No blog do Sakamoto
É simbólico que professores tenham sido uma das primeiras categorias a sofrer com a entrada em vigor da Reforma Trabalhista. Não apenas com as demissões coletivas para substituir profissionais por outros mais baratos, mas também pela aplicação de formas inventivas de precarização do trabalho. Tudo possibilitado pelas mudanças feitas na CLT pelo Congresso Nacional e pelo governo Michel Temer.
Simbólico porque, no Brasil, a educação é apontada sempre como a saída para todos os problemas. Mas, paradoxalmente, o professor é visto com um entrave. Nada mais lógico, portanto, que a Reforma Trabalhista transforme a vida desse entrave em um inferno, colocando-o em seu devido lugar.
É esquizofrênico reclamar que não há no país quantidade suficiente de força de trabalho devidamente preparada para fazer frente às necessidades de inovação e produtividade e, ao mesmo tempo, espumar de raiva contra as reivindicações de professores por condições dignas de trabalho, de remuneração, de aposentadoria. Como acham que o processo de formação educacional ocorre? É só tocar num livro ou visitar um site que o conhecimento é gerado automaticamente? Acham que a reflexão sobre si mesmo e o mundo é sempre feito individualmente e de forma solitária?
Interessante que a mesma sociedade que lutou para que empregadas domésticas não tivessem acesso aos mesmos direitos que outros trabalhadores porque não enxerga a atividade como um emprego (herança de uma abolição incompleta) também espume de ódio quando professores cruzam os braços em busca de qualidade de vida. Parte da população até apoia que governos estaduais lancem bombas e atirem balas de borracha contra docentes. Para que eles calem a boca e voltem para cuidar de suas crianças e jovens.
”O governo acaba de ganhar um belíssimo presente de Natal”, afirmou Michel Temer ao tratar da proposta de Reforma Trabalhista há um ano.
Claro que o presente não era a reforma em si, mas o fôlego que seu grupo político havia ganho para continuar ocupando o Palácio do Planalto por causa da defesa da proposta, que viria a ser aprovada nos meses seguintes. Fôlego dado por parte do empresariado que o ajudou a chegar lá com a condição de que reduzisse a proteção ao trabalhador e garantisse que a fatura da crise econômica não pesasse nas costas do capital.
A partir de meia dúzia de propostas encaminhadas pelo Palácio do Planalto, a Reforma Trabalhista ganhou corpo na Câmara dos Deputados com dezenas de acréscimos. Grosso modo, o texto final foi inspirado por demandas apresentadas por confederações empresariais e grandes empresas e por posições derrotadas em julgamentos no Tribunal Superior do Trabalho – posições que significaram perdas a empresários e ganhos a trabalhadores. Ou seja, foi uma forma rápida de dar um cavalo de pau na relação entre patrões e empregados.
É claro que o país precisa de uma atualização de toda a legislação que regula a relação capital e trabalho e não apenas da CLT. Mas a rediscussão sobre o contrato social de compra e venda de mão de obra foi interditado e apenas um dos lados levado em conta – e não foi a parte mais vulnerável.
Com o aprofundamento da crise econômica, os trabalhadores foram os primeiros a sofrerem perdas substanciais. Deveriam ter sido os mais protegidos. Enquanto isso, dividendos recebidos seguem sem ser taxados, fazendo com que a classe trabalhadora pague mais imposto através de sua renda assalariada e do consumo do que quem é proprietário ou sócio de grandes empresas.
Depois, em novembro deste ano, Temer afirmou que ”tudo indica que teremos um Natal melhor, com mesa mais farta e mais presentes para a família”. Novamente, a pergunta é ”quem”.
Quem estará com a mesa farta neste Natal? Em dezembro, as lojas de alto luxo de Rio, São Paulo e Brasília continuaram apinhadas de gente como sempre. Enquanto isso, muitos que sabem que terão a vida precarizada pela mudanças na Reforma Trabalhista estão se prevenindo porque sabem que o emprego pode virar pó. E considerando que a Reforma Trabalhista e a Lei da Terceirização Ampla foram aprovadas para facilitar a vida dos donos de grandes empresas e o mercado financeiro, certamente não são todos os filhos de trabalhadores que verão seus desejos se transformarem em realidade. A começar pela construção de um futuro melhor.
Pois, ao empurrar os professores para estarem entre os primeiros na guilhotina das mudanças trazidas por essas reformas, decapitamos também a esperança.
Uma esperança que não vê, não fala e não ouve é, afinal de contas, o legado de Natal deste governo.