STF precisa rediscutir prisão após segunda instância. E não é por Lula, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça negou, por unanimidade, o pedido do ex-presidente Lula para não ser preso quando forem negados os recursos à sua condenação em segunda instância no caso do Triplex do Guarujá. Quem agora pode decidir se concede ou não um habeas corpus preventivo para que ele fique solto até que sejam esgotados os recursos em tribunais superiores é o Supremo Tribunal Federal.

Para tanto, a corte deverá analisar se mantém a possibilidade de prisão para condenados em segunda instância, decisão do tribunal tomada em 2016, ou retorna à situação anterior – cuja prisão dependia de trânsito em julgado. Desde então, ao menos o ministro Gilmar Mendes (que havia votado a favor do início do cumprimento da sentença) afirmou ter mudado de posição.

Parte dos ministros vem pressionando a presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia, para colocar o tema em votação. Ela afirmou que usar o caso de Lula para rediscutir a prisão em segunda instância seria ”apequenar” o Supremo.

Concordo com ela. O caso não deveria ser julgado por causa de Lula, mas por conta das muitas ações que chegam cotidianamente à corte solicitando habeas corpus para condenados em segunda instância. O problema é que a seletividade do STF já apequenou a corte há muito tempo.

Os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski, José Dias Toffoli e Gilmar Mendes vêm concedendo habeas corpus para casos como esse em outras sentenças do Supremo. Querem ver o tema rediscutido e estão certos.

Em meio a este caldo de polarização política extrema nas redes sociais, deliberadamente fecha-se os olhos para o histórico de instituições a fim de que fatos não atrapalhem argumentos. Neste Brasil do prende-e-arrebenta, corre-se o risco de ignorar as demandas de outros brasileiros que – muito antes de Lula – já queriam exercer seu direito constitucional de esgotarem os recursos de seus processos em liberdade. Só para que o STF não seja acusado de parecer que beneficia o ex-presidente.

A divergência na corte não surgiu de agora. Isso deveria ter sido pautado antes que chegássemos a esta situação, mas por falta de coragem ou excesso de zelo, não foi. Não decidir a questão, que diz respeito a tantas e tantas pessoas, é que irá ”apequenar” ainda mais o STF, transformando-o em mero instrumento político.

É claro que se Lula fosse negro, jovem, morador de uma comunidade pobre e acabasse acusado de um crime pequeno, como carregar um pouco de droga, teria sido mandado para a cadeia antes do julgamento em primeira instância e esquecido por lá.

Por isso, o Brasil poderia aproveitar o momento e rediscutir também a questão da prisão provisória, não jogando mais gente nas prisões, que se tornaram quartéis generais do crime organizado, mas soltando quem não precisava estar lá.

Qualquer pessoa, rica ou pobre, deveria ter o direito de responder a seu processo em liberdade se não representar um risco para os outros e para a Justiça. Mas tiramos de circulação homens e mulheres pobres suspeitos de cometerem crimes, sem pensar duas vezes.

Gilmar Mendes, que tem sido criticado pela concessão de habeas corpus para presos por corrupção, tem sua agenda política clara para a Lava Jato. Mas não é possível dizer que ele não conceda habeas corpus para pobres e ricos, direito que também tem sido garantido também por outros ministros.

O indicador de que o Brasil estaria se tornando um lugar mais justo não é o aumento no número de políticos e empresários indo em cana por conta de corrupção. Mas a diminuição na quantidade de pobres presos sem julgamento, muitos dos quais tendo sido acusados de crimes ridículos. Ou seja, garantir que o poder público não sirva apenas para proteger os privilégios dos mais ricos, usando de violência contra os mais pobres a fim de controlá-los.

Espero que o Supremo não tenha medo de voltar a ser grande.

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