Efeitos do novo Código Florestal pioram a qualidade da água

Estudo da Fundação SOS Mata Atlântica mostra que impactos do clima e da desproteção de matas ciliares afetam as bacias, o que reforça a relação entre a cobertura florestal e os recursos hídricos

por Cida de Oliveira, da RBA

Brasília – Escassez, contaminação, privatização, privação de acesso aos mais pobres. No Dia Mundial da Água, celebrado nesta quinta-feira (22), mais uma má notícia: O novo Código Florestal (Lei 12.651/12), em vigor desde maio de 2012, que reduziu a proteção das matas ciliares ao possibilitar anistia em caso de desmatamento das encostas, já mostra seus efeitos nefastos sobre as bacias hidrográficas. O estudo Observando os Rios 2018 – o Retrato da Qualidade da Água nas Bacias da Mata Atlântica, divulgado anteontem (21) pela Fundação SOS Mata Atlântica durante o 8º Fórum Mundial da Água, em Brasília, indica que a redução da vegetação que protege as margens contribui para a piora da qualidade da água.

Realizado desde 1991, a partir de uma campanha que coletou 1,2 milhão de assinaturas em prol da recuperação do Rio Tietê, o estudo conta com participação voluntária de 252 grupos de monitoramento que analisam a qualidade da água em 307 pontos, 247 corpos d´água, em 104 municípios de São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Distrito Federal, envolvendo cerca de 3,6 mil pessoas.

Em 2015, havia 45 pontos de monitoramento com água de boa qualidade, o que corresponde a 15% do total avaliado. Em 2017, o número caiu para seis e, neste ano, 12 deles recuperaram a boa condição. Mas segundo a especialista de Recursos Hídricos da SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, é grande a distância para chegar a melhores indicadores, embora tenha havido diminuição para um dos sete pontos de péssima qualidade em 2015.

Assista também a reportagem do Seu Jornal,  de ontem, na TVT

“É necessária a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, de maneira participativa e descentralizada, pelos comitês de bacia, e funcionamento de planos, outorga, cobrança pelo uso de água e o fim dos rios de classe 4 das normas nacionais”, disse, durante o lançamento. “Os resultados reforçam a necessidade de reconhecimento da relação da cobertura vegetal com a água, que se reconhecem no reflexo do espelho d’água.”

Malu fez duras críticas à postura do presidente Michel Temer, que apenas gravou vídeo de saudação aos presentes ao Fórum Mundial da Água, sem lá estar com outras autoridades estrangeiras, como o príncipe herdeiro do Japão, Naruhito, ambientalista que defendeu a união internacional em defesa da água, e tantas outras autoridades. Ela criticou ainda a decisão do governador Rodrigo Rollemberg (PSB), que suspendeu o racionamento de água durante a realização do Fórum, quando poderia ter mantido para chamar a atenção do mundo para os problemas relacionados à água.

Coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ) alertou para a velocidade com que avançam propostas de desmonte da atual lei ambiental, o que vai piorar ainda mais o quadro refletido pelo estudo da SOS Mata Atlântica. “Se já temos toda essa problemática, imaginem então sem os atuais mecanismos de defesa”.

Molon foi enfático ao negar que haja acordos da Frente com os ruralistas quanto ao Projeto de Lei 3.729/04, que simplifica procedimentos para a concessão de licenças e os prazos para que as empresas apresentem os pedidos. “É falso. Não há acordo. E temos de estar atentos. Enquanto estamos aqui, ali o Brasil está andando para trás”, disse, referindo-se às discussões que avançam entre ruralistas e governo.

Indicadores

A análise em 12 pontos de coleta dos rios urbanos da capital fluminense colocou o estado em primeiro lugar no ranking dos piores indicadores de qualidade da água dos 17 estados com amostras coletadas pela Fundação SOS Mata Atlântica. Nenhum dos rios monitorados tem qualidade boa nem ótima, e seis têm qualidade péssima e outros seis, ruim. A comparação mostra piora em relação ao período anterior. Os índices de qualidade ruim saltaram de 28,6% para 57,1%  e os pontos com qualidade regular caíram de 71,4% para 42,9%.

Na Bahia, houve queda na qualidade nos rios Catu, em Alagoinhas, e Lucaia, em Salvador, que passaram de regular para ruim. Apenas um ponto teve melhora, o Rio das Pedras, na capital.

No Espírito Santo, há tendência de perda de qualidade no Rio Aribiri e em trechos do Jucu e Formate.

No Ceará, com amostras de nove rios, nenhuma teve qualidade boa ou ótima.

Em Minas Gerais, os oito pontos de coleta em Belo Horizonte, Jequitibá, Rio Acima e Sete Lagoas apontaram comprometimento. O único dado positivo foi o Rio das Velhas, em Jequitibá, que saiu da condição ruim para regular.

No Paraná, o Córrego das Pedras passou bom para regular o índice de qualidade boa foi mantido em apenas um ponto de coleta, no trecho mais preservado da microbacia, no rio Itaqui, em São José dos Pinhais.

Em Pernambuco, dos seis pontos monitorados em quatro municípios, quatro têm qualidade regular e dois ruim. Não houve alterações.

Em São Paulo, há pontos com águas impróprias em 35 do 104 pontos. Quatro deles mantiveram qualidade boa.

Amostras de boa qualidade foram coletadas em cinco pontos, sendo três em São Paulo, nas regiões de sub-bacias do Alto Tietê Cabeceiras, em Biritiba Mirim e Salesópolis, e Cotia-Guarapiranga, na capital. Outros dois pontos estão no Paraná, nos rios Itaqui, em São José dos Pinhais, e no Córrego das Pedras, em Piraquara. Esses pontos, com índice de qualidade em dois ciclos consecutivos estão em áreas protegidas de Mata Atlântica.

Tiveram piora no índice de qualidade 16 pontos localizados em bacias adensadas sem unidade de conservação, com rios desprovidos de matas ciliares e serviços de saneamento.

“As águas contaminadas refletem a ineficácia de instrumentos de planejamento, gestão e governança, a falta de saneamento ambiental, a falência do modelo adotado, desrespeito aos direitos humanos e o subdesenvolvimento”, disse Malu Ribeiro.

Dossiê

Ontem (21), lideranças de povos originários e de populações e comunidades tradicionais de diversas regiões do país lançaram, no Fórum Alternativo Mundial da Água – Fama 2018, o dossiê Violações aos Territórios Tradicionais e Crimes Contra as Águas. Clique aqui para acessar o documento.

Organizado pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Movimentos Indígenas, Políticas Indigenistas e Indigenismo e Observatórios dos Direitos Indígenas (Laepi), da Universidade de Brasília (UnB), o documento traz um resumo das agressões às águas dos rios Araguaia, Doce, Murucupi, São Francisco, Tapajós, Teles Pires, Uraricoera, Xingu, Aquífero Guarani e zonas costeiras-marinhas.

Foto: As matas ciliares recobrem as margens, protegendo os cursos d’água do assoreamento, da obstrução pelo aumento do volume da terra e outros sedimentos levados pela correnteza.

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