Mulheres indígenas em Roraima debatem conquistas, desafios e o direito da mulher indígena

CIR

Mulheres indígenas em Roraima se reuniram para debater sobre as conquistas, desafios e o direito da mulher indígena no seminário a Voz das Mulheres Indígenas, realizado nesta semana,  4 e 5, na comunidade indígena Alto Arraia, Terra Indígena Manoá-Pium, região da Serra da Lua, município de Bonfim.

Houve a participação de aproximadamente 130 pessoas, entre mulheres, homens, jovens e crianças. Participaram mulheres das regiões: Serras, Surumu, Murupu, Tabaio, São Marcos, Serra da Lua e Amajari.

Com o tema “conquistas, desafios e o direito da mulher indígena”, as mulheres debateram quatro importantes temáticas: conquistas e desafios da mulher no movimento indígena; direito e a mulher indígena; lei Maria da Penha; e a violência doméstica e familiar.

Participaram da primeira mesa de debate “conquistas e desafios da mulher no movimento indígena” as lideranças tradicionais, Lucila Mota de Souza, Wapichana, da região Serra da Lua, Dionita Melquior André, Macuxi, da região das Serras, Elinea Maria de Souza, Macuxi, região das Serras, Maria Helena Angelo, Wapichana, da região do Murupu, Adelina Lima da Silva, Macuxi, da região Surumu e Juraci Rodrigues Servino, Macuxi, da região São Marcos.

Reconhecida como matriarca da medicina tradicional, Lucila Mota de Souza, 72 anos, do povo Wapichana, da comunidade Jacamizinho, Terra Indígena Malacacheta também fez memória das dificuldades que passou para produzir seus medicamentos tradicionais, mas superada ao longo dos anos e hoje apresenta os resultados, como a venda e exposição dos medicamentos tradicionais, participações em encontros, palestras, entre outros eventos. Mota já participou de vários encontros de mulheres indígenas locais e fora do estado, Rondônia, Macapá e Acre, alguns especificamente sobre a medicina tradicional.

Na língua tradicional Wapichana, Lucila agradeceu pelo momento vivenciado no seminário e disse que será como “maba”, que significa abelha na tradição Wapichana, onde “deixará somente coisas boas”. “Quero deixar essa palestra e esse conhecimento a vocês. Meu nome na língua Wapichana é maba, que significa abelha, abelha que trabalha com flores, ela tira o amargo da flor para fazer o mel, o doce. Então, no dia em que eu for, não deixarei coisas ruins a vocês, deixarei coisas boas” concluiu a matriarca pedindo mais respeito, valorização e revitalização da cultura indígena, principalmente, dos conhecimentos sobre o uso e produção da medicina tradicional.

A trajetória da conquista de espaço das mulheres indígenas em Roraima foi marcada pela luta em defesa da terra, um processo que também teve como um dos principais desafios o combate ao consumo e venda de bebidas alcoólicas nas comunidades indígenas, situação que deu nome a grande campanha das mulheres e lideranças indígenas em Roraima “não a bebida alcoólica, e sim a comunidade”. Para contar um pouco sobre essa trajetória, o seminário contou com a presença da liderança indígena Macuxi, Dionita Melquior André, 51 anos, da comunidade São Mateus, região das Serras, Terra Indígena Raposa Serra do Sol, filha do líder Jacir José de Souza.

Como primeira coordenadora regional das mulheres na região das Serras, Dionita relembrou dos primeiros passos da organização das mulheres indígenas na região e em Roraima, nascida nos princípios da luta pela terra durante as reuniões e assembleias junto com os Tuxauas, como contou.

“Qual é a organização que nós queremos. Como vamos nos organizar. Nós temos o pai que é o CIR, que abrange a todos, não exclui ninguém” refletiu Dionita sobre a referência do CIR na criação da organização indígena. “Nós dizíamos, somos do lado do Tuxaua, porque Tuxaua é a nossa força e eles também diziam, mulher tem que está do nosso lado” relembrou Dionita da reunião ocorrida no Bismak, em 1993, quando as mulheres conquistaram o seu espaço no CIR e em seguida, aprovado no Estatuto Social da organização.

Também esteve no debate o coordenador regional da Serra da Lua, Clóvis Ambrosio, um dos fundadores do CIR, o vice- coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Edinho Batista de Souza e o Vereador indígena pelo município de Cantá, Roberlândio Rodrigues Messias.

“É preciso conhecer os direitos estabelecidos por lei do país em relação aos direitos dos homens e das mulheres, para que possamos ter conhecimento, defender, denunciar e questionar” destacou Clóvis sobre os avanços do movimento indígena, das organizações e neste contexto, o avanço das mulheres indígenas de buscar conhecer mais sobre os seus direitos.

“Falo de algumas ameaças que não restringe somente ao direito da mulher, mas de toda população indígena, porque é importante que tenhamos conhecimento, para refletirmos e avançar no combate” pontuou Edinho sobre as PECs, Leis e propostas que tramitam no Congresso Nacional, Câmara dos Deputados que ameaçam e violam os direitos dos povos indígenas, PEC 215, PL 1610, parecer da AGU, Tese do Marco Temporal, entre outras ameaças.

