Fim do Bolsa Verde deixa mais de 50 mil pessoas em situação de extrema pobreza desamparadas

Por Maurício Angelo, no Inesc

Diversos movimentos caminham para agravar ainda mais a brutal diferença existente entre a realidade brasileira do topo e da base da pirâmide. É o caso do fim do Bolsa Verde, extinto definitivamente pelo governo Michel Temer em 2018 após já ter sido drasticamente reduzido em 2017. Com isso, aproximadamente 50 mil pessoas em situação de extrema pobreza deixam de receber R$ 300 a cada três meses. Sim, convém repetir: R$ 100 reais por mês para cada família que, com isso, assumia também o compromisso de preservar o ambiente em que vivem, caso de assentamentos, reservas extrativistas e área ribeirinha.

O corte radical do programa em um contexto de recrudescimento da pobreza e extrema pobreza, de desmonte de outras políticas públicas, e ainda mais com a drenagem de recursos para “Reservas de Contingência”, denota um quadro angustiante de desrespeito à população mais vulnerável – em especial na Amazônia, seu principal foco geográfico – e que tanto contribui para preservar a floresta. O fim do Bolsa Verde faz parte de um quadro maior de corte no orçamento e “fake orçamento” do Ministério do Meio Ambiente de R$ 422 milhões que condenam políticas públicas socioambientais à míngua e à extinção.

Do outro lado da pirâmide social, um juiz federal debocha do país ao defender o seu “direito” de recorrer à justiça para pedir auxílio moradia duplo – para ele e para a esposa, que também é juíza e moram juntos – e o juiz encarregado de analisar o pedido se declara impedido porque está requerendo a mesmíssima coisa. E então somos lembrados que o Brasil gasta, em média, R$ 1 bilhão por ano apenas com auxílio moradia para membros judiciário e Ministério Público.

Bolsa Verde x Auxílio-moradia

Os magistrados recebem “auxílio-moradia” de R$ 4.378 ao mês, que passou a vigorar no fim de 2011, após decisão do STF. Sérgio Moro, que também recebe o auxílio mesmo tendo imóvel no seu nome em Curitiba, assumiu a verdade: “embora discutível, o auxílio compensa a falta de reajuste dos vencimentos desde 1 de janeiro de 2015 e que, pela lei, deveriam ser anualmente reajustados”.

As mordomias que a elite do judiciário recebe, o que inclui, por exemplo, R$ 7.200 de auxílio-educação anuais para filhos de até 24 anos de juízes e desembargadores no RJ ou o pagamento de salários muito acima do teto constitucional de R$ 33,7 mil,  caso dos até R$ 214 mil/mês que alguns desembargadores do Tribunal Regional Federal da Quarta Região recebem, notícia resgatada agora pós julgamento de Lula, revelam o que todos já sabem, mas que não deveria ser menos imoral por isso: o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo quando comparado o topo da pirâmide com a sua enorme base de miseráveis.

Enquanto juízes vivem vida nababesca, os R$ 100 do Bolsa Verde impactavam, por exemplo, a família de Sidney Ferreira Carlos, que vive na Resex de Cururupu, no Maranhão e várias outras famílias da região. “O Bolsa Verde trouxe muitos benefícios para a comunidade. Especialmente na conscientização da necessidade de preservação do nosso meio, teve um impacto enorme. O fim súbito do programa deixou muita gente desanimada”, diz Sidney.

Economicamente, os R$ 100 mensais significavam a diferença entre conseguir viver dignamente ou não para quem está em situação de extrema pobreza.  “As pessoas que estão na plateia, lá fora, não fazem ideia nem de um terço da nossa realidade, da nossa dificuldade. O dinheiro não é muito, mas faz diferença na vida das pessoas. São muitos os compromissos assumidos para pagar com aquele benefício e agora não tem mais. As pessoas ficaram do dia para a noite desamparadas”, relata.

