As veias abertas do Xingu: Nota de repúdio às agressões sofridas por pesquisadores por ocasião do seminário sobre mineração, na UFPA 

Nota de repúdio às agressões sofridas por pesquisadores, entre estes a professora Rosa Acevedo Marin (NAEA/UFPA), por ocasião do seminário(cancelado) sobre mineração no Xingu/Brasil

Direito de expressão e livre debate são pilares sagrados para qualquer nação que reivindique a democracia como regime político. Se isto é considerado como uma “verdade”, o espaço acadêmico das instituições de ensino e pesquisa deve, igualmente, ser considerado espaço privilegiado para o exercício democrático da liberdade de pensamento e da reflexão profunda, alimento essencial de toda mente ávida pelo conhecimento que “liberta”, estratégico para a superação dos graves problemas que hoje afligem a humanidade. Infelizmente, não foi isto que ocorreu ontem, 29, na Universidade Federal do Pará (UFPA)/Brasil.

Com o objetivo de instigar ideias e fomentar discussões coletivas, foi organizado por professores da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e da Universidade Federal do Pará (UFPA), Fundação Rosa Luxemburgo e Movimento Xingu Vivo, dois dias de debate sobre a implantação de um projeto de mineração na região do Xingu, território ainda submetido às obras e aos homéricos impactos da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Este projeto, conhecido como Belo Sun, é comandado pela Mineradora Canadense Belo Sun Mining Corp., e apoiado pelos mesmos grupos sociais e políticos que defenderam a construção de Belo Monte: empresários, dirigentes governamentais e políticos das instâncias locais e nacionais. Todos interessados em tirar o seu quinhão.

De fato, os atuais debates sobre este tema, acompanhado por movimentos sociais, organizações sindicais e alguns dos pesquisadores agredidos e ameaçados no dia de ontem, já vem ocorrendo desde o dia 23 deste mês, quando, provocados pela comunidade local, foi realizada Audiência Pública na localidade denominada “Vila da Ressaca”, na Volta Grande do Xingu, objetivando informar sobre a instalação do projeto Belo Sun, tendo participado a Defensoria Públicas da União (DPU) e a Defensoria Pública do Estado (DPE/PA), além da Fundação Rosa Luxemburgo, que iria apresentar estudos sobre impactos socioambientais do projeto, pesquisa fruto de uma parceria entre esta fundação e o Movimento Xingu Vivo para Sempre. Também foram convidados o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público Estadual (MPE/PA), mas estes não puderam compareceram. Naquele momento, os estudos não tiveram como ser apresentados, pois o mesmo grupo que veio a Belém, arregimentado e enganado pelo prefeito do município de Senador José Porfírio/PA, com promessas de melhoria de vida, inviabilizou esta apresentação.

O primeiro dia desta nova tentativa de discussão, encaminhada por dentro do seminário “As veias abertas da Volta Grande do Xingu”, ocorrido em 28 de novembro, em um dos auditórios da UEPA, foi um momento de discussão fecunda, quando se problematizou profundamente o projeto Belo Sun, analisando suas perspectivas econômicas, mas principalmente os impactos socioambientais decorrentes, tendo a participação de pessoas favoráveis e contrárias ao empreendimento. Esta era a mesma expectativa para o dia seguinte, expectativa não realizada devido a postura autoritária e antidemocrática do senhor prefeito, e sua comitiva.

Pouco antes do horário marcado para o início do seminário de ontem, às 15h, chegou ao auditório do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA/UFPA) o prefeito de Senador José Porfírio, Sr. Dirceu Biancardi (PSDB). Com seu chapéu estilo cowboy, liderando uma comitiva de mais de 40 pessoas, muitas portando faixas e vociferando impropérios. Rapidamente este grupo tomou conta do auditório, literalmente, e começou a fixar faixas onde se lia, por exemplo, “A comunidade da Ressaca, Ilha da Fazenda, Galo, Itata, apoiam o empreendimento da mineradora Belo Sun. Fora ISA, MAB, Xingu Vivo e Pastoral”. Registra-se que, com eles chegaram também dois profissionais de produção de vídeo, que ficaram o tempo todo realizando gravações dentro do auditório, não se sabe com que intenções, sem autorização dos organizadores do seminário que ocorreria.

