Centro de Educação Multicultural (CEM) #RedeFavelaSustentável

Centro de Educação Multicultural (CEM) é um centro comunitário ambiental e multicultural localizado no Complexo da Penha, na Zona Norte. O CEM trabalha para sensibilizar os moradores quanto à práticas ambientais, de agroecologia, e de agricultura através da troca de experiências entre os moradores de favelas com diversas origens e convidados que representam outras culturas.

Ana Santos, uma das três líderes do projeto, explica que “O CEM é muito essa coisa de ser simplesmente um espaço de convivência, de relações e de trocas”. Ela continua: “Todas as atividades desse espaço são propostas pelos próprios moradores. Então tem capoeira que é com o professor Allison, professor da escola local, com quem a gente desenvolve o trabalho. Aí tem um morador, que é o Vitor, que faz o boxe. Aí tem outro morador que… dá aula de grafite“.

O CEM está situado em um prédio colorido e coberto de arte em um morro cercado por uma agrofloresta onde a organização cultiva frutas e legumes seguindo os princípios da ecologia e da permacultura. Neste espaço, as crianças locais são bem-vindas para experimentarem a natureza, comer frutas das árvores e desfrutar de um parquinho verde. Ana e seu parceiro Marcelo Correa moram no CEM e vendem os produtos cultivados todas as semanas nas feiras e através da Rede Ecológica a fim de financiar o centro.

Para Ana, a agroecologia é um “resgate dos saberes locais. Quando a gente se coloca como agroecológico aqui, é porque faz parte do conhecimento daqui para fora. Então, quando a gente anda por aqui têm milhões de senhoras que fazem chás… E a senhora fala: ‘Ah, eu vou andando e a erva me chama e eu vou colhendo e eu vou fazendo xarope, esse meu xarope está 20 anos na família’. Isso para mim é agroecologia”.

O centro também se identifica com a ideia de multiculturalismo. Ana explica que “esse nome surgiu pela ideia de ter muitas e diferentes [pessoas] no mesmo espaço, então a gente é um centro multicultural aqui. E também por a gente conseguir propor atividades diversas que comunicam, dialogam sempre com a agroecologia. Nosso tema central é agroecologia. A partir desse tema gerador, a gente se entende muito com a multiculturalidade”.

Apesar de ambos serem da Zona Norte, Marcelo e Ana trabalharam anteriormente na Zona Sul, Marcelo como programador e Ana em vários escritórios. No entanto, Marcelo explica que algo lhe faltava: “Eu abandonei tudo, estava sentindo… que eu fazia nada, só fazia para mim. Alugava um apartamento na Zona Sul. Saia com muitas mulheres. Vivia uma vida muito boa, muito tranquila, mas não me preenchia. Então fiquei angustiado… A gente costumava namorar antes, tínhamos uma relação antes, e eu brinquei com ela, ‘ah deixa o dinheiro para os ricos, vamos trabalhar com o social… vamos trabalhar para nós mesmos’”.

A ideia do projeto surgiu das reuniões com um grupo variado de artistas, educadores, e profissionais no início de 2010 na casa do artista de grafite e morador da Penha Mario Bands, que também fazia o trabalho social e agricultural. Ana e Marcelo explicam que o grupo foi motivado por um desejo comum de proteger e promover a Serra da Misericórdia, uma das últimas áreas da Mata Atlântica na Zona Norte. A área foi designada parque urbano e área protegida em 2010, mas a prefeitura nunca usou o dinheiro alocado para o espaço, que continua ameaçado pelo desenvolvimento urbano. Para lutar pelo espaço, o grupo de colaboradores formou a Aliança pela Misericórdia.

Para criar uma sede para este movimento e os vários programas sociais que queria desenvolver, o grupo fundou o CEM em 2012. Lá, realizaram seis projetos iniciais, inclusive aulas de grafite e arte em parceria com os moradores. No entanto, após seis meses, os problemas começaram a surgir. Manter o espaço era difícil pois tinham pouca renda, e ficou claro que a prefeitura não investiria no Parque Municipal Urbano da Misericórdia como havia prometido. “Quando chegou na metade de 2012, o sonho acabou”, diz Ana.

Naquele momento, resolveram mudar o rumo e focar na unificação dos programas sociais fragmentados na Penha, dialogando com os moradores e expandindo a produção agrícola. Ana explica: “E aí passamos por esse processo todo, e começamos dialogar entre redes e formar redes e trazer a Rede Carioca [de Agricultura Urbana]… Nós tínhamos que mostrar que é possível viver de agricultura”.

