Pistoleiros, policiais e pecuarista são condenados em Rondônia por morte de sem-terra e tentativas de assassinato

Em 31 de janeiro de 2016, após uma reintegração de posse no Acampamento Terra Nossa, em Rondônia, cinco membros do acampamento sofreram uma verdadeira caçada humana. Um jovem foi morto e encontrado carbonizado. Outro continua desaparecido até hoje. Desde então, várias testemunhas e lideranças foram mortas. Quase dois anos depois, os responsáveis foram levados ao Tribunal do Júri. Confira:

Por CPT Rondônia

O Tribunal do Júri da Comarca de Ariquemes, em Rondônia, que estava programado para o dia 15 de agosto de 2017, foi adiado para o dia 23 de outubro após a desistência de última hora do advogado de defesa de um dos acusados. A Sessão do Júri iniciou no dia 23 sob presidência do Juiz Alex Balmant, e acusação dos Promotores de Justiça Anderson Batista e Otávio Júnior, além da participação do Assistente de Acusação Fábio Dib, nomeado pela mãe de uma das vítimas, Ruan Hildebran Aguiar.

O julgamento terminou apenas na sexta-feira, 27 de outubro, às 21 horas, após cinco intensos dias de trabalho. O julgamento dos acusados das mortes de dois jovens sem-terra – Ruan Hildebran Aguiar, 18 anos, e Alysson Henrique Lopes – e da tentativa de assassinato de outras três pessoas na Fazenda Tucumã, na Linha 114, no município de Cujubim (RO), no dia 31 de janeiro de 2016, foi concluído com a condenação a 30 anos de Rivaldo de Souza (executor); 30 anos de Moisés Ferreira de Souza (executor); 28 anos e perda de farda ao cabo da Polícia Militar Jonas Augusto dos Santos (executor). Quanto aos mandantes, o pecuarista Sérgio Sussuma Suganuma foi condenado a 08 anos e 04 meses de prisão por intermediar a contratação dos executores.

Já o grileiro da Fazenda Tucumã, Paulo Iwakami, conhecido como japonês, foi absolvido. Surpreendeu a absolvição de Paulo que, em seu depoimento em plenário, reconheceu ter contratado três equipes de segurança privada para a fazenda. Uma das equipes, comandada pelo cabo Jonas Augusto, era formada por 17 policiais militares de Cujubim e Ariquemes, que recebiam diárias pelo trabalho clandestino. Outra equipe ilegal e clandestina era formada por outras três pessoas e foi contratada poucos dias antes da reintegração de posse da área. A terceira equipe, formada por Rivaldo e Moisés, Paulo reconheceu ter contratado por R$ 105.000,00 (cento e cinco mil reais) através de Sérgio Suganuma, que conhecia e também utilizava os serviços dos pistoleiros. A própria filha de Paulo, Paula Iwakami, em declarações também no plenário do Júri, reconheceu que a família tinha conhecimento de que se tratava da contratação de uma “equipe da pesada”, segundo suas próprias palavras. Ela também declarou ao Ministério Público (MP) que o Comandante da Polícia Militar de Rondônia, Coronel Enedy, tinha recomendado ao pai a contratação de uma equipe privada de segurança para a fazenda.

As penas proferidas correspondem ao homicídio de Alysson Henrique Lopes, cujo corpo foi encontrado carbonizado dentro do carro do pai dele e reconhecido através de exame de DNA, e as tentativas de homicídio contra três sobreviventes da caçada humana que sofreu o grupo de cinco sem-terra em janeiro do ano passado. Outra surpresa no julgamento foi a decisão do Júri de não reconhecer a morte de Ruan Hildelbrand Aguiar, uma das cinco pessoas emboscadas no dia 31 de janeiro de 2016 – o jovem, desde essa data, nunca mais apareceu e nem teve o corpo encontrado. O Ministério Público já declarou que vai recorrer desta decisão.

Entendendo os fatos: uma caçada humana

Para entender os graves fatos julgados entre os dias 23 e 27 de outubro desse ano, é necessário voltar ao dia 29 de janeiro de 2016, quando houve uma reintegração de posse na Fazenda Tucumã, situada na Linha 114, entre as cidades de Cujubim e Rio Crespo, no Vale do Jamari, em Rondônia. Trata-se de uma área da União grilada por fazendeiros, e que há alguns anos foi ocupada por famílias do Acampamento Terra Nossa, que reivindicavam a área para ser destinada para a Reforma Agrária.

Após a ação de reintegração de posse, cumprida pela PM de forma violenta, conforme relatos dos/as acampados e acampadas, cinco dos membros do acampamento, que não estavam no local quando ocorreu a reintegração, retornaram à área dois dias depois com o objetivo de buscar seus pertences pessoais que estavam nos barracos. Foram até lá em um veículo modelo Santana, que pertencia ao pai do jovem Alysson. Deslocaram-se até a sede de uma fazenda vizinha (Santa Maria), e de lá caminharam até o local do Acampamento Terra Nossa. Não encontraram mais nada do que havia ficado para trás, apenas algumas galinhas continuavam soltas ali. Já retornavam para o carro pelo pasto da fazenda vizinha quando foram encontrados por um grupo de homens armados em uma caminhonete de cor branca. Os pistoleiros começaram a atirar nas cinco pessoas, que correram pelo pasto e se abrigaram em matas próximas. Um dos sobreviventes, que se encontra protegido pelo Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita), contou que acertaram em suas costas uma estaca da cerca, ferindo-o superficialmente.

Mas a perseguição aos sem-terra não parou por aí. Os pistoleiros continuaram atrás do grupo. Os acampados tentavam chegar até o local onde haviam deixado o carro, porém surgiram mais atiradores. Em duas caminhonetes, continuavam a atirar nos sem-terra e os obrigaram a correr novamente para a mata – com isso se dispersaram. Alguns dos acampados viram Ruan caído no chão, mas não sabiam se ele havia tropeçado ou se teria sido atingido por uma bala. O fato é que foi a última vez que jovem foi visto pelos companheiros. Nunca mais foi visto pelo grupo, e seu corpo nunca foi encontrado.

O outro jovem, Alysson, conseguiu retornar para onde estava o carro, próximo à sede da Fazenda Santa Maria. Lá, ele pediu um copo de água para o vaqueiro que cuidava do local. Em seguida, os pistoleiros apareceram no local. Mandaram o jovem se jogar no chão, momento em que o Cabo da PM, Jonas Augusto, lhe deu voz de prisão e o amarrou, carregando-o para o interior de uma caminhonete. Também levaram dali o carro do pai do jovem. Dias depois, o veículo com o corpo de Alysson dentro foi encontrado, ambos carbonizados.

Alyson foi encontrado morto e carbonizado. Ruan desapareceu no dia da perseguição. Até hoje não foi achado. Crédito: Site Alerta Notícias

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