Em São Félix do Pedro do Araguaia, por Ruben Siqueira

Da CPT Bahia / Nacional

Foi realização de um sonho estar pela primeira vez em São Félix do Araguaia, depois de tantos anos na CPT (34). Rever Pedro Casaldáliga, respirar o ar de tanta caminhada, de peões, indígenas, camponeses e agentes de pastoral de uma pequena e imensa igreja de Cristo, luminosa, provada no martírio sua fidelidade a Jesus do Evangelho, como poucas a concretizar a Boa-Notícia aos pobres e oprimidos. Sou imensamente grato à Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Escravo por fazer um primeiro encontro nacional da CPT aqui e me convidar para assessorá-lo, com o tema “CPT – missão, história, espiritualidade e Teologia da Libertação”. Não poderia ter lugar melhor!

Sinto-me renovado na fé e na Caminhada, pela visita ao Santuário dos Mártires em Ribeirão Cascalheira, sob chuva grossa; a reza matinal no Cemitério (abandonado) dos Peões, a cheia do Araguaia quase o invadindo; o vai e vem das “voadeiras” e indígenas no porto e pelas ruas; o filme sobre Pedro “Descalço sobre a terra vermelha” e o emocionado reencontro com ele depois de tanto tempo, na partilha da oração, da comida e da conversa com ele, os padres Félix, Ivo e Saraiva e a companheira Zezé dos tempos do Nacional em Goiânia. Um bálsamo depois de tanta devastação operada pelas monoculturas do agronegócio vista ao longo das estradas desde Cuiabá (1.134 km, 22 horas de ônibus).

A casa de Pedro é um santuário, sem muro, porta sempre aberta, as paredes sem reboco cobertas de símbolos e imagens a lembrar histórias, companheiros – tantos mártires – e lutas que marcam e animam a Caminhada, seu quarto humilde, uma fina cortina por porta. A capelinha no quintal, próxima à mata, aberta quase sem paredes, é um convite à oração e à fraternidade eucarística, cósmica. Guarda relíquias preciosas martiriais que Pedro faz questão de mostrar: pedacinhos da roupa de Oscar Romero e do crânio de Ellacuría.

Pedro conheci em 1983, durante a celebração que inaugurou a Igreja do Cristo Libertador em São Geraldo do Araguaia – PA. Frágil e irrequieto, sentado em frente ao altar, junto ao povo, na primeira linha de bancos, lembrou-me o “Grilo Falante”… Agora, aos 87 anos, silencioso, sentado na varanda, após a reza, ainda mais frágil pelo mal de Parkinson, seu “companheiro”, Pedro observa e interage com o povo da Prelazia, a sua gente de sempre. Nos 20 minutos de conversa que tivemos, sua dificuldade na fala não impediu que eu sorvesse de sua sabedoria santa. Contou de seu alívio e contentamento com a eleição de dom Sérgio Rocha para a presidência da CNBB, mostrou-se preocupado com a conjuntura do país, perguntou pelos movimentos sociais (a Via Campesina em especial) e pela CPT, que “não está acima dos outros” e deve seguir firme… Disse-me que “a vida é cada dia”, lição de seu martírio cotidiano, sob o Parkinson, muito mais terrível do que se fosse matado a tiro, como tantos que viu, alguns em seu lugar, todos pela Causa do Reino.

 “Saber esperar, sabendo / que o tempo já não existe mais” diz um de seus poemas. Tempo de correr contra o tempo e adiantar a Caminhada, tempo da Utopia urgente, “que não permite esperar”. Vou de São Félix levando nos braços marcas Karajá para prolongar a lembrança destes dias. Nas mãos o frescor das mãos longas e diáfanas de Pedro. No coração sua imagem vitoriosa. “Awiri soré”, dizem os Karajá, “tudo bem demais”!

Foto: Beth Flores – CPT MT.

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