Enquanto assistimos à “lenta agonia da Nova República”, é possível observar a “cristalização de um consenso entre PT, PMDB e PSDB em relação à conveniência de manter Temer no Planalto até 2018, não importando o custo em termos de ataques aos direitos dos trabalhadores, aprofundamento da crise social, desorganização do aparelho de Estado e agravamento da crise institucional”, afirma o economista Plínio de Arruda Sampaio Jr. à IHU On-Line. E adverte: “O silêncio das ruas, evidente após a decisão da CUT e do PT de esvaziar a greve geral do dia 30 de junho, unificou o partido do ‘salvem-se todos’ em torno do objetivo comum de ‘estancar a sangria’”. Ao comentar os últimos acontecimentos políticos no país, incluindo o depoimento de Palocci à Lava Jato e sua carta ao PT, Sampaio Jr. é enfático: “Na guerra entre Palocci, Lula e PT, não há inocentes”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o economista também avalia a situação econômica do país e crítica as declarações do governo federal sobre a melhora da economia. “O governo mente sem cerimônia. (…) Neste ano, apesar da relativa melhoria do preço das commodities, da boa safra agrícola, do expressivo déficit primário e dos efeitos anticíclicos da liberação dos recursos do FGTS, a economia está estagnada. O PIB de 2017 deve ficar em torno de 0,5%. Não há nada objetivo que permita imaginar uma recuperação em 2018”.
Na avaliação dele, uma alternativa econômica viável para país deveria “romper a lógica do ajuste neoliberal, o que supõe uma política de ruptura com o Plano Real e a ordem global”. Além disso, sugere, seria preciso apostar nas seguintes possibilidades: “inversão do critério de prioridade implícito na Lei de Responsabilidade Fiscal que estabelece que, primeiro, pagam-se os credores do Estado e, só depois, com o que sobra, se faz políticas públicas; fim da liberdade de movimento de capitais e centralização cambial, único meio de proteger a economia nacional dos efeitos desestabilizadores da fuga de capital; democratização do Banco Central para permitir que a moeda nacional seja utilizada em função das prioridades da economia popular; auditoria política da dívida pública a fim de libertar a economia brasileira do fardo do rentismo; e todas as medidas complementares indispensáveis para que a política econômica possa ser colocada a serviço dos interesses dos trabalhadores”.
Sobre temas que estão na ordem do dia, como a reforma tributária e o enfrentamento das desigualdades, o economista ressalta que “para que o Estado tenha condições de oferecer políticas públicas de qualidade, o gasto público deveria ser de 30 a 35% do PIB. Isso significa que a carga tributária líquida – recursos públicos efetivamente disponíveis para fazer política social e investimentos públicos – deveria ter uma expressiva elevação. A reforma tributária deveria aumentar imposto e eliminar o caráter escandalosamente regressivo da estrutura tributária”. A seguir, ele também comenta brevemente as possíveis candidaturas para a presidência da República em 2018 e os respectivos programas econômicos dos concorrentes.
Plínio de Arruda Sampaio Jr. é professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas – IE/Unicamp. Possui mestrado em Economia e doutorado em Economia Aplicada pela mesma instituição. É autor de Capitalismo em crise: a natureza e dinâmica da crise econômica mundial (São Paulo: Editora Sundermann, 2009) e Entre a nação e a barbárie: os dilemas do capitalismo dependente(Petrópolis: Vozes, 1990).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Há novidades na atual conjuntura política? Dos últimos acontecimentos políticos, qual merece ser analisado com mais atenção?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – Assistimos a lenta agonia da Nova República. A democracia de cooptação instituída na transição da ditadura militar encontra-se em estado terminal, mas ainda tem força para resistir à morte. A marca do momento é a cristalização de um consenso entre PT, PMDB e PSDB em relação à conveniência de manter Temer no Planalto até 2018, não importando o custo em termos de ataques aos direitos dos trabalhadores, aprofundamento da crise social, desorganização do aparelho de Estado e agravamento da crise institucional. O silêncio das ruas, evidente após a decisão da CUT e do PT de esvaziar a greve geral do dia 30 de junho, unificou o partido do “salvem-se todos” em torno do objetivo comum de “estancar a sangria”.
