Por Emília Morais – comunicadora do Esplar, na Asa Brasil
Refletir com as mulheres, homens e crianças rurais sobre o racismo deixado pela colonização e escravidão no Brasil, e que ainda hoje se expressa na forma de tratar as populações negras, índias, ciganas de povos de terreiro, entre outros grupos. Este foi o desafio lançado pela professora Zelma Madeira à equipe ténica do Esplar, que atualmente conduz projetos sociais em agroecologia, gênero e educação do campo para mais de quatro mil famílias, em 39 cidades do Ceará.
Zelma Madeira é professora do curso de graduação em Serviço Social e do Mestrado em Serviço Social, Trabalho e Questão Social da Universidade Estadual do Ceará (Uece). É mestra e doutora em Sociologia, coordena o Laboratório de Afro-brasilidade, Gênero e Família da UECE (Nuafro) e lidera o Grupo de Pesquisa Relações Étnico-Raciais, Cultura e Sociedade. Em 2015, foi nomeada Coordenadora de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial do Estado Ceará.
Decoloniar o Brasil
Na formação sobre raça e etnia realizada no Esplar dia 25 de setembro, a estudiosa falou sobre o ideal de “branqueamento” do povo brasileiro. Este projeto de nação de brancos colonizadores inferiorizava os povos tradicionais e escravizados e impunha a miscigenação para que fossem aceitos/as na sociedade.
“Quanto mais claro, mais superior”, explicou Zelma. Consequência disso é o constrangimento das pessoas em se declararem negros e negras nos censos demográficos e até mesmo nos cadastros dos projetos sociais. “Se as pessoas não se autodenominam negros e negras, é sinal de que as relações étnico-raciais não estão bem”, alertou.
Reconhecer a própria identidade e assumir sua origem étnica (negra, indígena, cigana) é uma das metas das políticas de igualdade racial para os brasileiros e brasileiras. No Ceará, apenas 4% da população se declara negra. A professora ressaltou a contribuição que o trabalho social do Esplar pode dar para desconstruir o pensamento racista. A ONG tem a missão de “Construir, compartilhadamente, um projeto de desenvolvimento solidário, ecologicamente sustentável e contra a discriminação de raça, etnia e geração”.
“Projetos como os de vocês podem somar forças para combater o racismo estrutural. Todas as nossas ações devem ser para desfazer o colonialismo ”, afirmou Zelma. Para fazer uma intervenção qualificada, os/as técnicos/as agropecuários, pedagogas, agronônomos/as e diversos profissionais que trabalham no Esplar devem incentivar a autoestima nas famílias e crianças negras e índias, mostrando a pertença étnica como algo positivo.
A escuta respeitosa na mediação dos encontros comunitários também deve ser feita pela equipe, permitindo que as pessoas falem do preconceito que sofreram. “Falar sobre a questão racial no Brasil ainda é um tabu. Quando perceberem (agricultores e agricultoras) que há abertura para falar de situações de racismo, vai haver uma enxurrada de depoimentos”.
Território de terreiros
No diagnóstico de território feito pelas equipes, são descritas as características culturais, históricas e geográficas das comunidades, assentamentos e aldeamentos. Para realizá-lo, os educadores/as do Esplar devem perceber se há manifestações culturais de matriz africana ou indígena e estimular a participação de todos os grupos sociais na elaboração dos planos de desenvolvimento. “Se queremos desenvolvimento sustentável, é importante escutar os povos tradicionais”.
Conhecer as leis
Para que as populações tradicionais tenham acesso à Justiça e denunciem os crimes de racismo e injúria racial, é preciso conhecer as leis que combatem o preconceito e buscam equidade. A desigualdade social e a pobreza são muitas vezes originadas pelo preconceito racial, por isso 71% da população brasileira em extrema pobreza é negra. A coordenadora aconselhou que os trabalhadores e trabalhadoras rurais sejam orientadas/os a não aceitar viver em condições de vulnerabilidade social ou de trabalhos subalternos por causa da cor da pele.
Conheça as leis para promoção da igualdade étnico-racial
A Lei Caó, n° 7.716/89 torna crime o racismo;
Lei 12.288/2010 cria o Estatuto da Igualdade Racial;
Lei 11.645/2008 e Lei 10.639/03 incluem o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena nas escolas
Lei 12.711 determina as cotas sociais e raciais nas universidades,
Lei 12.990/14 reserva aos negros e negras 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – sobre povos indígenas e tribais
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Foto: Esplar