados no fim de 2016. Ainda assim, não se trata da maior parcela: o desmatamento ocorreu com mais intensidade em terras privadas, que representam 35,4% da destruição, de acordo com o documento Panorama sobre o desmatamento na Amazônia em 2016.

Segundo números do Incra, hoje há no Brasil 9.365 assentamentos do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) nos quais vivem cerca de 970 mil famílias. Na Amazônia Legal são 2.823 assentamentos da reforma agrária sob responsabilidade do Incra, onde vivem cerca de 500 mil agricultores familiares. Esses números não levam em conta os assentamentos que já se emanciparam e viraram comunidades rurais autônomas, vilas e distritos rurais.

O desmatamento relativo às classes fundiárias é calculado pelo Ipam desde 2001. De acordo com os dados do instituto, a porcentagem de desmatamento ocorrida em áreas de propriedade privada foi superior à registrada em assentamentos em todos os anos pesquisados.

Além disso, o aumento na quantidade de quilômetros quadrados de floresta derrubados também não demonstra que a ação é prevalente em áreas de assentamento. Análises do Ipam mostram justamente que, apesar de o desmatamento na Amazônia em 2016 ter sido o maior registrado nos últimos oito anos, o perfil fundiário de onde ele aconteceu permaneceu o mesmo pelo menos nos últimos quatro anos.

Em outro estudo, exclusivamente dedicado ao Desmatamento nos Assentamentos da Amazônia, o Ipam destaca que o assentado típico não tem recursos para desmatar grandes áreas porque o processo é caro e exige maquinário que normalmente não está disponível facilmente aos pequenos agricultores. “Os números revelam que quase 72% da área desmatada dentro dos assentamentos está ocorrendo em polígonos maiores que 10 hectares, o que, em geral, não representa o padrão de desmatamento das atividades ligadas aos beneficiários de reforma agrária na região”, atesta a pesquisa.

Os números obtidos pelo Incra também apontam que os assentamentos que desmatam grandes áreas são exceção. Segundo dados do instituto, cerca de 50% do desmatamento ocorrido em assentamentos nos últimos cinco anos incide recorrentemente em apenas 80 assentamentos. “Apenas cerca de 3% do total dos assentamentos do Incra na Amazônia respondem por aproximadamente 50% do total do desmatamento neles ocorrentes, não sendo, portanto, um processo generalizado”, disse o órgão, em nota oficial enviada ao Truco. O Incra afirma ainda que, para esses 3% de assentamentos com maior número de áreas desmatadas, já há planos de recuperação ambiental em fase de elaboração.

O Ipam ressalta ainda que é necessário levar em conta também o desmatamento já existente nos terrenos onde os assentamentos foram criados. Essa análise concluiu que 46% da área dos 815 assentamentos criados entre 1997 e 2003 já estava desmatada antes. Os 736 assentamentos criados no período seguinte, de 2004 a 2008, foram estabelecidos com, em média, 43% de sua área desmatada, enquanto os 208 assentamentos criados a partir de 2009 apresentaram, em média, somente 33% da sua área já desmatada antes de sua criação. De 1997 a 2014, apenas 180 (10%) dos assentamentos foram criados em área integralmente coberta por floresta.


“A invasão de reserva é assunto do passado, já acabou há muito tempo.”

O deputado Nilson Leitão acredita que invasões de reservas florestais não acontecem mais no país. De acordo com a assessoria do parlamentar, a afirmação referiu-se a unidades criadas e já indenizadas. “Muitas reservas incorporaram propriedades. A única ressalva cabível são reservas criadas pelo governo federal, que ainda não indenizou proprietários”, informou, por meio de nota. Para analisar a frase, o Truco procurou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável por gerir unidades de conservação federais. A partir das informações obtidas, a checagem descobriu que a afirmação do deputado é falsa.

Desde 2014, pelo menos três áreas citadas pelo órgão federal são alvo de invasões e ocupações ilegais regulares: a Floresta Nacional de Jacundá e a Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia; e a Floresta Nacional do Iquiri, no Amazonas. “Apesar dos esforços da gestão e constante vigilância, algumas unidades ainda sofrem com ocupações ilegais e degradações provocadas por seus invasores”, destacou o ICMBio, em nota.