A surpreendente estabilidade do governo Temer, não obstante sua gangrena moral, reforçou o clima claustrofóbico que envenena a sociedade. Estamos no pântano. Na ausência de uma solução democrática, forjada de baixo para cima, para a crise política-institucional, cresce o risco de soluções “autoritárias”. A cumplicidade do alto comando militar com as declarações abertamente conspiratórias do General Antônio Hamilton Mourão revela o avançado grau de deterioração da situação política brasileira.
IHU On-Line – Recentemente o STF enviou à Câmara um segundo pedido de investigação do presidente Temer. Como avalia a decisão?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – As denúncias do Ministério Público Federalsão gravíssimas. Vivemos uma situação absurda. As evidências de que o Brasil foi assaltado por um bando de delinquentes a serviço do grande capital são robustas e, mesmo assim, nada é feito para detê-los. A segunda denúncia é ainda mais grave do que a primeira, pois atinge não apenas Temer, mas todo o alto comando de seu governo. Ao rechaçar a possibilidade de investigação da quadrilha que se apossou do Planalto, o legislativo evidencia sua cumplicidade com os crimes contra o patrimônio público. A banalização da crise política pelos grandes meios de comunicação naturaliza o completo divórcio entre o Estado e a população. A hipocrisia da classe dominante foi levada ao paroxismo. O abismo entre os códigos morais e os costumes políticos, as regras formais e as práticas reais é abismal. O Brasil vive uma situação surreal. A cruzada moralista contra a corrupção convive com a mais descarada conivência com a cleptocracia. Ao explicitar a inexistência de uma solução institucional para a crise do padrão de dominação, o impasse político e moral gerado pela falência da Nova República desloca o eixo da luta de classes para o campo extra-institucional.
A metástase da crise coloca no horizonte uma situação de grande turbulência política e social. Preocupados em defender a qualquer custo seus privilégios, os de cima aproveitam o imobilismo dos de baixo para retirar direitos trabalhistas e sucatear as políticas sociais. A burguesia partiu para a ignorância, abandonou qualquer preocupação com as aparências e assumiu sem escrúpulos seu caráter despótico. Submetida aos interesses de uma plutocracia inescrupulosa, a razão de Estado entrou em conflito frontal com as necessidades de quem depende do próprio trabalho para sobreviver. Os de baixo, pouco a pouco, tomam consciência de que o Estado brasileiro funciona como quartel general do grande capital. Percebem que as necessidades da população e os interesses estratégicos da Nação não fazem parte das preocupações das classes dominantes.
IHU On-Line – Com a saída de Janot da Procuradoria-Geral da República e a entrada de Raquel Dodge, vislumbra alguma mudança na atuação da PGR daqui para frente?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – Raquel Dodge é uma incógnita. A forma como foi escolhida por Temer e seu livre transito com Gilmar Mendes despertam muita suspeita e desconfiança. As forças que se articulam para “estancar a sangria” são poderosas e possuem ramificações na procuradoria e no judiciário. No entanto, mesmo que a nova Procuradora Geral queira, não conseguirá deter a ofensiva avassaladora contra o establishment político. A cruzada contra a Nova República é condicionada por forças histórica profundas que ultrapassam os poderes de um Procurador Geral da República. Assim como o fim da escravidão selou a sorte do Império, o colapso do café determinou o fim da República Velha, e a impossibilidade de impulsionar a industrialização nacional decretou o fim do pacto de poder que sustentou o Nacional Desenvolvimentismo em 1964, a crise terminal da industrialização impulsionada pelo capital internacional selou a sorte Nova República. A especialização regressiva das forças produtivas requer um rearranjo profundo no padrão de dominação. Dodge pode retardar a morte do velho, mas não tem força para evitar o desaparecimento de estruturas historicamente condenadas.
