Ao contrário do prometido, Reforma Trabalhista precariza sem criar vagas, por Leonardo Sakamoto

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O Ministério do Trabalho divulgou, nesta quarta (27), os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostrando que, no mês em que a Reforma Trabalhista entrou em vigor, o país registrou mais demissões do que contratações. Em novembro, o saldo negativo ficou em 12,3 mil vagas.

Temer simplesmente ignorou a informação em discurso realizado hoje, exaltando a geração de postos de trabalho nos meses anteriores de seu governo. Até aí nada de novo. Ele tem que reforçar que está fazendo a lição de casa direitinho. Afinal, recebeu apoio do poder econômico para chegar e se manter na Presidência da República a fim de aprovar esse pacote de mudanças na CLT e autorizar a terceirização de todas as atividades de uma empresa – entre outras medidas que fragilizam a proteção aos trabalhadores.

Vale acrescentar à análise desse cenário que uma pesquisa divulgada pelo IBGE, em novembro, estimou que praticamente todas as vagas geradas no setor privado, neste ano, eram informais. De empregos sem carteira, passando por pessoas que resolveram se virar por conta própria até trabalhadoras empregadas domésticas sem contrato. O desemprego foi de 12,2% no trimestre que terminou em outubro, ou seja, 12,7 milhões de pessoas. No trimestre encerrado em julho, a taxa era de 12,8%. Mas ainda maior que no trimestre encerrado em outubro de 2016, quando era de 11,8%. Neste ano, houve um aumento de 2,4% de trabalhadores sem carteira. Autoridades celebraram os números.

Esse quadro reforça o que já escrevi aqui: a retomada do crescimento do emprego, ocorrendo através de postos de trabalho precarizados, não garante férias remuneradas, 13o salário, descanso semanal, licença maternidade, limite de jornada, enfim, nenhum dos direitos mais básicos que não foram sustados pela Reforma Trabalhista realizada pelo governo. É claro que, para um trabalhador em situação de desespero, trabalho precário é trabalho mesmo assim e ajuda a pagar as contas no final do mês e sustentar a família. Mas esse tipo de serviço não garante o pacote básico de proteção para ele e/ou ela e sua família, mantendo-os em um grau preocupante de vulnerabilidade social e econômica.

Vale lembrar que nem sempre quem trabalha por conta própria é um empreendedor começando um negócio que lhe permita garantir autonomia econômica. Não raro são trabalhadores produzindo em casa ou vendendo na rua, prestando serviços para outras empresas. A primeira impressão é de que são autônomos, com liberdade para se relacionarem com quem quiserem. Mas, na prática, atuam como braços informais dessas empresas, empregados fora da folha de pagamento. Com o ônus de assumir os custos e riscos inerentes à atividade.

Esse crescimento na informalidade pode ser uma etapa anterior à geração de empregos formais. Contudo, nada de muito bom pode ser construído alijando uma massa de trabalhadores de um patamar mínimo de dignidade.

E, pelos dados divulgados nesta quarta, por enquanto a reforma não foi capaz nem sequer de entregar um saldo positivo de empregos ruins.

Por trás do discurso do “vamos avançar” presente entre os defensores da Reforma Trabalhista estava também o desejo de tirar do Estado o papel de mediador da relação entre patrões e empregados, deixando-os organizando suas próprias regras. Quando um sindicato é forte e seus diretores não jogam futebol em churrascos com os diretores das empresas nos finais de semana, nem recebem deles presentinhos, ótimo, a briga é boa e é possível obter mais direitos do que aquele piso da lei. Mas, e quando não, faz-se o quê? Reclama com o Temer? Com Gilmar Mendes? Com Ives Gandra Martins Filho? Com o papa Francisco, que não em nada a ver com a história?

A sociedade mudou, a estrutura do mercado de trabalho mudou, a expectativa de vida mudou. Portanto, as regras que regem as relações trabalhistas e a Previdência Social podem e devem passar por discussões de tempos em tempos. A função da política seria encontrar, através de um diálogo democrático e sereno, pontos de convergência que não depreciassem a vida dos trabalhadores e não mudassem as principais regras do jogo no meio de uma partida sem a concordância de todos. Daí, sim, as relações trabalhistas poderiam passar por atualização.

Há muita coisa na CLT que passou da hora de ser alterada. Mas o seu coração – impedir que o natural desequilíbrio entre trabalhador e capital seja aprofundado – deveria ter sido preservado. E não foi.

Essa discussão não poderia ter sido conduzida de forma autoritária ou em um curto espaço de tempo. Pois essas decisões não deveriam servir para salvar o caixa público, o pescoço de um governo e o rendimento das classes mais abastadas (que brigam contra impostos sobre dividendos e contra a progressividade do imposto de renda). Mas para readequar o país diante das transformações sociais sem tungar ainda mais o andar de baixo.

Anda é cedo para entender qual o tamanho do impacto da reforma nos contratos trabalhistas vigentes. E vai levar um tempo até que todas as dúvidas sobre a nova legislação sejam sanadas e saibamos o que ela representa. Serão anos – especialistas que entrevistei falam de cinco a dez – até que sucessivos julgamentos baseados em interpretações do novo texto legal gerem jurisprudência sólida sobre o assunto. Isso sem contar todas as ações questionando a constitucionalidade da Reforma Trabalhista, que devem ser movidas por sindicatos ou pelo Ministério Público do Trabalho.

Contudo, jornadas de trabalho mais longas e sem o devido pagamento de horas-extras são esperadas a partir de agora. Da mesma forma, acordos com menos garantias para a saúde, a segurança e a remuneração vão aparecer. E, agora, há a possibilidade legal de que pessoas contratas por jornada intermitente recebam menos de um salário mínimo por mês. Para elas, esse período trabalhado não será computado para efeitos de aposentadoria e de seguridade social.

Apesar das promessas feitas pelo governo e por Patos Amarelos, os trabalhadores que, com seu sacrifício, estão ajudando a fazer o bolo crescer ainda não estão tendo direito a uma parte do resultado de seu trabalho. A promessa foi a mesma feita para a ralé durante a ditadura, que acabou ficando com migalhas enquanto a elite segue na orgia de sempre.

Foto: Ueslei Marcelino/Reuters.

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