Para contribuir com as mulheres indígenas no contexto sobre direitos da mulher e da mulher indígena, a coordenadora do departamento Jurídico do CIR, Joenia Wapichana, ministrou a palestra o direito da mulher indígena, lei Maria da Penha e violência doméstica. “Falar de direito é falar de conquista” iniciou Joenia, também um símbolo de conquista de espaço, sendo a primeira advogada indígena mulher no Brasil.

Apesar de ainda existir a exclusão de mulheres, Joenia destacou que o espaço em que as mulheres se encontram hoje, já é uma conquista. Mas que nem sempre foi assim, porém, a mesma Constituição que garantiu direitos indígenas também garantiu o direito de igualdade das mulheres. “A mesma Constituição que fala sobre os direitos indígenas, também veio com novidades em relação às mulheres e uma delas é a igualdade de direitos. As mulheres têm direito de participar das reuniões, dos eventos, de mobilização, o direito de falar por si só, direito de reclamar e denunciar” destacou a coordenadora.

O artigo 231 da Constituição que reconhece a organização social da comunidade, o sistema jurídico, além da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), uma lei internacional que o Brasil se comprometeu a respeitar e cumprir desde 1989, ratificado e promulgada como lei em 2004, onde existe no artigo sobre povos indígenas as lei que se aplicam à homens e mulheres, no contexto sobre saúde, educação, profissão, segurança, consulta, territorial  e outros, são direitos e deveres. “Essa conquista veio para reconhecer o papel da mulher dentro do contexto de povos indígenas como parte de um grupo sujeito a direitos” destacou a coordenadora.

Sobre a Lei Maria da Penha, uma lei que não foi criada especificamente para mulheres indígenas, mas que em alguns casos é utilizada, Joenia relembrou o caso no Brasil que completou 10 anos. Deu exemplos dos três principais tipos de violência familiar e doméstica, física, psicológica e moral.

Entre alguns casos citados durante o evento, Joenia pontuou como uma das alternativas de prevenção, os regimentos internos das comunidades indígenas, construídos pelas comunidades para tentar solucionar alguns problemas que envolvem o consumo de bebida alcoólica, principal causador de violência doméstica e outros tipos.

Outra iniciativa das comunidades e que tem dado certo, trata-se da criação dos grupos de vigilância e monitoramento das terras indígenas, que atuam no combate de vários ilícitos dentro das terras indígenas, venda e consumo de bebida alcoólica, invasões, tráfico de drogas, trafico humano, entrada de marreteiros, além de outras preocupações das comunidades indígenas.

Marizete de Souza, ex – secretária do movimento de mulheres indígenas do CIR, no ano de 2009 a 2010, atual coordenadora regional das mulheres da região Serras, Técnica em Agropecuária, formada pelo Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol (CIFCRSS) e gestora territorial indígena, formada no Curso de Gestão Territorial Indígena pelo Instituto Insikiran da Universidade Federal de Roraima (UFRR) destacou dois avanços e conquistas.

“Vejo que é um avanço a conquista das mulheres, porque a partir do momento em que assumimos um papel, responsabilidade e um compromisso de melhorar a vida do povo, conseguimos ver vários avanços no sentido de que hoje a gente tem mulheres em vários setores, educação, saúde, gestoras de escola, Tuxauas, coordenadoras regionais e isso é um dos avanços. Outra conquista é a organização própria da comunidade, região e na questão política social das comunidades a gente ver que, se não fossem as mulheres, as lutas com certeza não teriam sido conquistadas, porque foram as mulheres que iniciaram, travaram essa luta e conquistaram resultado e hoje, nós estamos aqui, mas uma vez gritando, reivindicando e falando que temos direitos” expressou Marizete.

Maria Betânia Mota de Jesus, do povo Macuxi, eleita como Secretária do Movimento de Mulheres Indígenas na Assembleia Geral de 2017, avaliou como expectativa do seminário reunir mulheres indígenas de várias regiões, mulheres tradicionais e jovens, para a troca de experiência, conhecimentos e fortalecer a luta das mulheres no Estado. “Foi importante ouvir o pouco do histórico das mulheres tradicionais, importante até para nós, que estamos nessa caminhada de conquista de espaço. A gente sente na fala de cada uma a importância de estar repassando para os jovens, homens, mulheres que aqui estão” destacou Maria sobre o momento propício de conhecer a caminhada das mulheres indígenas no movimento.

Destacou como conquista de espaço da mulher indígena, o empoderamento dos direitos. “A conquista de espaço é a mulher se empoderar dos seus direitos. Ela ter o seu direito de voz, um direito especial de falar e de caminhar, porque antes, a história conta que a mulher não tinha nem o direito de votar e hoje não, ela tem o direito de falar, gritar e de levar a voz onde desejar alcançar na caminhada enquanto mulher” expressou Maria.

No encerramento, com a mediação da Secretária, as mulheres regionais elaboraram, apresentaram e aprovaram suas propostas de planejamento para os próximos anos de atividades e ações.

O seminário a Voz das Mulheres Indígenas foi um evento realizado pela Secretaria do Movimento de Mulheres Indígenas do CIR, por meio do projeto “construir, exercer e fortalecer os direitos dos povos indígenas de Roraima”, apoiado pela Fundação Ford.  A iniciativa também recebeu apoio da Diocese de Roraima, Núcleo de Mulheres de Roraima (NUMUR) e da Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

Foto: Mayra Wapichana

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