Como nem Ana nem Marcelo eram originários da Penha, construir relacionamentos e compreender as necessidades da comunidade era difícil. Precisaram conhecer o bairro aos poucos, pesquisando e indo de porta em porta com questionários. Marcelo explica: “Foi uma luta para nos entendermos com eles, para nós entendermos eles”. Perguntaram aos moradores diretamente o que sentiam que precisavam. Esta combinação de perseverança e compromisso para criar relacionamentos valeu a pena. O engajamento com os jovens em uma gama variada de atividades, desde o plantio e o cultivo de alimentos até teatro e dança, provou ser fundamental para o estabelecimento do CEM como um espaço comunitário seguro que reúne diferentes classes sociais na Penha que não costumavam se misturar. Ana explica que os moradores pediam ao CEM que as suas excursões com as crianças locais fossem feitas separadamente para os diferentes grupos sociais. A recusa do CEM de atender a este tipo de segregação ajudou-os a transpor a barreira entre as pessoas de vários níveis de renda e de áreas diferentes na Penha. Atualmente, o prédio do CEM aloja uma pequena biblioteca comunitária e um espaço com computadores e acesso à internet para os jovens da Penha.

Hoje em dia, o CEM pode contar com a renda de ervas, legumes, frutas e ovos produzidos localmente. Além disso, um morador da Penha produz cerveja artesanal duas vezes por mês na cozinha do prédio. Existe também um plano para permitir que as mulheres locais gerem renda através da produção de tapioca da raiz da mandioca cultivada na comunidade. E finalmente, o CEM tem uma parceria com o Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul(PACS) para desenvolver um projeto de produção de leite e queijo de cabra como fonte de renda para as mulheres. O espaço é mantido pela presença constante de Ana e Marcelo e com dias periódicos de mutirões que reúnem membros da comunidade, permitindo-lhes fornecer alimentos orgânicos para a comunidade por preços mais baratos.

Através de uma parceria com a Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ e o Instituto Nacional de Tecnologia, o CEM também está engajando os jovens locais em um projeto para criar viveiros portáteis para plantas que facilitariam a agricultura urbana nas casas dos moradores. Marcelo explica que “todo mundo aqui basicamente sabe plantar, todo mundo vem do Nordeste” e “têm uma tradição de plantio”. Devido a este perfil demográfico e à filosofia do CEM–de evitar o assistencialismo, ou seja, a prática de dar coisas às pessoas ao invés de encorajá-las a se ajudarem–o projeto se encaixa perfeitamente. Também permite que os moradores cultivem alimentos em uma comunidade onde o espaço é escasso e o concreto domina as áreas abertas.

O CEM também recebe voluntários de todo o mundo. Ana explica que “O CEM é uma colcha de retalhos… A gente fala que é o espaço de integração latino-americana… primeiro porque há troca. Mesmo que ele [o estrangeiro] não veio fazer nada, e só deita num círculo com os jovens. Essa troca para a gente é muito rica… começa a fazer as aberturas aqui dentro… Um padeiro veio da Áustria, ensinava fazer pão aqui. É uma troca multicultural… Nosso espaço está aberto para receber outras experiências que queiram trocar com a gente, e que a gente possa trocar nosso saber a partir das nossas vivências, da agroecologia. Isso é dinheiro, ter pessoas que acreditem e que compartilhem. Que estejam aqui. Isto é nosso maior ganho”.

O CEM sustenta-se com estas trocas e os fortes relacionamentos interpessoais resultantes. Marcelo comenta: “Essa é a tristeza de nosso povo brasileiro, a cada dia sonha menos. Pega horas de ônibus para trabalhar oito horas, doze horas. E não tem mais sonho”. Em vista disso, Ana responde que o trabalho do CEM se sustenta em sonhos. “O trabalho só se dá porque a gente sonha o tempo todo. Que a gente continue conseguindo viver de sonhos, apesar do mundo estar caindo, de estar tudo se desabando. Os sonhos nos movem”, ela disse.

*Centro de Educação Multicultural é um dos mais de 100 projetos comunitários mapeados pela Comunidades Catalisadoras (ComCat)–a organização que publica o RioOnWatch–como parte do nosso programa paralelo ‘Rede Favela Sustentável‘ lançado em 2017 para reconhecer, apoiar, fortalecer e expandir as qualidades sustentáveis e movimentos comunitários inerentes às favelas do Rio de Janeiro.

Iniciativa: Centro de Educação Multicultural—CEM
Site / Facebook / Tumblr
Ano da Fundação: 2012
Comunidade: Complexo da Penha
Missão: “Educação multicultural para recuperação ambiental, sustentabilidade e transformação social das comunidades no entorno da Serra da Misericórdia.
Eventos Públicos: Oficinas e aulas regulares de agroecologia e agricultura urbana. 
Como Contribuir: O CEM busca voluntários locais e internacionais que desejem contribuir com projetos de agroecologia, arte, idiomas ou desenvolvimento das comunidades, e também para realizar trabalhos periódicos para manter o seu espaço e agrofloresta.

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