É importante observar que, por mais paradoxal que possa parecer, o verdadeiro objetivo da operação Lava Jato e da ofensiva contra os partidos e políticos corruptos não é combater a corrupção. Nada está sendo feito para erradicar as causas dos esquemas de corrupção – o controle absoluto do capital sobre as estruturas do Estado. As delações são esclarecedoras. Por trás de todo partido corrupto existem sempre interesses empresariais. O que está acontecendo é uma mudança na forma de controle do Estado pelo capital. O capital precisa modernizar os esquemas de corrupção para ajustá-los às novas exigências do padrão de acumulação liberal-periférico. A transformação da economia brasileira numa megafeitoria moderna requer um padrão de dominação abertamente despótico. Em nome do combate à corrupção, está em curso um ataque sistemático às instituições democráticas. A consigna “ordem e progresso” diz tudo. É preciso suprimir a expressão política dos cidadãos para que os negócios avancem.
IHU On-Line – Recentemente a Câmara aprovou o fim das coligações para as eleições de deputados e vereadores, mas a medida só entrará em vigor a partir de 2020. Quais devem ser os efeitos dessa medida na política?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – Tudo que contribui para o aprimoramento do sistema representativo é, em tese, positivo para os trabalhadores. O fim das coligações é uma medida que fortalece os partidos e qualifica o debate público. Trata-se, contudo, de uma medida isolada, insuficiente para resolver a crise do sistema político, cuja essência consiste no controle absoluto do poder econômico sobre o parlamento. A medida não terá nenhum efeito prático, pois o ano de 2020 está a séculos de distância de 2017. Na prática, a chamada “reforma política” ficou reduzida à elevação da cláusula de barreira para barrar os pequenos partidos. O objetivo real é reduzir o espaço dos partidos ideológicos que possam representar uma voz crítica – PSOL, PSTU, PCB. Tudo foi feito para dar uma sobrevida ao status quo. O resultado é previsível. O próximo Congresso será tão ou mais corrupto do que o atual. O próximo presidente será parte da quadrilha. O sistema político brasileiro está gangrenando.
A solução reacionária para a crise política requer um controle ainda mais direto do capital sobre o Estado. Para tanto, torna-se necessário eliminar o fiapo de democracia criada na transição da ditadura militar para a Nova República e instituir novos mecanismos de contenção da revolta dos de baixo. A solução democrática exige uma refundação do Estado brasileiro. O desfecho deste braço de ferro não será decidido no voto. Será resolvido na rua. Se os trabalhadores não tiverem força real – vontade política – para impor uma solução democrática, amargarão os efeitos reacionários e antirrepublicanos da solução autoritária.
IHU On-Line – Como avalia a delação de Palocci, a reação do PT em relação ao depoimento dele e, posteriormente, a carta dele ao partido, oferecendo sua desfiliação? Qual deve ser a consequência política disso?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – A delação de Palocci foi devastadora para Lula. Se provar o que disse, Lula está juridicamente liquidado. A reação do PT foi previsível. O PT recusa-se terminantemente a admitir o óbvio. Prefere desqualificar as acusações e vitimizar-se. A carta de Palocci revela sua falta de caráter e sua miséria humana. Todo traidor é um crápula. O desvio do PT não começou quando Lula chegou ao Planalto, mas bem antes. Em Ribeirão Preto a bandalheira data da primeira prefeitura de Palocci em 1992. O “Italiano” foi convocado como homem forte de Lula e, depois, de Dilma exatamente porque conhecia o riscado. Sabia como colocar o poder público a serviço do grande capital e, num partido de novatos, era mestre no sistema de angariar propina. Na guerra entre Palocci, Lula e PT, não há inocentes.
