O ódio cego pós-impeachment permite o voto útil contra Bolsonaro?, por Leonardo Sakamoto

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Considerando um hipotético segundo turno entre Lula (que segue à frente nas pesquisas de intenção de voto) e Bolsonaro (que está isolado em segundo lugar), em quem uma parcela da direita esclarecida e dos liberais anti-PT votariam?

Fiz essa mesma pergunta em um texto no começo do ano quando esse cenário começava a despontar. Gostaria de saber se, de lá para cá, algo mudou na cabeça dos eleitores.

Não estou falando de certos grupos que não podem ser chamados de direita, pois flertam com o fascismo descaradamente, acham que toda pessoa que não se encaixa em seu padrão de mundo deva ser exterminada e se enrolam em bandeiras com ideias antidemocráticas. Falo do pessoal consciente, que não forma opinião apenas por memes na rede e ri quando alguém diz que há um golpe comunista em curso no país.

Como agiria a direita, os liberais econômicos ou mesmo o pessoal cansado do PT? Negariam o voto útil a Lula ou a um candidato por ele ungido? Anulariam ideologicamente o voto? Iriam para a praia e justificariam pelo correio? Votariam no Bolsonaro como mal menor?

Da mesma forma, o que faria um cidadão que se considera de esquerda no espectro político ao se deparar com um segundo turno entre Bolsonaro e um candidato do PSDB, como o governador Geraldo Alckmin?

Não estou falando, claro, de quem acha que os tucanos são a origem de todos os males, que grita ”golpista” para qualquer parlamentar desse partido, mesmo que ele esteja discursando em nome da defesa de direitos humanos. Muito menos em quem acredita que a revolução é iminente e ”só” falta a conscientização das massas – avaliação que, não por acaso, acaba retroalimentando o pessoal que vê comunista em tigela de sucrilhos.

Qual será o comportamento de um eleitor ponderado de esquerda caso esse cenário ocorra num hipotético segundo turno? Ele repetiria o caminho do voto útil tal qual fez com Mário Covas no segundo turno contra Paulo Maluf em 1998? Faria campanha pelo voto nulo e diria que todos são iguais? Jogaria uma camisa de seu movimentos social preferido sobre a urna, para não precisar ver, apertaria ”45” e ”confirma”? Votaria no Bolsonaro como mal menor?

Há quem pense que o caso de Jair Bolsonaro é semelhante ao de Marine Le Pen, da extrema direita francesa. Ela tinha votos para ir ao segundo turno neste ano. Mas dado o alto índice de rejeição às suas ideias xenófobas e ultraconservadoras nas grandes cidades, os demais candidatos sabiam que o vencedor seria quem fosse o seu adversário na segunda etapa das eleições. Da mesma que aconteceu com seu pai, Jean-Marie Le Pen, que perdeu para o voto útil em Jacques Chirac no segundo turno de 2002. Venceu Emmanuel Macron, mas poderia ter sido alguém à sua esquerda ou à sua direita.

Mas há quem compare a situação com Donald Trump. Uma parcela da imprensa e da classe política tinha grande dificuldade de imaginar Trump despachando no Salão Oval. Quando percebeu que o negócio era sério e tentou mostrar quem ele era e o que significava o seu discurso, já era tarde. Hoje, parcela considerável da imprensa e da classe política brasileira têm dificuldade de imaginar Bolsonaro sentado na cadeira do Palácio do Planalto. Dizem que ele não conta com tempo de TV, palanques em locais importantes e que isso é balão que se esvazia com o tempo. Bolsonaro não é Trump. Mas, como já disse aqui, lá eles chamam House of Cards de série de ficção. Por aqui, com o roteirista psicodélico que escreve a realidade brasileira, nada é impossível.

Trump não foi eleito por ser misógino e preconceituoso, mas por conseguir tocar eleitores de Estados-chave da federação norte-americana ressentidos por serem órfãos econômicos da globalização. A dúvida é quem conseguirá fazer o mesmo por aqui.

O mais importante será convencer a massa da população, que não se identifica nem à esquerda, nem à direita. E que não foi às ruas nem a favor, nem contra o impeachment. Esse pessoal, a maioria pragmática, pode ter suas preferências ideológicas, mas ficará de olho no que os candidatos vão falar sobre duas palavras básicas: segurança e emprego.

Os temas comportamentais e morais, apesar de fazerem sucesso nas redes sociais hoje, não devem ser o fiel da balança do voto. As milícias digitais responsáveis pelas polêmicas em torno de manifestações artísticas sob a justificativa de resgatar a ”moralidade” ou os ”bons costumes” sabem disso. Mas o objetivo delas é que, vendendo-se como consciência crítica e guardiões de valores, aumentem influência e poder sobre a população para usar esse capital em outros fins – como aglutinar seguidores visando à eleição de um candidato no ano que vem.

A falta de resposta decente dos atuais governantes à necessidade de empregos e à garantia de segurança pública pode jogar o Brasil não mãos de qualquer um no ano que vem. Não falo apenas de um pré-candidato já existente, mas um ”salvador da pátria pode ser qualquer um – inclusive alguém que ainda não apareceu na listas de intenção de voto. Alguém que não tenha apreço pela democracia e pela liberdade.

Preparem-se para 2018. Vai ser um ano muito louco.

Foto: Luis Moura /Estadão

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