Com seu imenso passivo ambiental e social, a quem interessa o agronegócio?

Por Fernanda Cruz – Asacom

Embora o agronegócio seja alardeado aos quatro ventos como responsável pela produção alimentícia, a realidade é bem diferente. Segundo Esther Vivas, no livro O Negócio da Comida – Quem controla a nossa alimentação, da editora Expressão Popular, nos últimos 100 anos perdemos 75% das variedades agrícolas. E, como somos aquilo que comemos, os altos índices de obesidade da população mundial denunciam o quadro de insegurança alimentar, totalmente relacionado com a forte ameaça à soberania alimentar das nações e povos.

Para entendermos essa lógica, Alexandre Pires, da coordenação da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), explica que “primeiro temos que diferenciar o que é produzido pela agricultura familiar e o que é produzido pelo agronegócio. Nesse caso, é imperativo entendermos que a agricultura familiar produz alimentos – cereais, carnes, ovos, verduras, legumes, frutas e ervas que fazem parte da dieta alimentar da população brasileira. O agronegócio produz uma série de produtos como etanol, soja, celulose e algodão, que não são alimentos, embora produzam também açúcar, café, suco de laranja, milho e carnes, sendo que a maioria desses alimentos produzidos pelo agronegócio são para outros países”.

Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em 2016, o agronegócio respondeu por cerca de 45% das exportações brasileiras. E o último Censo Agropecuário afirma que a agricultura familiar é responsável por 70% dos alimentos consumidos pela população brasileira.

“O agronegócio se coloca como se eles fossem fundamentais para a vida. E a gente sabe que é uma grande balela. É a história mais mal contada que já se teve no Brasil desde o início da colonização. E nós estamos demonstrando isso através de nossas vivências e nossas ações que é possível sim conviver com o Cerrado. Que as árvores do Cerrado não só árvores tortas, que vai passar o correntão. E que pra gente é possível criar gado, é possível produzir com o Cerrado em pé e é possível manter nossas árvores. Então, nosso modo de vida para além da cultura contribui também socialmente, ambientalmente e economicamente pras comunidades. Até hoje vamos continuar através da agricultura camponesa de uma maneira harmoniosa, através da solta do gado, o manejo silvo pastoril diretamente no Cerrado. E com isso a gente vem demonstrando uma outra forma de manejo do Cerrado, uma outra forma de convivência com o Cerrado que o agronegócio nunca vai conseguir fazer, porque não há interesse. O interesse dele é apenas o lucro. E a luta da gente é em defesa da vida e do nosso modo de viver e produzir”, desabafa Cleideani Barreto, ribeirinha do rio Arrojado e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens.

Alexandre explica que “o agronegócio usa muito todos os recursos naturais que o Brasil dispõe como os solos e a água. No entanto os custos de degradação ambiental não são computados no balanço econômico desses produtos, por isso além de poucos empresários concentrarem a terra e a água – que são bens comuns – ainda recebem subsídios e perdões de dívidas por parte do estado brasileiro”.

O agronegócio do Oeste da Bahia é um exemplo disso que Alexandre fala. “Eles não têm gasto nenhum. Os investimentos são públicos. E ao mesmo lado a gente vê a agricultura camponesa trabalhando de forma arcaica porque não tem políticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar e camponesa”, denuncia Cleideani.

Alexandre ainda afirma que “agricultura familiar e camponesa produz alimentos em sistemas que respeitam os regimes das chuvas, ou seja, os cultivos são feitos de acordo com as condições ambientais. Mas também encontramos sistemas de produção da agricultura familiar com irrigação controlada e racional, por gotejamento ou micro aspersão, modo que também reconhece os limites das águas disponíveis”.

Ele ainda ressalta que a expansão do agronegócio tem promovido o aceleramento das mudanças climáticas, em decorrência dos desmatamentos de grandes áreas. “O desmatamento cresce mais de 20% ao ano e processos como esses, que geram produção para exportação e acumulação de capital para as empresas às custas da exploração da mão de obra mal remunerada dos trabalhadores e do uso dos recursos naturais, geram um grande impacto no clima e consequentemente no regime de chuvas”.

Jamilton Magalhães, conhecido como Carreirinha, da Associação de Fundo e Fecho de Pasto de Correntina, acredita que, da forma como as coisas estão, as características do Cerrado vão mudar. “O Cerrado não vai produzir mais água e o [rio] São Francisco vai ficar seco. É uma questão que o povo do Arrojado está acordando a tempo de fazer uma luta pra defender a vida e o povo deve aderir a essa luta e deve também se copiar esta luta para seus territórios, aos seus rios. Ninguém vai morrer de sede nas margens do rio Arrojado. E ninguém também não pode morrer de sede nas margens de rio nenhum. A sociedade tem que lutar pela vida. E a luta pela água é essa”.

ENA – De 31 de maio a 3 de junho, o movimento agroecológico do Brasil e do mundo estará reunido em Belo Horizonte, no IV Encontro Nacional de Agroecologia, o ENA. O evento, que reunirá mais de duas mil pessoas, se desafia a mostrar experiências territoriais de construção da Agroecologia e como os sujeitos desse processo têm enfrentado o poder do agronegócio e os retrocessos nas políticas públicas de investimento na agricultura familiar. Alexandre explica que alguns dos eixos temáticos visibilizarão como a agricultura familiar e camponesa, os povos indígenas e povos e comunidades tradicionais têm construído e praticado formas de produção de alimentos de forma sustentável num contexto de resistência ao avanço do agronegócio em seus territórios.

“Esperamos que o IV ENA seja capaz também de dialogar com setores urbanos e que esses possam perceber que há uma eminente necessidade de mudança nos padrões de consumo para assim também barrar o avanço da destruição de nossas florestas, águas, sementes crioulas e dos conhecimentos ancestrais pelo capital”.

Foto: Adriana Noya.

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