Por que muitos jovens se apaixonam pelas ideias violentas de Bolsonaro?, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

Políticos misóginos, comediantes homofóbicos, religiosos fundamentalistas e celebridades violentas têm se tornado exemplos para grupos de rapazes que, acreditando serem revolucionários e contestadores, na verdade agem de forma conservadora e reacionária.

Acreditam que estão sendo subversivos lutando contra a ”ditadura do politicamente correto” – que se tornou uma forma pejorativa de se referir aos direitos humanos.

Essa ditadura, claro, é uma ficção. Qualquer ostra saudável sabe que se os direitos humanos fossem minimamente respeitados por aqui não haveria fome, crianças trabalhando, idosos deixados para morrer à própria sorte, pessoas vivendo sem um teto. Não teríamos essa taxa pornográfica de homicídios, nem exploração sexual de crianças e adolescentes, muito menos trabalho escravo. Aos migrantes pobres seria garantida a mesma dignidade conferida a migrantes ricos. Todas as crenças seriam respeitadas, tendo Jeová como deus ou não. A liberdade de expressão seria defendida, mas não a custo da dignidade e da vida humanas. Se direitos humanos fossem efetivados, não teríamos mulheres sendo estupradas, negros ganhando menos do que brancos e pessoas morrendo por amar alguém do mesmo sexo. O que temos, em verdade, é um statuo quo sendo contestado, o que provoca pânico em muita gente.

Parte desses jovens também abraça discursos ultraconservadores como reação às tentativas de inclusão de grupos historicamente excluídos. Como já escrevi aqui antes, ela viu que a luta por direitos iguais por parte de suas colegas de classe ou de coletivos feministas em suas escolas significará, para eles, uma perda de privilégios que hoje os homens têm. Nesse contexto, influenciadores digitais, formadores de opinião e guias religiosos ajudam a fomentar, com seus discursos violentos e irresponsáveis, uma resposta negativa dos rapazes à luta das moças pelo direito básico a não sofrerem violência.

E não apenas jovens. Há políticos, como Jair Bolsonaro, que ocupam um espaço de porta-voz de um público insatisfeito que se vê acuado diante do discurso de que muito do que lhes foi ensinado no que diz respeito aos seus direitos, deveres e limites agora precisa ser revisto para incorporar mudanças. Pessoas comuns que veem seus preconceitos serem atacados, chamados de coisa do passado. Imagine uma pessoa, que sente que seu mundo está mudando mais rápido do que pode compreender, quando aparece uma liderança dizendo que não precisa se sentir dessa forma, nem se adaptar. Apenas lutar para manter tudo como está. Não admira, portanto, que Bolsonaro esteja bem colocado entre os mais ricos nas pesquisas de opinião.

Independentemente do que aconteça daqui em diante na política brasileira, temos visto o resgate de uma narrativa (que imaginávamos morta e enterrada) que justifica o ataque aos direitos humanos sob o argumento insano de que são ”coisa de comunista”. Ou seja, o pacote de direitos, que em sua formulação contemporânea se deu sob clara inspiração liberal, ganha outra conotação na mente de gente mal informada ou mal intencionada. A efetivação de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais vem sendo julgada em praça pública com o argumento de que ”criam discórdia onde antes havia paz” ou ”geram divisões onde tudo funcionava bem”. Funcionava bem para quem?

Como os principais partidos políticos não se esforçaram para garantir mais participação popular, o governo e a oposição derrapam em dar respostas para a retomada do crescimento econômico e a vida do brasileiro (principalmente o mais pobre) vai piorando a olhos vistos, além de um esgarçamento institucional para salvar envolvidos em corrupção, vamos assistindo ao crescimento de discursos que bradam que a política é desnecessária. E que a própria democracia é questionável.

Políticos como Donald Trump e Jair Bolsonaro não são idiotas, pelo contrário. Falam o que falam porque sabem que muita gente irá aplaudi-los por isso. Embrulham sua narrativa em uma falso frescor de novidade que cativa muitos jovens quando, na verdade, ela é a mesma que está no poder desde que os primeiros brancos chegaram ao continente americano.

Sabem conversar com um público que quer saídas rápidas para a falta de emprego e para a segurança pública e que precisam de alguém que lhes entregue uma narrativa consistente para poderem tocar suas vidas – narrativa que os partidos tradicionais solapam em oferecer. A esquerda, com louváveis exceções, parece não querer fazer isso na área da segurança pública. Jovens estão morrendo na periferia aos milhares e policiais honestos, às dezenas. Portanto, são necessárias soluções de curto prazo, que passem por garantir qualidade de vida dessas populações de ”matáveis”, e não apenas ações estruturais que levam anos.

Mas, como já disse aqui, a mesma insatisfação com a política tradicional e a mesma crise das narrativas que elegeram Donald Trump, também produziram Bernie Sanders. Mesmo que não tenha sido escolhido por conta de intensa campanha do establishment do próprio Partido Democrata, sua disputa nas primárias provocou debate sobre um projeto mais progressista para os Estados Unidos. Papel semelhante desempenha Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista, no Reino Unido – que perdeu a eleição para Theresa May. Ele cresce em popularidade, com seu discurso mais à esquerda, em uma nação que tenta entender o que significa sua saída da União Europeia. Os dois são chamados de populistas e irresponsáveis por quem acredita na divindade do mercado. Mas ajudam a arejar o debate com novas propostas, cativando os mais jovens.

A esquerda no Brasil conseguirá se organizar e disputar um novo projeto de país? Um que não tenha vergonha de reconhecer seus erros e atuar em campos que lhe são espinhentos, como a violência urbana? Poderá construir uma nova narrativa que desperte o sonho e o engajamento dos mais novos?

Muitos desses jovens estão descontentes, mas não sabem o que querem. Sabem o que não querem. Neste momento, por mais agressivos que sejam, boa parte deles está em êxtase, alucinada com a rua e com o poder que acreditam ter nas mãos. Mas ao mesmo tempo com medo. Pois cobrados de uma resposta sobre sua insatisfação, no fundo, no fundo, conseguem perceber apenas um grande vazio. Pode-se continuar dando às costas a eles, chamando-os de fascistas, ou abrir o diálogo – muitas vezes difícil, mas necessário.

Há um déficit de democracia participativa que vai ter que ser resolvido. Só votar e esperar quatro anos não adianta mais para esse grupo, pois muitos jovens reivindicam participar ativamente da política. Querem mais formas de interferir diretamente nos rumos da ação política de sua cidade, estado ou país. Não da mesma forma que as gerações de seus pais e avós, claro. Porque, naquela época, ninguém em sã consciência poderia supor que criaríamos outra camada de relacionamento social, que ignorasse distância e catalisasse processos.

Precisamos, urgentemente, ouvir os mais novos e construir com eles um projeto para a sociedade em que vivemos. Negar isso e buscar, novamente, saídas de cima para baixo, seja através da esquerda democrática ou da direita liberal, não dará certo. Não admira que quem sugere adotar as soluções de sempre são as mesmas pessoas que não entenderam o significado das manifestações de junho de 2013. Ou que nada aprenderam com elas.

Se não abrirmos esse debate, teremos uma década de um sombrio macarthismo, repaginado e adaptado, que se desenha adiante. Década puxada por velhos políticos fantasiados com o novo e suas milícias digitais.

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