Incra/RJ
Agricultores familiares da comunidade remanescente de quilombo de Prodígio, localizada no município de Araruama, região dos Lagos do estado do Rio de Janeiro, receberam cópia do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) em cerimônia organizada pelo Incra na última quinta-feira (28), na localidade. O documento tem caráter multidisciplinar e contém informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, socioeconômicas, históricas e etnográficas da comunidade, obtidas em campo e junto a instituições públicas e privadas.
Além dos quilombolas que vivem na área abrangida pelo território, participaram da cerimônia de entrega do relatório, o superintendente regional do Incra no Rio de Janeiro, Carlos Castilho, o assessor técnico, Cassius Rodrigo, a antropóloga Mônica Lepri e o engenheiro agrônomo Vanilton Santos, além do técnico do Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro (Iterj) Ricardo Alves.
Castilho lembrou que parceria celebrada entre o Incra e o Iterj habilita o órgão estadual a emitir Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) para comunidades quilombolas no estado. O documento foi criado para identificar o agricultor familiar nas áreas rurais, dar acesso às linhas de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e aos programas de compra pública, como o de Aquisição de Alimentos (PAA) e o de Alimentação Escolar (Pnae).
A comunidade é composta por 32 famílias e o território identificado e delimitado possui área de aproximadamente 118 hectares. Eles possuem galinheiro agroecológico e fossas sépticas biodigestoras na comunidade, produzem feijão orgânico, farinha, biju, urucum, laranja, entre outros gêneros alimentícios, e contam com a parceria da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (Pesagro) para o desenvolvimento produtivo.
Escolhido para representar a comunidade na cerimônia e receber o RTID em nome dos quilombolas, o agricultor Paulino da Conceição, o Poli, de 57 anos, tem uma história muita ligada à trajetória de luta da comunidade pela titulação das terras. Em 2009, ele foi despejado da casa onde nasceu e viveu por 51 anos e sua moradia foi derrubada. O fato motivou a comunidade a entrar com o pedido no Incra para regularização fundiária das terras.
Histórico
De acordo com o RTID, o sertão de Araruama, onde fica Prodígio, foi uma terra sem dono, povoada por mocambos de camponeses negros, caboclos e brancos pobres até o começo do século 19. As primeiras casas-grandes, entre elas a Fazenda Prodígio, começaram a ser construídas por volta de 1870.
Porém, em meados dessa década, um surto de “febre palustre” se alastrou pelo território, provocando o despovoamento do território, por morte e fuga, principalmente dos donos das terras. Dessa forma, nos anos finais da escravidão, a região de Prodígio voltou a ser um território camponês mocambeiro, povoado de ex-escravos negros e índios, que plantavam para subsistência e venda no barracão, onde compravam sal, querosene e tecido.
Um novo grupo de “donos da terra” só foi chegar ao local nos anos 1920, já com a República Velha consolidada no país. Na década de 1950, um desses herdeiros convidou as famílias mocambeiras-quilombolas a morar e plantar na fazenda Prodígio em troca de um dia de trabalho na laranja. Foi assim que os quilombolas tomaram posse das roças e casas onde vivem até hoje.
A mãe de Poli era uma dessas colonias, que ocupava uma área de casa e roça de aproximadamente 2 hectares. No entanto, embora situada no coração do território da fazenda Prodígio, essa área fazia parte de um pequeno sítio de 10 hectares, registrado em nome de um particular. Com a morte do proprietário do sítio, seus herdeiros fizeram a partilha e, em 2009, área tradicionalmente ocupada por Poli foi vendida para um empresário que ocasionalmente usa a terra como pasto.
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Imagem: Paulino da Conceição (centro) recebeu relatório de identificação do território da comunidade quilombola Prodígio.