Vendo o clima de extrema tensão que se instalou no auditório, espaço que se tornou claramente impróprio para um debate onde o contraditório pudesse estar presente, a professora Rosa Acevedo Marin, antropóloga vinculada ao Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA), coordenadora do seminário, dirigiu-se aos manifestantes, sempre liderados pelo prefeito, informando-lhes sobre o que estava programado, mas, ao mesmo tempo, comunicando-os que devido a insegurança ali instalada, seria obrigada, infelizmente, a cancelar o seminário (observa-se aqui que os funcionários da UFPA, inclusive os da segurança do campus, estão atualmente em greve).

A partir deste momento a professora e os demais pesquisadores presentes passaram a sofrer vários tipo de violência, especialmente moral e psicológica, chegando, finalmente, ao cárcere privado, pois a porta foi obstruída e todos foram impedidos de deixar o local. O evento nesse momento deixou de ser de seus organizadores e passou a ser um palanque do prefeito, que tomou conta da mesa central, apoiado por seus seguidores. Posteriormente chegou ao local o Deputado Estadual Fernando Coimbra (PSL), também apoiador da mineração, completando o show de inverdades, intimidações e defesa intransigente do projeto. Mas o que está realmente por trás de atos tão deploráveis, antidemocráticos e reacionários, atos que usurpam o que há de mais caro ao espaço acadêmico, ou seja, o livre debate e o respeito às diferenças?

A resposta para tudo isso está no tamanho do investimento anunciado pela mineradora canadense para o projeto Volta Grande, conhecido como Belo Sun, localizado no município de Senador José Porfírio, no total de R$1,22 bilhão. Pouco em relação ao que foi investido em Belo Monte pelo governo brasileiro (R$30 bilhões), mas que garantirão uma arrecadação, em royalties, considerável para o município do prefeito Dirceu Biancardi (PSDB). Aqui vale lembrar que, em relação a Usina de Belo Monte, delatores da Operação Lava Jato denunciaram um desvio milionário de recurso públicos nesta obra. Segundo estes delatores, 1% dos recursos gastos deveria ir para o PT, e 1% para o PMDB.

É por isso que o prefeito não quer falar, e nem deixar falar, daquilo que está no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e nas notas técnicas emitidas pela própria companhia Belo Sun. Um destes documentos afirma que o consumo de cianeto no projeto Volta Grande será bem maior que aquele utilizado hoje na atividade garimpeira, mas diz que a obra adotará todos os cuidados que a legislação requer. Em outro documento a empresa observa que, como impactos negativos, haverá: aumento no número de casos de atropelamentos, afugentamentos e perturbações da fauna; aumento da pressão sobre os “recursos” naturais em decorrência da atração de pessoas para a região; alterações na dinâmica ecológica da comunidade aquática e fauna associada; alterações cumulativas no ambiente aquático por atividades que gerem efluentes ou alterem a vasão de rios; alteração da paisagem em função do aumento das pilhas de estéril e pela retirada da madeira, entre outros problemas.

É pautado em tudo isso que os(as) abaixo assinados(as) vêm a público repudiar e exigir, em especial das autoridades competentes, providências e punição no que se refere aos crimes aqui relatados, desejando, sinceramente, que cenas tão lamentáveis não mais ocorram nestes espaços, e em nenhum outro, manchando com ações antidemocráticas, violentas e inclusive racistas, um lugar que deve ser de tolerância, respeito e construção coletiva.

Belém, 30 de novembro de 2017

Assinam:

