Temer cutuca Geddel, que tem 51 milhões de razões para abrir o bico, por Leonardo Sakamoto

No blog do Sakamoto

”Quem cometeu ilícitos está preso, simplesmente isso.”

A frase é de Michel Temer e está na entrevista que concedeu a Gustavo Uribe e Marco Augusto Gonçalves, na Folha de S.Paulo deste sábado (20). Após afirmar que seus ”detratores” estão na cadeia, ele entregou essa declaração ao ser lembrado que não apenas seus inimigos (como Joesley Batista), mas também seus amigos estão atrás das grades.

Imagino como essa frase será recebida por seu ex-ministro Geddel Vieira Lima. A depender de como for sua reação, Temer encontrará mais dificuldade em se dedicar à sua ”recuperação moral”, desejo expresso na entrevista. Pois, na prática, ele confirmou que seu ”querido amigo” há décadas e auxiliar de confiança cometeu ilícito. Simplesmente isso.

Temer também era próximo de outro preso, o ex-ministro e ex-presidente da Câmara dos Deputados Henrique Eduardo Alves. Tanto que, ao deixar o seu governo, ele recebeu uma carta do presidente chamando-o de ”amigo”, agradecendo ”a dedicação e lealdade que sempre permeou nossa relação pessoal e no campo político” e terminando com um ”muito obrigado por tudo”. E, portanto, também pode se sentir ofendido pela declaração.

Ao mesmo tempo, Eduardo Cunha foi parceiro de Temer em empreitadas, como o impeachment que devolveu o (P)MDB ao poder sem votos, entre outras. Também ex-presidente da Câmara, tem constrangido Temer a partir da cadeia com declarações e cutucadas. Com o clima não muito amistoso entre os dois, creio que não deve ficar chateado com a entrevista.

Mas, de todos eles, confesso que estou surpreso é com Geddel. O tempo que ele está aguentando de bico fechado na cadeia sem entregar os companheiros do que a Polícia Federal chamou de ”Quadrilhão do PMDB” é surpreendente. Além de Temer, Eliseu Padilha e Moreira Franco teriam sérios problemas se ele falasse em nome de um acordo. Na época de sua segunda prisão, muitos foram os que acharam que não duraria muito na cadeia.

Após a Polícia Federal atribuir ao ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo a responsabilidade por um apartamento em Salvador recheado com R$ 51 milhões em caixas e malas, ele foi preso. Vale lembrar que, em julho, quando teve uma curta passagem pela Papuda, Geddel chorou diante do juiz que o manteve sob prisão preventiva apenas três dias após ter chegado. Henrique Alves também chorou diante do juiz em um depoimento em novembro, o que tem se tornado cena recorrente.

Como já disse aqui sobre esse episódio, claro que sou contra a perversão do instrumento que ficou conhecido como ”delação premiada”. Pessoas têm sido condenadas em praça pública com base em confissões de criminosos que querem salvar a si próprios, sem a preocupação de que os fatos sejam verdadeiros. Mas o MDB não está sendo acusado de crimes de terceiros, mas dos seus próprios. ”Há uma tentativa brutal de tentar desmoralizar o presidente”, disse Temer na entrevista. Sim, concordo. Mas a tentativa parte dele mesmo e de sua cúpula de governo através de suas ações.

Afinal, apenas uma pessoa que está trancada, há alguns anos, em uma mina há centenas de metros de profundidade, sem acesso ao mundo exterior, não consegue ver o comércio de cargos, emendas e leis com o Congresso Nacional em troca da própria sobrevivência do seu grupo político de Temer diante das investidas da Lava Jato.

Uma delação de Geddel, que apoiou governos do PSDB, PT e (P)MDB, apenas não seria melhor do que uma delação do próprio Temer ou de José Sarney, o eterno, para expor as entranhas do país.

Os defensores da colaboração premiada apontam políticos como os chefes de quadrilha. Mas grandes empresários moldaram o Estado de acordo com suas necessidades, comprando e vendendo quem fosse preciso, sangrando os cofres públicos, escrevendo e aprovando leis que os beneficiavam. Portanto, os membros do ”Quadrilhão do PMDB” deveriam delatar não apenas os políticos e sim os grandes empresários e os representantes do mercado, do agronegócio ao sistema financeiro, das indústrias ao comércio, de quem constrói estradas até as histórias do porto de Santos. Teríamos, assim, uma bela lavação de roupa suja. Daí, o Brasil se tornaria um país melhor ou viraríamos uma gosma.

Se eu fosse o Geddel e lesse essa declaração de Temer abandonando-o publicamente, lembraria que não vale a pena trocar uma refeição completa em um bom restaurante da capital baiana por um jumbo de cadeia na Papuda.

”Não vou sair da Presidência com essa pecha de um sujeito que incorreu em falcatruas”, disse Temer.

Olha, não tenho certeza. Pergunta para o povo. Ou melhor, pergunta para o Geddel.

Foto: Dida Sampaio /Estadão

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