Facebook tira do ar página que bombou notícia falsa sobre Marielle Franco, por Leonardo Sakamoto

No blog do Sakamoto

Envolvidos na difusão de notícia falsa sobre a vereadora Marielle Franco, a página Ceticismo Político e dois perfis no Facebook atribuídos ao nome ”Luciano Ayan”, que se apresenta como o responsável por ela, foram retirados do ar. Os perfis de Ayan estão indisponíveis desde a noite de sexta (23) e a página neste sábado.

O Facebook confirma que essa página (facebook.com/ceticismopolitico) e os perfis não voltam ao ar. ”Nossos Padrões da Comunidade não permitem perfis falsos, e contamos com nossa comunidade para denunciar contas assim. Páginas administradas por perfis falsos também violam nossas políticas”, afirmou comunicado da empresa ao blog.

Após o bloqueio de sua página, o site Ceticismo Político publicou um texto de alguém que afirma se chamar Carlos Augusto de Moraes Afonso e que seria responsável pelo pseudônimo Luciano Ayan e pelas páginas no Facebook.

Os nomes ”Luciano Henrique Ayan” e ”Luciano Ayan” são velhos conhecidos do debate político nas redes sociais desde os tempos do Orkut. Postagens com notícias falsas, desinformação, manipulação de dados e de reportagens e hiperpartidarização são comuns no material que divulga.

Logo após a execução de Marielle, no dia 14, no Rio de Janeiro, ter criado comoção nas redes sociais e veículos de comunicação em todo o mundo, começou a circular informação falsa de que ela seria namorada do traficante Marcinho VP e aliada de uma facção criminosa.

Nesta sexta, o jornal O Globo publicou a reportagem ”Como ganhou corpo a onda de ‘fake news’ sobre Marielle Franco”, apontando que o link mais compartilhado na difusão do boato de ligação dela com o crime organizado pertencia ao site Ceticismo Político. O conteúdo foi divulgado através da página com mesmo nome no Facebook, atribuída a Luciano Ayan. E, logo depois, reproduzido pela página do MBL na mesma rede social.

Distorcendo uma reportagem de Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, que tratava do caso de uma desembargadora que havia repassado boatos sobre a Marielle Franco (informação que, na matéria, a própria magistrada reconheceu não ter checado), o site Ceticismo Político publicou “Desembargadora quebra narrativa do PSOL e diz que Marielle se envolvia com bandidos e é ‘cadáver comum’”.

De acordo com o Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura, da Universidade Federal do Espírito Santo, a publicação do Ceticismo Político havia sido compartilhada mais de 360 mil vezes no Facebook até a noite de quinta. Os dados do Monitor do Debate Político no Meio Digital, da Universidade de São Paulo, reafirmam o número. Isso o coloca em primeiro lugar entre as postagens que trataram do boato, considerando tanto as que difamaram quanto as que defenderam Marielle.

Os perfis não estão mais disponíveis desde ontem à noite. Não apenas Luciano Henrique Ayan (facebook.com/luciano.henriqueayan), como também ”Luciano Ayan” (facebook.com/luciano.ayan.96) estão fora do ar.

De acordo com os Padrões da Comunidade do Facebook, que traz as regras de utilização da plataforma digital, as pessoas que desejam se conectar à rede precisam usar suas verdadeiras identidades. Ou seja, não são permitidas contas falsas. A regra, na prática, é pouco cumprida, o que leva à existência de milhões de contas falsas usadas com objetivos comerciais, políticos ou de simples desejo de anonimato.

Acionada por denúncias de usuários, a rede pode suspender perfis e páginas até que comprovem não serem falsos. Tanto a página quanto os dois perfis sofreram uma avalanche de denúncias por conta da matéria de O Globo.

