Chuva no Rio: Mortes poderiam ser evitadas se a cidade tivesse governo, por Leonardo Sakamoto

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Um temporal atingiu o Rio de Janeiro, entre a noite de quarta e a madrugada desta quinta (15), deixando mortos por deslizamentos de terra, ruas alagadas, casas destruídas, árvores caídas, vias interditadas, caos no transporte público e problemas no fornecimento de energia elétrica.

Enquanto residências pobres das zonas Norte e Oeste afundam na lama, o prefeito Marcelo Crivella (PRB) viajou para a Europa a fim de visitar a Agência Espacial Europeia, entre outras instituições na Alemanha, Áustria e Suécia. E durante a fuga do prefeito-bispo da Festa do Pecado, o Rio também passou por mais uma crise de segurança pública.

Do conforto de hotéis que provavelmente não sofrem assaltos, nem correm o risco de inundação, ele mandou um recadinho solidário à população via redes sociais: ”Caros amigos, estou acompanhando a situação. O alerta de crise para a chuva intensa foi dada [sic] e a defesa civil foi colocada em prontidão para atuar prontamente em caso de acidentes graves”.

Já que está por lá, Crivella poderia dar uma passadinha em Genebra, na Suíça, e visitar a Unitar, o instituto das Nações Unidas voltado a treinamento e pesquisa. Lá, busque conversar com Rohini Swaminathan, engenheira de informação geoespacial que já trabalhou com a Nasa. Ela treina lideranças e gestores na Ásia e na África para a implementação de sistemas para a redução dos riscos relacionados a desastres. Já falei dela aqui no blog, mas vale citá-la novamente.

Rohini, há alguns anos, me explicou algo que Crivella deveria aprender para gerenciar melhor a cidade, fazendo valer o mandato que recebeu dos eleitores. Chamamos equivocamente de ”desastres naturais” as mortes causadas por tempestades, furações, inundações, entre outros eventos. Mas não há nada de natural nisso, pois já há tecnologia e protocolos para prever, reduzir e evitar o sofrimento causado. Como a retirada da população de um local, com antecedência, e a recolocação em outro, de forma decente e digna. Ou a melhoria estrutural de uma comunidade para evitar um deslizamento. A não implementação dessas medidas é irresponsabilidade e incompetência de gestores.

Desse ponto de vista, o que é desastre vira descaso e pode, inclusive, ser alvo de responsabilização judicial. Ou, ao menos, eleitoral. Se a nossa cidadania fosse exercida de fato.

Ao longo do tempo, a especulação imobiliária foi expulsando os mais pobres para regiões cada vez mais arriscadas e sem o mínimo de infraestrutura, como encostas de morros e nascentes de rios. E, por lá, eles morrem quando a falta de planejamento e de efetivação de direitos desaba sobre eles.

Como já disse aqui mais de uma vez, ocupação irregular e reforma urbana são expressões ouvidas apenas no tempo úmido e não fazem sucesso durante as eleições. Na seca, evaporam do dicionário não só dos mandatários, mas também de pobres e ricos, que continuam construindo, desmatando e poluindo. Suas razões são diferentes, mas o efeito é o mesmo. Vale lembrar que tudo isso dito aí em cima não gera um voto, pelo contrário: Quem é o doador que vai ficar feliz por ter a construção de sua mansão em uma área de preservação ambiental embargada?

Em 2012, diante a da previsão de chuvas fortes, um profissional do Instituto Nacional de Metereologia ouvido em uma matéria da Folha de S.Paulo afirmou: ”Colocam a culpa na meteorologia, mas nós avisamos com antecedência. Se os governantes não tomarem providências, todo ano vai ser a mesma coisa: enchentes, carros boiando, deslizamentos”.

Providências que não incluem apenas um sistemas de alerta decente, para fazer circular informação rápida e efetivamente horas, dias ou semanas antes de um fenômeno natural – o que já existe em muitos países. Mas também a execução de políticas decentes de habitação, saneamento, contenção de encostas, dragagem de rios, limpeza de vias, campanhas de conscientização quanto ao lixo.

Não precisamos de governantes otimistas, que acreditam na possibilidade de chover menos, ou de administradores religiosos, que rezam por uma trégua dos céus, terceirizando a responsabilidade para Deus. E sim de gente realista, que tem o perfil de alguém que espera sempre o pior e age preventivamente, não culpando as forças do universo pelo ocorrido, muitos menos a estatística e a meteorologia. E, principalmente: alguém que está presente quando a população precisa dele.

Em junho do ano passado, a gestão Marcelo Crivella não alertou sobre a gravidade das chuvas que caíram sobre o Rio para evitar que a população entrasse em pânico. Pelo menos foi o que disse o secretário de Ordem Pública, coronel Paulo César Amêndola. Segundo ele, a situação foi atípica.

Afirmar que uma informação foi deliberadamente censurada para evitar pânico não é apenas um paternalismo burro que desconsidera que a população é capaz de tomar decisões sobre sua própria vida. Também não fica restrito ao campo da irresponsabilidade e da incompetência, como já disse aqui. É um ato deliberadamente ilegal, pois priva a sociedade de informações públicas fundamentais para a garantia de nossa integridade.

Marcelo Crivella assumiu há pouco mais de um ano e, sejamos justos, o problema não surgiu com ele. Mas aquilo que ele poderia ter feito de mais importante (circular rapidamente informação junto à sociedade e agir antes da tragédia), não fez de forma correta e suficiente. Torna-se, assim, tão responsável quanto seus antecessores.

Imagem: Trecho da ciclovia Tim Maia desabou por causa da chuva. Fogo: Marcos de Paula/Agência O Globo

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