IHU On-Line – O governo tem dito que a economia já dá sinais de melhora. Concorda com essa sinalização?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – O governo mente sem cerimônia. Há mais de um ano, Temer e Meirelles vêm dizendo que a economia dá sinais de recuperação. No ano passado, o PIB caiu quase 4%. Neste ano, apesar da relativa melhoria do preço das commodities, da boa safra agrícola, do expressivo déficit primário e dos efeitos anticíclicos da liberação dos recursos do FGTS, a economia está estagnada. O PIB de 2017 deve ficar em torno de 0,5%. Não há nada objetivo que permita imaginar uma recuperação em 2018. O mais provável é que a economia continue estagnada. Em todas as frentes, os condicionantes internos da demanda agregada são negativos. O regime de austeridade coloca em perspectiva um ajuste fiscal sem fim e, paradoxalmente, o próprio ajuste agrava a crise fiscal. Nesse contexto, não há nenhuma possibilidade de expansão do gasto público. A contração da massa salarial diminui o poder de compra dos trabalhadores, sobretudo quando se leva em consideração o elevado grau de endividamento das famílias.
As incertezas econômicas e políticas desestimulam o investimento privado, o que é agravado pela fragilidade financeira das empresas, pela contração do crédito e pelo alto custo dos financiamentos. Nesse contexto, o desempenho da economia brasileira fica dependente do comércio internacional. Ainda que a economia mundial tenha apresentado uma relativa melhoria, dificilmente será suficiente para “recuperar” a economia brasileira. Também não está descartada a possibilidade de um recrudescimento da recessão. A situação da economia mundial é de grande instabilidade. O principal problema decorre das incertezas geradas pela decisão das autoridades monetárias norte-americanas de aumentar a taxa de juros. Entre os analistas internacionais, crescem as advertências sobre o risco de uma nova crise financeira internacional.
IHU On-Line – Uma das críticas feitas à política econômica do governo e ao ajuste fiscal diz respeito às implicações que as medidas adotadas tiveram na área social, especialmente depois do anúncio da redução do orçamento social para 2018. Considerando essas críticas e a realidade brasileira, o que seria uma política econômica adequada para o país neste momento? Que linha teórica deveria orientar a política econômica brasileira?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – Os efeitos do ajuste ortodoxo sobre a economia e a sociedade são desastrosos. O projeto da burguesia é colocar o Brasil no século XIX, olhando para o XVIII. Se a resposta do capital à crise terminal da industrialização for bem-sucedida, após longo e penoso sacrifício, a economia brasileira será transformada numa megafeitoria moderna. A burguesia procura inculcar na população a noção de que o ajuste neoliberal é inescapável. Mas não estamos predestinados a viver a barbárie da reversão neocolonial. Os trabalhadores brasileiros não têm vocação para burro de carga e não aceitarão docilmente a ofensiva sobre seus direitos. Buscarão novos rumos.
Alternativa econômica
Uma política econômica alternativa deveria colocar como prioridade absoluta o enfrentamento dos problemas reais do povo brasileiro – a pobreza, a desigualdade social, a ausência de políticas públicas, o desemprego e o subemprego, a questão urbana, a violência contra os pobres, a questão agrária, a falta de autonomia nacional, a gravíssima crise ambiental etc. Uma política dessa natureza tem de colocar em primeiro plano a superação do subdesenvolvimento e da dependência. No mundo atual, isso não seria possível sem o enfrentamento do imperialismo e do capital. Enfim, uma política econômica alternativa supõe mudanças estruturais – transformações profundas em todas as dimensões da sociedade.