O instituto afirma que a Floresta Nacional do Iquiri enfrenta processo de grilagem, invasão para extração ilegal de madeira e desmatamento para criação de bovinos em seu entorno. Em outubro de 2016, por exemplo, uma operação apreendeu caminhões com toras de madeira de diferentes espécies que haviam sido derrubadas dentro da área. Os invasores tinham construído uma ponte sobre o rio Iquiri para ter acesso ao local.

Problemas semelhantes atingem as Florestas Nacionais de Jacundá e Jamari. Na primeira, o processo de exploração irregular de madeira ocorre desde 2014. “O ICMBio tem realizado várias incursões de fiscalização executadas com o intuito de cessar os ilícitos e responsabilizar os infratores”, afirmou o instituto. Na Floresta de Jamari, invasões de grupos de madeireiros têm sido recorrentes desde 2015.

Apesar de não ter sido citada pelo ICMBio, a Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, também convive com grileiros. Em julho, o governo federal enviou um projeto de lei para o Congresso com o objetivo de transformar grande parte do local em Área de Proteção Ambiental (APA), o que reduz a proteção. Com isso, abre-se caminho para a legalização de ocupações irregulares.

Na justificativa da proposta, o ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, admite o problema. “A área onde se localiza a Floresta Nacional do Jamanxim tem sido palco de recorrentes conflitos fundiários e de atividades ilegais de extração de madeira e de garimpo associados a grilagem de terra e a ausência de regramento ambiental”, afirma. Para Sarney Filho, a criação da APA vai possibilitar a regularização fundiária das propriedades para que, no futuro, ocorra também a regularização ambiental destas áreas. O projeto, criticado por ambientalistas, tramita na Câmara dos Deputados.


“O orçamento da Secretaria Nacional de Saúde Indígena é de 2 bilhões [de dólares] por ano. Quase a metade desse dinheiro é gerido por ONGs.”

O orçamento da Secretaria Nacional de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde, foi criticado pelo deputado Nilson Leitão. Segundo ele, foram gastos US$ 2 bilhões por ano (R$ 6,2 bilhões) com o órgão e aproximadamente metade do dinheiro é gerido por organizações não-governamentais (ONGs). Como fonte dessa informação, foi indicado o relatório apresentado na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fundação Nacional do Índio (Funai), que ocorreu na Câmara dos Deputados. O dado usado pelo parlamentar, no entanto, está exagerado.

O relatório da CPI da Funai traz um valor menor do que o citado por Leitão. No Anexo 15, um artigo escrito por Márcio Santilli, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA), afirma que o orçamento da Sesai era de R$ 1,6 bilhão. Em outro trecho do documento, há dados sobre uma das entidades que trabalham em conjunto com a secretaria, a Missão Evangélica Caiuá, de Dourados (MS). De acordo com o documento foram repassadas as seguintes quantias para a ONG: R$ 36,5 milhões (2010); R$ 116,9 milhões (2011); R$ 334,7 milhões (2013); R$ 344,6 milhões (2014); R$ 433,4 milhões (2015); e R$ 217 milhões (2016).

O Truco procurou o Ministério da Saúde para saber se o valor citado pelo chefe da bancada ruralista estava correto. A pasta afirmou que a quantia prevista para este ano foi de R$ 1,4 bilhão, número bem menor do que o mencionado pelo parlamentar e também inferior ao que aparece no relatório da CPI da Funai. Segundo o ministério, o orçamento é o mesmo de 2016. Já as entidades conveniadas receberão R$ 672 milhões este ano, o que é equivalente a pouco menos da metade do total.

Em nota, a assessoria de imprensa da pasta afirmou que, desde dezembro de 2013, a prestação de serviços complementares de saúde nas aldeias é feita em parceria com três entidades sem fins lucrativos: Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM); Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip); e Missão Evangélica Caiuá. As ONGs foram escolhidas após um chamamento público de instituições que tinham Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social (Cebas).

O restante do recurso vai para os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), que utilizam o dinheiro para suas despesas. Parte também vai para a construção e reforma de sistemas de abastecimentos de água e Unidades Básicas de Saúde nas aldeias, aquisição de equipamentos médicos hospitalares e recursos logísticos. Nesse caso, gestores locais administram os valores.

Imagem destacada: Desmatamento em área da Amazônia flagrado pelo Ibama em 2011 (Foto: Ascom/Ibama)

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