Homens que justificam ou minimizam são cúmplices do assédio sexual, por Leonardo Sakamoto

No blog do Sakamoto

Pesquisa Datafolha aponta que 42% das mulheres relata já ter sofrido assédio sexual no país. Os números indicam que 29% delas foi assediada na rua (valor que vai a 45% se considerado apenas as mulheres entre 16 e 24 anos), 22% no transporte público, 15% no trabalho, 10% na escola ou faculdade e 6% em casa – sendo que houve entrevistadas que relataram mais de um tipo de assédio. Segundo a pesquisa, o problema é mais sentido entre as negras e orientais, as mais jovens e as mais escolarizadas.

O protagonismo dessa luta é delas – temos que ouvir em silêncio o que as mulheres têm a dizer e, a partir daí, refletir e mudar. Contudo, nós, homens, além de pensarmos em nosso próprio comportamento, temos o dever de agir junto aos outros homens, deixando claro que qualquer forma de assédio e de violência é inaceitável.

Nós, homens, pensaríamos duas vezes antes de fazermos comentários machistas, preconceituosos e violentos se tivéssemos medo de sermos criticados, repreendidos e humilhados publicamente por outros homens em um almoço de família, no intervalo das aulas da faculdade, na mesa de bar. E, é claro, também nas conversas, publicações, curtidas e compartilhamentos nas redes sociais. Mais do que isso, não veríamos como ”brincadeira” o comportamento criminoso contra mulheres se deixássemos de passar a mão nas cabeças de outros homens, relativizando um assédio ou um ato violento como se fosse ”brincadeira” ou um ”xaveco”. Ou se o sistema policial e de Justiça do país não refletisse o machismo corrente na sociedade atuasse de forma mais firme.

Precisamos qualificar o debate com os outros homens. Isso não significa tornar o dia a dia chato e moralista – afinal, fazer outra pessoa sofrer para acharmos graça na vida é doença. Atuar para que percebam, desde pequenos, a complexidade do mundo em que vivem e a construir um novo sentido para as coisas. Um sentido que não trate mulheres como objetos descartáveis à nossa disposição. E mostrando que há consequências aos nossos atos.

Essa qualificação, é claro, vem de um processo que também envolve escolas, famílias, sociedade civil e mídia. Em tese, seria lento, porque passa pela formação de visão de mundo. Mas mulheres continuam a ser assediadas, agredidas, estupradas e mortas simplesmente por serem mulheres na segunda década do século 21. Portanto, não temos o luxo de contar com esse tempo. Temos que ajudar a promover essa mudança imediatamente.

Em uma sociedade historicamente estruturada em torno da violência de gênero, nossa responsabilidade como homens não é apenas evitar que nós mesmos sejamos vetores do sofrimento simbólico, psicológico ou físico das mulheres cis e trans. Neste caso, não basta cada um fazer sua parte para que o mundo se torne um lugar melhor. Se você fica em silêncio diante de situações de violência de gênero, sinto lhe informar que tem optado pela saída fácil da delinquência social.

Sim, ao ver um colega relinchando aberrações inconcebíveis na mesa do bar e não questioná-lo por isso, dando uma risadinha de conta de boca; ao ouvir aquele tio misógino defender que ”mulher que se preze não usa saia curta” e ficar em silêncio; ao assistir àquele ”humorista” fazer apologia ao estupro e não mudar de canal ou enviar mensagem protestando às autoridades; ou ao se deparar com um amigo compartilhando histórias de violência sexual e sua única reação foi um beicinho de desaprovação, você está sendo cúmplice de tudo isso.

Nós, homens, temos a responsabilidade de educarmos uns aos outros, desconstruindo nossa formação machista, explicando o que está errado, impondo limites ao comportamento dos outros quando esses foram violentos, denunciando se necessário for.  Não é censura, pelo contrário. Esses são atos para ajudar a garantir que as mulheres possam desfrutar da mesmo liberdade que nós temos – liberdade que nossos atos e palavras sistematicamente negam a elas.

O constrangimento público às ações machistas é uma arma poderosa e precisa ser usada insistentemente. Nós homens precisamos entender que esse discurso e essas atitudes violentas não cabem mais no mundo em que estamos. Na verdade, nunca couberam, mas nós somos pródigos em calar aquilo que nos desagrada.

Como já disse aqui antes, agimos como inimigos até termos sido devidamente educados para o contrário. Não é um processo fácil e demanda uma vida inteira de autocrítica, o que falo por experiência própria. Mas necessário.

Pois é no momento em que pessoas conscientes se calam, cansadas da opressão e da violência, que a opressão e a violência encontram terreno sem resistência para avançar.

Grupo de mulheres faz ato contra violência em vagões do Metrô de São Paulo. Foto: Marcelo D. Sants/Estadão

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