Desejo a Temer saúde e vida longa para que responda a denúncias na Justiça, por Leonardo Sakamoto

No blog do Sakamoto

”Estou ótimo. Embora toda hora alguém queira me matar. Uns por vontade mesmo, outros por desinformação.” Michel Temer reclamou, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, daqueles que veem em seu quadro clínico indícios de que estaria nas últimas.

Antes de mais nada, gostaria de me solidarizar com o presidente. OK, isso é algo raro de se ver por aqui, confesso. Mas quando começamos a desejar a morte das pessoas das quais discordamos política, ética ou ideologicamente, nos tornamos um risco para a vida em sociedade.

Pelo contrário, desejo que ele viva muito.

Inclusive para que, após deixar o cargo que ocupa, possa ser processado e julgado por corrupção passiva, obstrução de justiça e organização criminosa. Denunciado por esses crimes pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal, ele teve o pescoço salvo pela Câmara dos Deputados que rejeitou dois pacotes de denúncias após receber mimos em formas de emendas, cargos, perdões de dívidas, portarias e apoio na aprovação de leis.

Mas ele ainda pode ser processado após o final de seu mandato, o que deve ocorrer em janeiro de 2019. Daí, sem a proteção do foro privilegiado, a Justiça irá dizer se considera os fatos que pesam contra ele fortes o suficiente para uma condenação.

É importante fazer essa distinção. Pois o desejo de morte de um político devido a coisas ruins ou bizarras que tenha feito, mesmo através da torcida por doenças ou acidentes, em uma espécie de ”justiça divina” fictícia, bate de frente com o espírito constitucional sobre o qual nosso país está ancorado. Nenhum crime, em tempo de paz, merece a prisão perpétua, nem a pena de morte. Pode parecer que não, eu mesmo duvido se vamos conseguir, mas devemos perseguir um Estado democrático de direito e não o salve-se que puder.

O coronel Erasmo Dias morreu, em 2010, aos 85 anos. Na época, muita gente entrou em júbilo com a notícia. Durante a ditadura, muitos foram atropelados pelos seus cavalos ou torturados sob sua responsabilidade. Mas não deixo de grafar em seu epitáfio a nossa incompetência, por não conseguirmos fazer com que esse arauto da retrocesso respondesse por tudo aquilo que fez. De 1974 a 1979, Erasmo ocupou o cargo de secretário de Segurança Pública em São Paulo, garantindo a ordem sob as ”técnicas persuasivas” da Gloriosa. Ficou conhecido pela invasão da PUC-SP em setembro de 1977, ao reprimir um ato pela reorganização da União Nacional dos Estudantes. Foi eleito deputado federal, deputado estadual e vereador.

Outra alma ceifada tempos atrás foi a do Coronel Ubiratan, responsável pela execução de 111 presos na Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo. Não é que a sociedade não conseguiu puni-lo, ela não quis puni-lo. Ele fez o servicinho sujo que muitos paulistanos desejam em seus sonhos mais íntimos, de limpeza social. Morreu em 2006, em um crime não solucionado. Estava a caminho de ser facilmente reeleito como deputado estadual, ironizando o país ao candidatar-se com o número 14.111.

Os dois não são casos únicos. Se listássemos os fazendeiros que assassinaram trabalhadores e lideranças rurais no Brasil e morreram sem julgamento ou condenação, gastaríamos hectares de palavras. Todos os que lutam para que os direitos humanos não sejam um monte de palavras bonitas emolduradas em uma declaração sexagenária não podem se sentir contemplados com o sofrimento ou a morte de qualquer pessoa.

Michel Temer não é Erasmo, nem Ubiratan, longe disso. Mas o não julgamento das denúncias que pesam sobre ele contribui para a manutenção de um Estado de Justiça seletiva contra o qual temos o dever de nos indignar.

Não quero que o ”universo” faça vingança em meu nome. Quero apenas que a nossa Justiça funcione.

Temer recebe passe de na convenção do PMDB. Foto: Igo Estrela /PMDB Nacional

 

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