A luta pelo banimento do amianto ganhou o país, mas caminhada é longa

A partir de agora será preciso empenho da sociedade, num processo que chamamos de “desamiantização”, com destinação dos produtos em aterros adequados

por Marcos Martins*, Carta Capital

Após décadas de lutas, finalmente o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu o uso de todo tipo de amianto no Brasil. Os magistrados declararam inconstitucional o artigo 2º da lei federal 9055/95, que permitia até então o uso controlado do amianto do tipo crisotila, o único que ainda era autorizado.

A discussão vinha se arrastando há algum tempo, mas agora parece ter chegado ao fim – pelo menos no âmbito legal – considerando que toneladas de produtos derivados do mineral cancerígeno ainda precisam ser eliminadas.

A partir de agora será preciso um grande empenho da sociedade, num processo que chamamos de “desamiantização”, ou seja, a retirada dos produtos contendo a fibra e a destinação em aterros adequados.

Além da lei que proíbe o amianto no estado de São Paulo (12.684/07), conseguimos a aprovação da Lei do Descarte do Amianto (16.048/15), que se mostrou extremamente importante, mas que não garante a retirada total do amianto de nosso ambiente rural ou urbano. Um exemplo é o que acontece na Sabesp – a empresa se recusa a substituir boa parte de suas tubulações, que estão com o tempo de vida útil vencido e são à base do mineral.

O desafio portanto ainda é enorme – o que significa que a luta ainda não acabou. Hoje o inimigo é declarado e finalmente temos uma lei federal que protege o trabalhador e o meio ambiente, mas nem sempre foi assim.

No começo ninguém sabia que era por causa do amianto – trabalhadores nas fábricas em Osasco, ficavam doentes e desconheciam o motivo, não faziam ou não tinham acesso aos exames médicos. Os exames ficavam em posse das empresas, como a Eternit, e acabavam sendo usados contra os próprios funcionários que, ao primeiro sinal de complicações de saúde, eram demitidos.

Aos poucos aquilo foi chamando atenção, tanto da minha parte enquanto vereador quanto da parte da Dra. Fernanda Giannassi, uma fiscal do Ministério Público do Trabalho (MPT) que veio a se tornar uma grande referência na luta contra o amianto.

Ainda não existia a ABREA (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto), então tivemos que ajudar os trabalhadores a se organizarem. Ao apresentar o primeiro projeto de proibição do amianto na cidade, usava o microfone da Câmara Municipal para lembrar dos trabalhadores recém falecidos. Era muito triste aquilo tudo.

O primeiro caso que tivemos a confirmação da causa da morte por exposição ao amianto foi do Aquilino Alves dos Santos. Não poderíamos deixar a morte dele – tão trágica – passar em branco, então surgiu a ideia de dar seu nome a uma praça. Estávamos comprando uma briga contra grupos econômicos fortíssimos, mas aquilo era apenas o começo.

Já como deputado consegui aprovar em 2007 a lei 12.684, que proíbe o uso do amianto em São Paulo. No texto incluímos ainda a realização de uma Semana de Conscientização sobre os malefícios do asbesto (outra denominação do amianto), que é promovida anualmente pela ABREA.

Muitas fábricas já haviam encerrado suas atividades e outras passaram a substituir o produto por outros semelhantes não cancerígenos, mas o passivo ambiental e humano já era enorme – sabemos que várias doenças causadas pela exposição a este produto podem demorar até 40 anos para se manifestar, o que significa que em breve teremos muitas mortes decorrentes da contaminação nas décadas de 80 e 90.

Depois da aprovação da lei paulista, vários outros estados se mobilizaram e conseguiram também aprovar leis restritivas a esta substância em seus territórios. A prática incomodou muito a indústria do amianto, que ainda possuía minas em operação no Brasil e seus produtos alcançam, até hoje, a maioria dos estados no país.

Poderosos grupos econômicos tentaram revogar essas leis no Supremo, prolongando a vida de empresas que há muito já deveriam ter sido interditadas. A nossa lei, por exemplo, já havia sido considerada constitucional pelo STF quando voltou a ser apreciada em 2016, processo que se estendeu no Supremo até a semana passada.

Com o suor e a vida de inúmeros companheiros, felizmente a fibra assassina passou a ser proibida no país. Mas isso não é tudo. O passivo ambiental e humano deixado por essa indústria inescrupulosa terá que ser administrado, esperamos que não apenas pelo poder público, mas principalmente com recursos das empresas que nos flagelaram por todo esse tempo. Basta de amianto!

*Marcos Martins é deputado estadual pelo PT e autor da lei que proíbe o amianto no estado de São Paulo.

Imagem: Algumas das doenças causadas pela exposição à substância podem demorar até 40 anos para se manifestar – Tony Winston/Agência Brasília.

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