O primeiro passo é preciso romper a lógica do ajuste neoliberal, o que supõe uma política de ruptura com o Plano Real e a ordem global. Dentro das regras do jogo, a ofensiva contra o trabalho será permanente. A libertação do jugo do ajuste permanente começa com a revogação de todas as medidas regressivas adotadas pelo governo Temer e deve ser complementada com uma série de mudanças profundas como: inversão do critério de prioridade implícito na Lei de Responsabilidade Fiscal que estabelece que, primeiro, pagam-se os credores do Estado e, só depois, com o que sobra, se faz políticas públicas; fim da liberdade de movimento de capitais e centralização cambial, único meio de proteger a economia nacional dos efeitos desestabilizadores da fuga de capital; democratização do Banco Central para permitir que a moeda nacional seja utilizada em função das prioridades da economia popular; auditoria política da dívida pública a fim de libertar a economia brasileira do fardo do rentismo; e todas as medidas complementares indispensáveis para que a política econômica possa ser colocada a serviço dos interesses dos trabalhadores.
IHU On-Line – Qual sua avaliação sobre as reformas Trabalhista e Previdenciária? Que aspectos dessas reformas deveriam ser diferentes?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – Não houve debate público sobre as ditas reformas trabalhista e previdenciária. Só os economistas e jornalistas que funcionam como ventríloquos do capital tiveram acesso aos meios de comunicação. Vivemos tempos sombrios. O pensamento que destoa da cartilha neoliberal é censurado. O próprio termo “reforma” é enganoso. Na verdade, não se trata de reformar nada, pois objetivo real não é melhorar a legislação que regula o conflito entre o capital e o trabalho, nem muito menos melhorar o sistema previdenciário brasileiro. Não se propõe um aprimoramento de nada. As mudanças na CLT, cuja essência é o predomínio do negociado sobre o legislado, têm como objetivo acelerar a precarização e terceirização do trabalho. É um desmonte da legislação trabalhista. As mudanças propostas na Previdência não respondem nem sequer ao diagnóstico de que existiria uma insustentabilidade estrutural no padrão de financiamento do sistema previdenciário. Nada está sendo proposto para reforçar as fontes de receita da Previdência. As medidas anunciadas resumem-se a cortes de benefícios. Trata-se, portanto, de desmantelar a previdência e não de reformá-la. As mudanças necessárias deveriam ir no sentido oposto. Aumentar os direitos dos trabalhadores, aumentar os benefícios dos aposentados e reforçar as bases financeiras do sistema da seguridade social. Tais medidas exigiriam, evidentemente, uma ruptura com o círculo de ferro das políticas neoliberais.
IHU On-Line – Para além das reformas Trabalhista e Previdenciária, alguns economistas e sociólogos sugerem que seja feita uma reforma Tributária. Que elementos devem compor uma reforma desse tipo considerando a realidade do país? Alguns inclusive têm sugerido de novo a discussão sobre uma renda mínima. Esse tipo de proposta lhe parece apropriado?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – A reforma tributária que o país precisa é exatamente a oposta da que vem sendo proposta há muitos anos pelos neoliberais. A carga tributáriadeve ser aumentada e os recursos fiscais devem ser vinculados à realização de políticas públicas. É o único meio de fazer o Estado funcionar para a população brasileira. Para que o Estado tenha condições de oferecer políticas públicas de qualidade, o gasto público deveria ser de 30 a 35% do PIB. Isso significa que a carga tributária líquida – recursos públicos efetivamente disponíveis para fazer política social e investimentos públicos – deveria ter uma expressiva elevação. A reforma tributária deveria aumentar imposto e eliminar o caráter escandalosamente regressivo da estrutura tributária. Sem a eliminação da plutocracia não há solução para os problemas do Brasil.
Não sou contra uma política de renda mínima, desde que isso não seja subterfúgio para deixar em segundo plano reformas sociais. Políticas para administrar a miséria são cúmplices da miséria. Sem a superação dos condicionantes estruturais do subemprego, da concentração fundiária, no campo e na cidade, dos baixos salários etc., é impossível eliminar a pobreza e a desigualdade social. A melhor renda é aquela que não é mínima e está vinculada a um trabalho bem remunerado.
