Em contundente artigo, a desembargadora Simone Schreiber critica as conduções coercitivas que vêm sendo praticadas pela PF e as classifica como “um ato violentíssimo e ilegal”. “Nem o suicídio do Reitor Cancellier serviu para fazermos uma autocrítica”. Leia
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Circula nas redes sociais um contundente texto da desembargadora do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) e professora de Direito Processual Penal da Unirio, Simone Schreiber em que critica as recentes conduções coercitivas que vêm sendo praticadas pela Polícia Federal e as classifica como “um ato violentíssimo e ilegal”.
“Só tem razão de ser por sua dimensão de espetáculo (…) Não serve para rigorosamente mais nada, só para a polícia federal fazer sua propaganda institucional, mostrando sua ‘eficiência no combate ao crime’”, afirma.
A critica da desembargadora se deu por conta da operação da PF desta semana na Universidade Federal de Minas Gerais (UGMG), pouco tempo após outra operação parecida na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Nas duas ocasiões, os reitores foram presos, expostos e humilhados, sendo que o primeiro se suicidou.
“Nem o suicídio do Reitor Cancellier serviu para fazermos uma autocrítica! Está mais do que na hora de refletirmos sobre nossos atos, sobre o papel que a Justiça Federal tem desempenhado nessa crise institucional e para onde estamos indo!”, pontuou.
Confira a íntegra:
A condução coercitiva é uma violência que não pode ser corrigida por habeas corpus, dada sua instantaneidade. A pessoa é conduzida pela polícia para prestar depoimento. Encerrado o propósito da diligência policial, é liberada. Contudo, é um ato violentíssimo e ilegal. Ilegal, pois a pessoa investigada não está obrigada a prestar depoimento, pode simplesmente invocar seu direito de não responder perguntas. E é evidente que se ainda não sabe nada sobre a investigação, e ainda não conseguiu conversar com um advogado sobre o tema, não deve responder a nenhuma pergunta. Então a condução coercitiva só tem razão de ser por sua dimensão de espetáculo. Espetáculo de humilhação da pessoa investigada. Não serve para rigorosamente mais nada, só para a polícia federal fazer sua propaganda institucional, mostrando sua “eficiência no combate ao crime”.
Para mim está evidente que essa pretensa “democratização do direito penal, para pegar o andar de cima” sustentada com entusiasmo dentre outros pelo professor Luis Roberto Barroso só se presta à consolidação de uma jurisprudência de flexibilização de direitos fundamentais. Ao invés de avançarmos reforçando os direitos das pessoas “do andar de baixo” (para usar a expressão do Barroso), por exemplo, implementando as audiências de custódia, adotando a prisão preventiva em situações excepcionalíssimas, tornando efetivas as medidas cautelares alternativas, ampliando a atuação das defensorias públicas, etc, estamos adotando um caminho inverso, de desprezo, desamor pelos direitos fundamentais.
Cada um de nós deve refletir sobre que modelo de processo penal deseja em um Estado Democrático, ao invés de se impressionar com o “escândalo da vez”. Há irregularidades nos contratos firmados por determinada Universidade Pública? Investiga-se sem fazer disso um espetáculo! Caso os fatos sejam confirmados após o processo, após produzidas as provas em contraditório judicial e exercida a ampla defesa, as penas previstas em lei são aplicadas. É assim que a justiça funciona ou deveria funcionar. E nós juízes deveríamos ser os primeiros a zelar pelo devido processo legal.
É extremamente grave o que está acontecendo, não sei bem como chegamos até aqui, mas é preciso que os juízes façam essa reflexão. O mais impressionante é que pessoas que se tornaram juízes já sob a égide da Constituição de 1988 não aplicam normas de garantia previstas no Código de Processo Penal da ditadura Vargas!
Nem o suicídio do Reitor Cancellier serviu para fazermos uma autocrítica! Está mais do que na hora de refletirmos sobre nossos atos, sobre o papel que a Justiça Federal tem desempenhado nessa crise institucional e para onde estamos indo!