Cosmopolíticas – Núcleo de Antropologia – Universidade Federal Fluminense (UFF)
Fórum da Amazônia Oriental – FAOR
Instituto Universidade Popular – UNIPOP
Associação Brasileira de ONGs – ABONG/PA
Centro de Defesa do Negro do Pará – CEDENPA
Coletivo Popular pelo Direito à Cidade – Porto Velho/RO
Fórum da Amazônia Ocidental – FAOC
Núcleo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares da África e dos Afro-Brasileiros (NEAF), da UFT
Luta Socialista – LS/PSOL
Tendência Sindical Unidos para Lutar
Corrente Sindical e Popular Resistência e Luta
Movimento por uma Alternativa Independente e Socialista – MAIS/PSOL
Ação Popular Socialista – APS/PSOL
Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado – PSTU
Associação dos Concursados do Pará – ASCONPA
Instituto Amazônia Solidária – IAMAS
International Rivers – Brasil
Instituto Madeira Vivo – IMV
Sindicato dos Trabalhadores do setor público Agropecuário e Fundiário do Pará (STAFPA – Minoria da Direção)
Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB
Movimento Xingu Vivo Para Sempre
Fórum em Defesa de Altamira
Coletivo de Mulheres do Xingu e Região
Mutirão Pela Cidadania – Altamira/PA
Centro de Formação do Negro(a) da Transamazônica e Xingu – CFNTX
Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal no Pará – SINTSEP/PA
Otávio Velho – Antropólogo
Carlos Walter Porto-Gonçalves – LEMTO-UFF
Tarcísio Feitosa – 2006 Goldman Prize Recipient South and Central America
Solange Gayoso – Docente UFPA
Ennio Candotti – Presidente de honra da SBPC
Paula de Carvalho Bastone – Docente Unifap – Doutoranda UC/CES
Fernando García – Antropólogo – Flacso/Ecuador
Tania Pacheco – Coordenadora do Blog Combate ao Racismo Ambiental
Íris Morais Araújo – Doutora em Antropologia Social pela USP
Renato Athias – Coordenador do NEPE/UFPE
Alenice Motta Baeta – Professora Drª, Historiadora e Arqueóloga
Paloma Helena Fernandes Shimabukuro – Pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz
Maria Rosário de Carvalho – UFBA
Marcelo Firpo – Pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/FIOCRUZ
Paulo Tavares Mariante, advogado, militante da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (RENAP) e Coordenador do Fórum Municipal de Defesa dos Direitos Humanos de Campinas, SP
Antonia Pereira Martins – Presidenta do PT Altamira
Marquinho Mota – Coordenador de Projetos da Rede FAOR
Mário Brasil Xavier – Coordenador do curso de Ciências Sociais da Uepa
Ana Caroline Amorim Oliveira – UFMA/ Campus São Bernardo
Nádia Socorro Fialho Nascimento – Coordenadora da FASS/UFPA
Pedro Marcelo Staevie – Líder do grupo de pesquisa NEIAM (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Amazônia), da Universidade Federal da Integração Latino Americana (UNILA)
Edison Rodrigues de Souza – Indigenista e Antropólogo
Elen Pessôa – Docente do Instituto de Ciências da Sociedade – ICS/UFOPA
Cláudia Luz de Oliveira – Universidade Estadual de Montes Claros – MG
Emanuel Pontes Meirelles – Militante do Coletivo Popular pelo Direito à Cidade – Porto Velho – RO
Marcel Hazeu – PPGSS/ICSA/UFPA
Deise Lucy Oliveira Montardo – Departamento de Antropologia da UFAM e pesquisadora do INCT Brasil Plural
José Carlos Matos Pereira – Pós-Doutorando PPGAS/MN/UFRJ
Roberta Amanajás – UNB
Ismael Vega – Centro Amazònico de Antropologìa y Aplicaciòn Pràctica (CAAAP)
Oscar Espinosa – Grupo de Antropología Amazónica (GAA) – PUCP
Dion Monteiro – Coordenador Executivo do Instituto Amazônia Solidária (IAMAS) e doutorando em Ciências Sociais (IFCH/Unicamp)
Rosiane Pantoja – Diretora do Sindicato dos Trabalhadores do setor público Agropecuário e Fundiário do Pará (STAFPA)
Renato Oliveira – Diretor do STAFPA
Sandro Raiol – Diretor do STAFPA
Francisco Oliveira – Servidor da Adepará
Josely Rodrigues – Servidora da Adepará
Boaventura de Sousa Santos – Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
Luiz Arnaldo Dias Campos – Cineasta
Célia Maracajá – Atriz
Márcia Nunes Maciel (Mura) Doutora em História Social pela USP
Jurandir Santos de Novaes – Docente UFPA
Sandra Helena Ribeiro Cruz – Docente UFPA
Russell Parry Scott – Professor titular de antropologia – Universidade Federal de pernambuco
Iremar Antonio Ferreira – Instituto Madeira Vivo
Lígia T. L. Simonian – Docente NAEA/UFPA
Helciane de Fátima Abreu Araújo – Socióloga, professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Maranhão

Adesões devem ser enviadas para Dion Monteiro [email protected]

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