O ministro do Trabalho Ronaldo Nogueira atendeu a um antigo pedido da bancada ruralista no Congresso Nacional e reduziu o conceito de trabalho escravo através de portaria publicada, nesta segunda (16), no Diário Oficial da União.
Sob a justificativa de regulamentar a concessão de seguro-desemprego aos resgatados do trabalho escravo, benefício que lhes é garantido desde 2003, uma nova interpretação para os elementos que caracterizam a escravidão e que, portanto, norteiam a ação das operações de fiscalização foi publicada.
Hoje, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea: trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida do trabalhador) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).
A nova portaria estabelece a existência de cerceamento de liberdade como condicionante para a caracterização de ”condições degradantes” e de ”jornada exaustiva”, ao contrário do que está no artigo 149 do Código Penal. Segundo a lei, qualquer um dos quatro elementos é suficiente para caracterizar o crime.
Dessa forma, as condições de trabalho a que estão submetidas as vítimas, por piores que sejam, passam a ser acessórias para os flagrantes de trabalho análogo ao de escravo pelos auditores fiscais e a concessão de seguro-desemprego aos resgatados.
A portaria também reforça a questão do não consentimento do trabalhador para a caracterização de trabalho forçado. Hoje, em consonância com as Nações Unidas, as operações de resgates de pessoas têm considerado o consentimento irrelevante para a caracterização de trabalho escravo. Dessa forma, mesmo que uma pessoa aceite trabalhar só por comida, o Estado tem a obrigação de considerar tal ato como escravidão contemporânea.
A bancada ruralista e membros de outros setores econômicos com incidência de trabalho escravo, como o da construção civil, têm defendido que é ”difícil” caracterizar ”condições degradantes” e ”jornada exaustiva”, o que geraria ”insegurança jurídica”. Técnicos do Ministério do Trabalho e procuradores do Ministério Público do Trabalho afirmam que há instruções e enunciados detalhados e conhecidos a respeito disso, além de jurisprudência e decisões do próprio Supremo Tribunal Federal.
A portaria também condiciona a inclusão de nomes à ”lista suja” do trabalho escravo, cadastro de empregadores flagrados por esse crime que garante transparência ao combate à escravidão, a uma determinação do próprio ministro. Ou seja, a divulgação pode deixar de ter uma caráter técnico e passar a contar com uma decisão política.
As novas regras também condicionam a validade dos autos de infração relacionados a um flagrante de trabalho escravo à presença de um boletim de ocorrência lavrado por uma autoridade policial que tenha participado da fiscalização. Dessa forma, a palavra final sobre a existência de trabalho escravo pode sair das mãos de auditores fiscais e passar para a de policiais.
A portaria ocorre menos de uma semana após a exoneração do coordenador nacional de fiscalização do trabalho escravo do próprio ministério, André Roston. Sua dispensa causou polêmica porque a mudança teria partido da base de apoio do governo no Congresso Nacional em meio às negociações para que não seja admitida a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Michel Temer.
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Foto: Ueslei Marcelino/Reuters