IHU On-Line – Recentemente voltou-se a discutir no país a possibilidade de privatizar instituições que até então funcionavam como economia mista, a exemplo da Eletrobrás. O Brasil deveria optar pela privatização ou não das instituições públicas? Por que?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – Na verdade, o país não discutiu nada. A sociedade não foi consultada. Não houve debate público. Se fosse, seria contra. A privatização foi um grande fracasso. Os serviços são péssimos e caros.
As privatizações anunciadas por Temer caíram do céu. Tudo foi feito à toque de caixa. Seu governo é uma bagunça. É tudo improvisado. O programa de privatização de Meirelles não foi fundamentado em estudo minimamente sério e nem se articula com uma visão estratégica da economia nacional. Um governo com 3% de aprovação não tem legitimidade para dispor do patrimônio público. Como o ajuste fiscal foi um rotundo fracasso, Temer e Meirelles resolveram vender o patrimônio público para tapar o rombo nas contas públicas. Privatizações criam oportunidades para grandes mutretas. Privatização e a corrupção andam de mãos dadas. O dano não é só financeiro. A privatização corrompe a política econômica, colocando-a à serviço de interesses privados espúrios. Quando os tempos mudarem – e, mais dia, menos dia, os tempos mudarão -, seus responsáveis devem ser processados por crime de lesa pátria. Tudo que é fundamental à vida não pode ser objeto de lucro. Saúde, educação, transporte, comunicação, energia, segurança pública, habitação, saneamento básico, água, previdência social, segurança alimentar são áreas estratégicas para a vida social e não podem ser submetidas a lógica estreita do cálculo capitalista.
IHU On-Line – Na outra entrevista que nos concedeu, o senhor afirmou que a solução dos problemas brasileiros depende de mudanças estruturais, e que chegou a hora de colocar a revolução brasileira na ordem do dia. Sobre isso, quais questões estruturais são essas e como pensa a aplicabilidade da “revolução brasileira”?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – É uma pergunta complexa para ser respondida em poucas palavras. O neoliberalismo vendeu a ideia do fim da história como se o capitalismo fosse o destino inescapável da humanidade. No entanto, o único meio de acabar com a história seria pela superação das contradições que movimentam a história. Não é isso que está acontecendo. O avanço galopante da barbárie capitalista transforma a revolução socialista numa necessidade histórica. Na trincheira brasileira, a barbárie assume a forma de um processo de reversão neocolonial, cuja essência consiste no progressivo rebaixamento do patamar mínimo de civilidade da sociedade brasileira. A regressão do processo civilizatório atinge todas as dimensões da vida social.
Quando os efeitos desastrosos das mudanças na CLT, do congelamento das políticas sociais, do agravamento da crise social atingir os trabalhadores, o Brasil vai ferver e os brasileiros verão que chegou a hora de enfrentar as verdadeiras causas de suas mazelas – o regime de segregação social, as relações de exploração do capital, as políticas de dominação do imperialismo, a lógica oportunista e predatória do capitalismo contemporâneo. A transformação do Brasil numa megafeitoria moderna é social e politicamente inviável. É a hora e a vez de os brasileiros enfrentarem os problemas acumulados em quinhentos anos de uma história mal resolvida e de fazer frente às taras de um capitalismo selvagem que ameaça a própria sobrevivência do planeta. Os brasileiros precisam de “direitos já” – revolução democrática. Os brasileiros precisam mandar no seu nariz. Passou a hora de conquistar a “autonomia nacional” – revolução anti-imperialista. Os problemas fundamentais dos trabalhadores não serão resolvidos sem a abolição das hierarquias de uma sociedade baseada na exploração do homem pelo homem. Contra a barbárie capitalista, os trabalhadores devem contrapor a utopia da “igualdade substantiva”. É preciso colocar o socialismo na ordem do dia.
