A menos que o roteirista responsável por escrever os capítulos da crise política brasileira esteja usando um alucinógeno mais poderoso do que imaginávamos, a Câmara dos Deputados deve livrar novamente o pescoço de Michel Temer de ser processado pelo Supremo Tribunal Federal.
Sete dos ministros da corte votou, nesta quarta (20), para que a denúncia contra ele por obstrução de Justiça e organização criminosa seja enviada para análise da Câmara dos Deputados – só Gilmar Mendes se colocou contra. A votação continua amanhã e os ministros podem modificar o voto. A defesa do ocupante do Palácio do Planalto pediu para que o processo não seja encaminhado antes do fim da investigação sobre a lambança no acordo de delação dos controladores da JBS.
O presidente mais impopular da história recente do país, menos querido até que benzetacil nas nádegas (ao menos a injeção dói, mas traz benefícios), deve sobreviver a esta segunda denúncia encaminhada pela Procuradoria Geral da República à custa do nosso dinheiro e de nossa dignidade.
Sim, você pode não se importar com política. Mas será quem pagará para que ele continue lá, produzindo mesóclises, enterrando direitos e mentindo na Assembleia Geral das Nações Unidas.
O Congresso Nacional vive um descolamento total e abissal com relação aos interesses da maioria da sociedade. Boa parte dos que estão ali defendem apenas o seu e o de seus grupos de interesse. Aprovam propostas que seriam facilmente rejeitadas nas urnas e dobram a democracia para garantir sua perpetuação no poder. Vendem seus votos para o Palácio do Planalto com o objetivo de evitar que um presidente denunciado seja processado por cargos, emendas ou em troca de apoio em projetos que rasgam a dignidade de grupos vulneráveis, como as populações indígenas, e o meio ambiente. E legislam em causa própria, chegando ao cúmulo de propor e conseguir perdões de dívidas bilionárias, que estavam em seu nome e no de seus amigos empresários, com o poder público.
A maioria dos ministros do STF está certa ao encaminhar a denúncia para análise da Câmara dos Deputados.
Mas poderiam, ao menos, ajudar a nação determinando que o dinheiro que será usado para comprar os parlamentares não saia de áreas essenciais, como a gasolina dos carros da fiscalização que retira crianças do trabalho infantil ou da bolsa de pesquisadores que produzem nossa ciência. Afinal, essas políticas chegaram a ser afetadas pela ”crise econômica” enquanto dinheiro para livrar Temer nunca faltou.
–
Foto: Edilson Dantas/Agencia O Globo