Quando descobri que uma das pessoas insanas que agrediram fisicamente a filósofa Judith Butler (conhecidas por seus estudos sobre gênero), no aeroporto de Congonhas, e foi parte do grupo que queimou a boneca de uma ”bruxa”, representando Butler em um protesto, já havia feito um pocket show de horror se esgoelando contra o vereador Eduardo Suplicy em uma livraria, senti um certo calor de esperança.
Explico: defendo a hipótese de que, por mais que o clima de beligerância esteja batendo nas tampas e a polarização burra tenha contaminado o debate público, quem é capaz de partir para a agressão física (ainda) é uma reduzida minoria. Minoria essa que, tenho fé, tem seu comportamento derivado de distúrbios psicológicos e sociais. A internet, nesse caso, deu apenas o megafone ao idiota da aldeia, como disse o escritor Umberto Eco. E garantiu que eles se juntassem em bando.
Dentre meus haters, lembro do caso de uma senhora que um dia fez um escândalo, enquanto eu fazia compras em um supermercado. Foi horrível, em volta eu só via ketchup e molho de tomate. Descobri, depois, que ela havia tentado fazer o mesmo com outras pessoas. Confesso que senti um alívio ao perceber que seu problema não era eu, mas sua incapacidade de viver em sociedade.
Esse e outros casos me levam a crer que a quantidade de doidos capazes de coisas ridículas ainda são uma estúpida minoria que se repete em diversos locais. Por conta da cobertura intensa da mídia (afinal de contas, gritar em uma livraria e depois atacar alguém em um aeroporto são notícias), a impressão é de que há muita gente envolvida. Mas não há. Os malucos são mais ou menos os mesmos e se revezam. E isso é um alento.
Claro que o clima de polarização política somado à natureza das redes sociais, que aprofundam bolhas de convivência nas quais as pessoas não escutam o outro lado, ajudou a criar o ambiente violento em que estamos. E que, por muito pouco, as pessoas brigam e até saem na porrada, como aconteceu em vários espaços públicos. Mas atos tresloucados pensados com antecedência, que vão de queimar uma ”bruxa” até derrubar um ciclista só porque sua bicicleta era vermelha são coisas de uma minoria. A vaca segue em direção ao epicentro do brejo, mas vai levar muito tempo até chegar lá.
Ou, como disse a pesquisadora Maíra Kubik Mano neste espaço, para que o fascismo seja um movimento de fato, ele precisa ser de massas. E ele não é. Ainda.
Tenho a percepção de que a maioria das pessoas que atua como torcida organizada de uma ideologia, de um partido ou de um líder político ou religioso podem rosnar na internet, mas não ultrapassam certas barreira. Seja por medo de represálias, sejam por aquele tantinho de bom senso que continua no fundo da consciência. Quem vai além dos limites democráticos do protesto pacífico e apela para diferentes tipos de agressão deve ser tratado, portanto, não com a tolerância, mas com o rigor da lei e a força do repúdio.
Temos que ter paciência para deixar claro a essas que elas não precisam ter medo de um mundo novo, em que todos tenham direito à dignidade. E que pessoas que vivem de forma diferente não são uma ameaça e merecem ter os mesmos direitos que elas. Mas, no limite, precisam também saber que a liberdade da qual desfrutam não pode ser usada para tolher a dignidade do outro. O problema é que o Estado, que tem o dever de evitar que isso aconteça, perde a sua legitimidade. Como afirmar que a Constituição não pode ser desrespeitada se o próprio presidente da República usou-a para fazer confete com o objetivo de se manter no poder?
O mais pitoresco de tudo é que existe gente defendendo que o problema do Brasil é uma filósofa falando de direitos. Mas se cala diante de um governo que entrega dinheiro público a deputados e rifa direitos trabalhistas e sociais para se manter no poder. Vai entender a loucura.
–
Foto: Royalty-Free/Corbis55