Para quem acredita no “fim da história”, a aplicabilidade de uma revolução é zero. Paradoxalmente, a burguesia se arma até os dentes para evitar a crítica, criminalizar a luta, cooptar as organizações dos trabalhadores, estigmatizar o comunismo. Se a história acabou por que tanta preocupação em organizar a contrarrevolução preventiva? Se a revolução é impossível, por que o Estado brasileiro se apressou para passar uma “lei antiterrorista”, promulgada por Dilma, logo após a rebelião urbana das Jornadas de Junho? Se a revolução é impossível, por que a burguesia se preocupa tanto em combater a esquerda e estigmatizar o socialismo? A revolução não está na esquina. A revolução está nas gigantescas contradições contidas nas placas tectônicas da sociedade. Em Junho de 2013, ela mostrou sua cara. A transformação de uma possibilidade histórica em realidade concreta depende da construção dos instrumentos políticos que permitam transformar a energia difusa da revolução brasileira em vontade política capaz de modificar as relações sociais. Na ausência de tais instrumentos, vivemos um paradoxo. A expressão política das contradições e antagonismos que impulsionam a revolução brasileira materializa-se no medo pânico que as classes dominantes têm em relação à possibilidade de emergência das classes subalternas como sujeitos políticos. É a política de contrainsurgência preventiva da burguesia que revela a presença da revolução proletária como possibilidade histórica.
IHU On-Line – Hoje especula-se a possibilidade de o ministro Henrique Meirelles ser candidato a presidente pelo PSD. Como vê essa possibilidade? Qual seria a possível agenda econômica de um governo Meirelles?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – Quem mais especula sobre a candidatura de Meirelles é o próprio Meirelles. Especula com os direitos dos trabalhadores e com o patrimônio público. Não conheço um trabalhador brasileiro que alimente a intenção de votar nele. Um sujeito que é homem de confiança da banca internacional e até antes de ontem presidente do conselho de administração JBS, uma empresa criminosa, não tem credencial mínima para ser presidente do Brasil. É impossível que Meirelles tenha exercido as funções que desempenhou no Bank Boston, JBS e Banco Central sem ter um alto grau de cumplicidade com os esquemas de corrupção que controlam o Estado. Se vivêssemos numa sociedade republicana, Meirelles seria um sério candidato à investigação da Procuradoria Geral da República.
Seu programa de governo é conhecido desde a época em que foi presidente do Banco Central de Lula. Ele é um neoliberal fundamentalista. Trata-se de um funcionário do grande capital, sem sensibilidade social e sem noção sobre o funcionamento da economia real. Trabalha para o mercado, defende os interesses do capital internacional, da plutocracia rentista, do agronegócio e do extrativismo mineral. Se for candidato, será rechaçado pela opinião pública. Meirelles tem vocação de capataz, mas não tem carisma algum.
IHU On-Line – Também há uma especulação em relação às candidaturas de Ciro Gomes, Bolsonaro e Lula. Na sua opinião, que aspectos definiriam os programas econômicos desses candidatos? Eles seriam distintos em que aspectos?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – Pelos seus problemas com a justiça, Lula dificilmente concorrerá. Se disputar, seu programa será uma espécie de Carta ao Brasileiros 2.0. Fará o que o mercado pedir. Ele já manifestou que não revogará as reformas de Temer, rasgou elogios a Meirelles, a quem considera grande homem público, revelou que governara “sem frescura”, ou seja, mantendo a promiscuidade entre o público e o privado, e já começou a recompor a aliança com o PMDB gangsteril de Renan Calheiros e que tais. Na economia, ele representaria uma versão “light” do ajuste em curso. Na política, uma continuidade do acordão que unifica o partido do “salvem-se todos”.