O Bolsa Verde, criado para apoiar a conservação ambiental e a erradicação da extrema pobreza, chegou a garantir o atendimento de 76 mil pessoas até fevereiro de 2016. Foi sendo progressivamente reduzido chegando ao final de 2017 com um público atendido de 48 mil pessoas e orçamento de R$ 72,2 milhões. Os beneficiários eram residentes de Reservas Extrativistas (19,8 mil pessoas); ribeirinhos (4,8 mil pessoas) e assentados de Projetos de Assentamento (23,3 mil pessoas).

É com a propriedade de quem vive a realidade na ponta cotidianamente que Sidney questiona os interesses por trás do corte desses programas. “Falta que o governo ouça mais e venha conhecer a realidade, o que era antes e o que aconteceu depois do Bolsa Verde, a melhoria que teve. Mesmo com algumas iniciativas de aproximação, creio que não conheçam nem a metade. Quando essas coisas acontecem para beneficiar os próprios interesses de quem tá em Brasília, tudo desanda de novo”, afirma.

Mais desmatamento

No Pará, a situação é semelhante. É o caso de Ladilson Amaral, presidente da federação do assentamento agroextrativista Eixo Forte e diretor do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém. Além da sua própria família, outras 400 famílias eram beneficiadas pelo programa no assentamento. De imediato, o ano escolar de muitos alunos já está comprometido. “Geralmente quem mora na área rural tem muitos filhos e sabe que daqui a três meses vai precisar comprar material escolar. Quando não tem essa esperança tem que buscar outras alternativas”, afirma.

Para Ladilson, o fim do Bolsa Verde trará também como consequência o aumento do desmatamento. Pior: muitas famílias perderam também o Bolsa Família, ficando sem recurso algum. “Quando foi assinado o termo do Bolsa Verde, cada família tinha a restrição de que se desmatasse podia perder o programa. Isso ajudou muito a discutir nas comunidades a importância de preservar a natureza em pé. Agora, com o fim, as famílias são obrigadas a recorrer ao desmatamento para sobreviver”, conta.

O que é feito sem qualquer tipo de assistência técnica e, como consequência, já acarretou no aumento indiscriminado de queimadas, segundo o relato de Ladilson. “Imagine a média de Santarém, com mais de 2.000 famílias recebendo o Bolsa Verde, se todo esse pessoal que mora na área rural for desmatar, imagine em 10 anos o que será destruído”, projeta.

Retrocesso

Na avaliação dele, o retrocesso é evidente. “O que a gente percebe é que as políticas estão sendo trabalhadas principalmente direcionadas à grande produção e ao agronegócio, não tem incentivo para a agricultura familiar. Quando você não tem incentivo para a agricultura familiar, isso causa um impacto muito grande em toda a vida da comunidade, o comércio, o ambiente”.

O quadro é drástico não só no âmbito do Bolsa Verde, mas também na oferta de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) por órgãos como o INCRA. “Hoje estamos sem apoio nenhum. O MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) foi extinto, a ATER na região acabou também, não tem como manter a assistência funcionando. O retrocesso é muito grande. Quando iniciou o trabalho com todos os assentamentos, a ATER era diferenciada, aproveitando a mão de obra local para ficar mais barato para o governo. Mas agora estamos sem apoio e acabou a perspectiva de a agricultura familiar se fortalecer”, relata.

Procurado, o Ministério do Meio Ambiente decidiu não se pronunciar sobre a extinção do Bolsa Verde e se existe, no planejamento, algum projeto que eventualmente poderá substituí-lo.

Maurício Angelo – Jornalista e escritor. Cobre temas relacionados a conflitos socioambientais, políticas públicas, Amazônia, mineração e direitos humanos.

Ribeirinhos de Pimental vivem em integração com o Tapajós: hábito de lavar a louça no rio ajuda a atrair os peixes. Foto: Ana Aranha / Pública

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