O conto, a palavra, o livro e o canto de Paulina Chiziane e Elisa Lucinda

Última mesa da Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica) deste sábado (7) teve mediação da escritora e poeta Lívia Natália

Por Danutta Rodrigues, G1 BA, em Cachoeira

Não foram apenas palavras. As vozes da máxima potência de Paulina Chiziane e Elisa Lucinda ressoaram nos corações presentes no Claustro do Convento do Carmo, na Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica). As palavras ganharam novos significados na noite deste sábado (7). Com mediação da escritora e poeta Lívia Natália, o território da Flica foi ocupado pela mulher negra.

“Ser mulher e ser artista. A potência das palavras de uma mulher, negra ou branca, é capaz de construir novos mundos, muito mais humanidade. Eu própria sou o produto dessa potência que a palavra tem. Tenho certeza de que quando sair daqui serei mais humana, e mais melhor, como se diz em Moçambique. Ser mulher é isso, quebrar fronteiras, conciliar cozinha e computador. É construir uma identidade mais humana a partir da palavra”, definiu a escritora moçambicana Paulina Chiziane.

“A palavra é essa coisa, essa materialidade subjetiva. É ela que pode tecer a paz. Tem poder de ação. As palavras e seus significados, e com ela que a gente vai tecer o outro lado desse pano. É com ela que a gente vai inverter o jogo. Eu só estou aqui por causa da palavra, ela que nos faz viajar pelo mundo e nos inclui nos grandes salões. Minha escrita é um testemunho da minha experiência de existir”, completou Elisa Lucinda.

Elisa Lucinda. Foto: Paolo Paes /Divulgação

Sob uma mediação consciente e sensível, Lívia Natália passeou pelo universo de duas escritoras que fazem parte do próprio repertório como artista. Assim, com um discurso fluido, as narrativas de cada uma foram se revelando ao público. Sobre as afetividades da mulher negra, tema recorrente para a poeta baiana, Paulina Chiziane respondeu:

“Eu não sei responder essa pergunta. A questão do amor para mulher negra, mulher africana, é complexa. Vieram os invasores, tiraram nossos filhos, e deixaram as mulheres sozinhas. Quem é mulher e negra sabe disso. O que é o amor numa sociedade de poligamia? O que é o amor onde as mulheres casam na mais tenra idade, aos 10 anos? O que é o amor numa sociedade cheia de conflitos armados onde soldados faziam o que faziam? Falar do amor para a mulher negra é muito complicado. Esse sentimento sublime não encontra espaço. Por isso eu digo que temos que depor armas e aceitar a solidão”, disse a escritora.

Entre leituras de poemas, risadas e performances, Elisa Lucinda ainda falou sobre racismo. “O racismo é uma metástase no corpo da nação brasileira. Está em todos os órgãos. Não sou eu que coloco o racismo nos assuntos não. É o racismo que está em todo lugar. E há quem colabore até hoje com essa estética onde só tem preto garçom e todo mundo acha normal e ninguém se espanta”, diz a poeta.

Sobre o livro O Canto dos Escravos, que aborda a temática racial, Paulina afirma: “A minha questão era essa. Este é o nosso canto. É o canto da eternidade. Temos que nos perguntar todos os dias se somos livres ou se somos escravos. Que história é essa de colocar cabelo do outro no seu cabelo? A mulher negra se torna escrava quando acha que o cabelo do outro é melhor do que o dela. Liberta-te!”.

Assim, ela ainda diz que a palavra não serve apenas para denunciar. É para conversar e construir uma nova identidade. “A luta continua. Nós temos a palavra e, com a potência da palavra, vamos desconstruir as mentiras que foram ditas ao longo dos séculos”, defende. Convocando o público para uma reflexão, Elisa Lucinda questionou: “Você é um escravagista moderno ou um abolicionista moderno?”. A resposta para a questão, na voz de Paulina Chiziane: “A escravatura durou quase quatro séculos e a libertação também durará outros quase cinco séculos”.

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Escritora moçambicana Paulina Chiziane. Foto: Paolo Paes /Divulgação

 

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