Desastre de Mariana: ‘Perdemos o que o dinheiro não reconquista’

O pedreiro Tcharle Batista, que teve a casa destruída, lamenta a perda de fotos, histórias e lembranças após o acidente

por Ana Luiza Basilio, Carta Capital

O pedreiro Tcharle do Carmo Batista, 25 anos, não se esquece do dia 5 de novembro de 2015, data do rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, no município de Mariana (MG), que provocou a maior tragédia ambiental do País.

“Estava em casa com meu pai, cortando cana, e recebemos uma ligação de que a barragem havia se rompido. Ficamos em alerta sem saber direito o que tinha acontecido, até que um helicóptero do Corpo de Bombeiros pousou e disse para irmos para o ponto mais alto da cidade”, lembra Batista. “Ficamos lá umas três horas. Até que, já escuro, sentimos um cheiro horrível, seguido de barulhos fortes de vidro quebrando, animais gritando, acabou a luz…Em meia hora estava tudo coberto”.

O mar de lama de rejeitos de minério que se alastrou por mais de 650 quilômetros entre Minas Gerais e Espírito Santo, condenou outras localidades e levou à morte 19 cidadãos, também destruiu a casa de Tcharle, em Paracatu, a 35 quilômetros de Mariana.

Hoje, dois anos e três meses após o ocorrido, o sentimento de perda ainda se faz presente. “Há danos irreparáveis”, alega o jovem que mora ao lado dos pais e das três irmãs gêmeas em uma casa alugada pela empresa e se mantem com um valor mensal destinado às famílias impactadas pelo rompimento da barragem, em caráter emergencial.

O relato de Tcharle vai na contramão de uma  declaração recente de Fabio Schvartsman, presidente da Vale, que controla a mineradora Samarco juntamente com a BHP Billiton Brasil. Segundo uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo, durante evento do banco Credit Suisse, realizado em São Paulo, Schvartsman disse que “o meio ambiente e as pessoas vão ficar melhores do que estavam antes”, fazendo referência ao pagamento das indenizações e da recuperação ambiental.

“Perdemos coisas que o dinheiro não vai conseguir reconquistar. Não vamos ter mais acesso às nossas lembranças, histórias, fotos. Também fomos impactados socialmente. Antes tínhamos contato com nossos vizinhos, familiares, amigos, agora ficamos divididos em ruas, bairros diferentes”, comenta Tcharle que também se preocupa com a falta de emprego.

“Eu trabalhava na roça pela diária de 130 reais. Depois que vim para a cidade, com a queda de arrecadação do município, ninguém quer dar serviço, fazer obra, as pessoas têm medo de gastar o que têm”, conta o pedreiro que chegou a ganhar um kit de ferramentas da empresa para retomar suas atividades, mas não foi bem sucedido até o momento.

A promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Andressa de Oliveira Lanchotti, que atua à frente da força-tarefa do ministério no caso Samarco, considera a declaração do porta-voz da Vale “subjetiva” e acredita ser “impossível” reparar integralmente os danos causados.

“Falamos em compensação de danos tanto na área ambiental, quanto na recuperação dos atingidos”, afirma. Andressa explica que, após a assinatura de um Termo de Ajustamento Preliminar (TAP) entre os Ministérios público Federal e Estadual com as empresas Samarco, Vale e BHP, estão previstas a atuação de assessores técnicos ao longo da Bacia para estudos ambientais e diagnósticos socioeconômicos.

Ela reafirma que, na área ambiental, “há danos irreparáveis”, uma vez que restituir integralmente é deixar o ecossistema como antes. “Tecnicamente, nem toda a lama vai poder ser retirada e o plano de manejo e remoção de rejeitos nem prevê isso”, coloca. Segundo a promotora, retirar a lama de um local significa necessariamente acomodá-la em outra área, o que geraria novos impactos. “Estão acontecendo tentativas de reconstituir a vegetação sobre a lama, mas isso está sendo acompanhado, porque o que dá certo em um trecho não se reflete por igual ao longo da Bacia”, esclarece.

Em relação à questão socioeconômica, Andressa leva em conta os modos de vida alterados. “O que eles perderam têm de ser compensado, mas há perdas em termos de convivência, de relação com o ecossistema em que viviam, essas pessoas tiravam seus recursos da natureza e hoje não podem mais. Os mais indicados para dizer se a vida ficará melhor ou pior são os atingidos”, pondera.

A promotora reconhece que o caminho é longo, mas fala em demora no início das ações de recuperação. “Tivemos muitas dificuldades com questões organizacionais no início em razão da criação da Fundação Renova”, comenta. “Aprovamos o plano de remoção e manejo de rejeitos no segundo semestre do ano passado, ou seja, um ano e meio após a tragédia se falou em recuperação, ainda em caráter emergencial”, avalia.

A Fundação Renova é responsável por gerir as reparações e compensações para as áreas e populações atingidas. Ela foi criada para representar as empresas responsáveis, após assinatura de um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) junto aos governos federal, estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo e outros órgãos públicos. A Renova atua em parceria com um Comitê Interfederativo, constituído por representantes dos órgãos ambientais e de administração pública, que tem o papel de opinar sobre os projetos apresentados e propor soluções, em diálogo com as comunidades locais.

Entre as localidades de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira, a fundação contabiliza 1258 atingidos e reserva a eles 22 programas na área socioeconômica que preveem, entre outras questões indenização e ressarcimento. A Renova alega que há uma expectativa de que sejam pagos cerca de 2 bilhões em indenizações. Segundo a instituição, também há ressarcimento para pessoas e micro e pequenas empresas que sofreram perdas ligadas às suas atividades, em dano de água ou danos gerais.

Para as famílias afetadas diretamente, a Renova afirma ser destinado cartões de auxílio financeiro que revertem, mensalmente, um salário mínimo, mais 20% do valor para cada um dos dependentes, além do valor de uma cesta básica. Na área ambiental, são 20 programas ativos.

Além disso, há uma frente de reassentamento que prevê a reconstrução das localidades de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira. Segundo informações da Agência Brasil, as obras de reconstrução devem ter início este ano, com as seguintes previsões de entrega: Gesteira em meados de 2018 e Paracatu e Bento Rodrigues em fevereiro e março de 2019, respectivamente. A Renova, no entanto, afirma que o cronograma de entregas será revisto pelo grupo técnico de trabalho interdisciplinar coordenado pelo Ministério Público de Minas Gerais.

Para Tcharle, trata-se apenas de um paleativo. “Vamos voltar para um local tão perto de onde nascemos e fomos criados e ao mesmo tempo tão longe…Paracatu nunca mais vai existir como antes”.

Imagem: A casa do pedreiro Tcharle antes e depois do rompimento da barragem da Samarco – Divulgação/Arquivo pessoal

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