Ciro Gomes é um lobo solitário com pretensões messiânicas. Seu programa é vago e genérico, mas sinaliza no sentido de um nostálgico resgate da industrialização por substituição de importações e uma maior intervenção do Estado na economia. A sua concretização supõe uma ruptura com a ordem global. Ciro Gomes não tem base social e política para fazer o que diz, mesmo na suposição heroica de que seu programa fosse economicamente exequível. Ele é um político retórico que navega ao sabor das correntes. Sua trajetória partidária foi guiada pelo oportunismo. Na ditadura militar, foi do PDS. Quando a ditadura foi para o buraco, mudou-se para o PMDB. Com o fracasso do Plano Cruzado, foi para o PSDB. Após apoiar Lula na eleição de 1989, flertou com Collor e surfou à vontade na onda neoliberal. Como Ministro da Fazenda de Itamar Franco, foi responsável pela agressiva liberalização da economia que marcou o início do Plano Real. Sem espaço no PSDB, em 1996, mudou-se para o PPS, onde tentou pela primeira vez a sorte numa candidatura à presidência. Com a chegada de Lula ao poder, foi para o PSB e converteu-se ao Lulismo, tendo servido como ministro de Lula e Dilma. Bom de faro, quando Dilma começou a naufragar, pulou rapidamente fora do barco. Percebendo o apelo de uma figura antissistêmica, procura se reinventar, apresentando-se como uma opção que nega o presente e acena para um passado idealizado. Não deixa de ser irônico que o candidato que se vangloria de ter participado da criação do Plano Real, que liquidou a indústria brasileira, pretenda se transformar no paladino da industrialização. Enfim, Ciro Gomes é um político ambicioso ziguezagueando desesperadamente em busca de um caminho para o poder. É difícil saber se ele acredita no que diz e tem noção dos conflitos que a realização de sua proposta implicaria. Mais do que um ingênuo, ele é um demagogo. Enfim, Ciro Gomesé um blefe. Na sua longa vida pública, nunca rompeu com o status quo. Sua utopia de uma súbita volta ao passado é histórica e politicamente impossível. A industrialização nacional está fora das possibilidades de uma economia periférica em franco processo de reversão neocolonial. Sem revolução, não há industrialização.
Bolsonaro é uma figura primitiva e caricata. Ele cativa o desesperado que busca uma alternativa para um mundo hostil e sem horizonte. Posa de brucutu para obter votos e popularidade. Cresce no vácuo deixado pela ausência de uma alternativa antissistêmica consistente. Percebeu que a extrema violência liberada pela crise econômica e social abre espaço para o discurso do ódio. Seu diagnóstico sobre os problemas nacionais é tosco e maniqueísta. Todas as mazelas da sociedade são atribuídas à presença de liberdades democráticas. A solução viria da autoridade ilimitada do Estado. Acena com a ditadura militar como panaceia. É um discurso oco. Bolsonaro não tem programa econômico. Seu programa social é a baioneta. Não tem a mínima consciência sobre a natureza dos problemas brasileiros e suas possíveis soluções. Não tem articulação internacional. Não tem apoio nem mesmo das casernas. É uma pessoa muito ignorante. É o candidato que melhor expressa a naturalização da barbárie na esfera política. Ele nega tudo que é civilizado. Postula-se como representante dos analfabetos políticos enfurecidos. Terá o voto daqueles que já não acreditam em nada e apostam numa solução mágica. Trata-se de uma figura patética, não tem a estatura de um político capaz de grandes voos. É um politiqueiro regional que negocia seu preço no mercado político. Sua negação da política e seu pseudo-nacionalismo são uma farsa. No parlamento, Bolsonaro é um deputado fisiológico, da base de sustentação do neoliberalismo. Nesse sentido, ele é cúmplice de todas as políticas responsáveis pela grave crise econômica e política que estamos vivendo. Nenhum segmento da burguesia brasileira considera seriamente que ele possa ser uma alternativa real de poder. Mesmo assim, Bolsonaro é incensado pela mídia corporativa porque o discurso do ódio é funcional para a desmoralização da política, a intimidação da esquerda e o fortalecimento das soluções truculentas para a crise política.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Plínio de Arruda Sampaio Jr. – Agradeço o espaço para a exposição de ideias que foram banidas do debate público pelas corporações que controlam os grandes meios de comunicação.