Também pelas regras da plataforma, uma página tem que estar vinculada a um ou mais perfis de pessoas reais. A rede comprovou que os perfis por trás da página Ceticismo Político (facebook.com/ceticismopolitico) – com mais de 106 mil curtidas e que traz o nome e uma suposta foto de Luciano Ayan – eram falsos e a removeu do ar. Há outras menores, como a que está no endereço facebook.com/ceticismopolitico.org, com 25 mil curtidas, que permanecem, contudo, no ar.

A rede social não conta com políticas específicas para identificação de notícia falsa, a justificativa é de que a empresa não quer ser ”árbitro da verdade”. A remoção de conteúdos fraudulentos depende, na maior parte das vezes, de ordem judicial. Mas sua política de autenticidade acaba sendo a porta utilizada para suspender quem veicula notícias falsas que prejudicam outras pessoas, uma vez que uma parte dos perfis que alimentam a rede de desinformação é fraudulento.

Para um perfil suspenso retornar ao Facebook, seu proprietário deve comprovar, com um documento de identidade com foto, que ele é ele. O mesmo se aplica aos perfis que administram páginas. No caso abordado aqui, a empresa afirma que os perfis e páginas específicos não retornarão.

A Constituição Federal, em seu artigo 5o, inciso IV, afirma que ”é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Ou seja, garante a liberdade de expressão como direito fundamental, mas cobra daqueles que a exercem responsabilidade pela consequência de seus atos.

Veículos de comunicação tradicionais, independentes e alternativos, comunicadores em redes sociais, blogs, sites grande ou pequenos, que se apresentam publicamente com identidade real e formas de serem localizados, com endereço físico real, por exemplo, podem ser interpelados judicialmente caso alguém se sinta prejudicado por alguma ação por eles realizada. Já quem está sob o anonimato ou pseudônimos, não.

Há discussões no Tribunal Superior Eleitoral, no Congresso Nacional e junto às empresas que controlam redes sociais para aumentar a transparência e reduzir a possibilidade de anonimato durante as eleições deste ano.

Ressalte-se a importância de veículos tradicionais e alternativos na resposta aos boatos. Considerando a repercussão deste que difamou Marielle Franco, o Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP aponta que, em segundo lugar entre os mais compartilhados, ficou a postagem da plataforma de checagem Aos Fatos, manchete do portal UOL, com mais de 276 mil compartilhamentos.

O título era ”Não, Marielle não foi casada com Marcinho VP, não engravidou aos 16 e não foi eleita pelo Comando Vermelho”. Em quarto e quinto, duas postagens da plataforma de checagem E-farsas e do UOL relevando a mentira, com 73,6 mil e 57,7 mil, respectivamente.

Luciano Ayan

Apesar de fazer parte do debate político e ser frequentemente reproduzido por páginas de extrema direita, como a Folha Política ou MBL, não se conhece sua real identidade, o que dificultava sua interpelação e responsabilização. A carta publicada por alguém que assina como Carlos Afonso, que se diz da ”área de tecnologia”, assumindo o pseudônimo, mas não apresenta endereço físico ou contato por e-mail.

No texto publicado no site Ceticismo Político, neste sábado, Luciano Aya/Carlos Afonso afirma que desenvolveu ”um método para a guerra política”, beneficiando a direita. E que usa o pseudônimo porque queria, além de desenvolver o método, ”criar uma base de conhecimento” e auxiliar as pessoas”, ”mas sem transformar tudo em uma atividade principal”.

Segundo ele, a decisão de – pretensamente – sair do anonimato (afinal, ele não apresenta provas de quem realmente seja, além de uma autoafirmação), se deve ao fato da Globo – a quem chama de ”mídia pró-PSOL – ter dito que ele havia publicado fake news usando um perfil falso. O missivista mantém o que foi publicado, ignorando que a desembargadora reconheceu ter publicado conteúdo não checado, e afirma que ”as dúvidas já estão lançadas e não é mais possível que membros do PSOL afirmem que Marielle certamente ‘foi vítima de crime político’ sem serem questionados”. Culpa as pessoas por má fé e não reconhece problemas no que publicou.

Foto: Mídia Ninja

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