Rocinha – Presença e Ausência do Estado: um documentário que dá voz a quem nunca pode falar

Por Gabriel Brito, no Correio da Cidadania

Lançado em novembro do ano passado, o documentário Rocinha, dividido em duas partes – Presença e Ausência do Estado – é uma excelente pedida ao público neste momento em que o Brasil ainda se recompõe do assassinato da vereadora Marielle Franco, mulher negra, oriunda do Complexo de Favelas da Maré e socialista.

Aliás, ambos os locais confluem tanto pela histórica insistência do Estado brasileiro em resolver seus graves problemas sociais por meio do militarismo como pelo fato de ter uma população altamente organizada e politizada, noção que não raro escapa até de quem se diz solidário às tragédias impostas em tais comunidades.

Feito pelo Coletivo CRU e produzido por Raoni Gruber, Gleice Neves e Neta Alves, o filme registra os acontecimentos de setembro de 2017, quando estourou mais uma luta entre as facções do narcotráfico pelo controle do mercado de drogas da Rocinha, após o fim do reinado de Nem e da Amigos dos Amigos (ADA) e a tentativa de controle por Rogério 157, ex-ADA e agora do Comando Vermelho.

Na parte Presença do Estado, vemos um recorte do cotidiano de uma comunidade ocupada pelas Forças Armadas, com excelentes depoimentos de moradores que representam grupos organizados. E fica patente que a descrença em tais políticas de segurança não é exclusividade de ativistas de direitos humanos ou da esquerda tradicional.

“Sem assistência social, investimento em educação, esportes, lazer, cultura nada vai mudar. Não adianta”, resume um dos entrevistados. Aliás, até o chefe anterior do tráfico local, Nem, que em seu “mandato” fez desabar os índices locais de violência, diz o mesmo nesta antológica entrevista ao El País Brasil (por sinal, publicada no dia da morte de Marielle Franco).

Vale destacar ainda os depoimentos sobre os incontáveis abusos das autoridades, que entraram em todas as casas quantas vezes quiseram, obviamente sem nenhuma formalidade jurídica, como acusam os moradores. “Não precisa de mandado coletivo, eles já fazem isso”.

No complemento, Ausência do Estado, o documentário registra o dia seguinte à saída das tropas militares e o fim parcial da operação, que deixou ainda 500 agentes, entre policiais civis e militares.

Nada de novo, inclusive os resultados absolutamente inúteis. Ao iniciar avisando que nenhum órgão de direitos humanos acompanhou a operação militar, o documentário acerta em cheio ao dar voz exclusiva aos moradores. “A gente já cansou de denunciar, mas não somos considerados gente, ninguém ouve”, diz, de forma seca, uma das entrevistadas.

Assim caminha o Brasil. Assassinando e silenciando a ampla maioria de sua população e ainda mediado em todos os âmbitos de destaque por gente branca. E na semana em que se completaram 26 anos do fim do apartheid sul-africano, precisamos nos perguntar quando acaba o nosso.

Foto: Mairo Pimentel /AFP

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