Por Benedito Tadeu César*, no Opera Mundi
A escalada de violência política, deflagrada desde as jornadas pela deposição da presidenta Dilma Rousseff, tem se intensificado progressivamente no país e chegou ao seu ápice nas últimas semanas, com as execuções da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, em plena vigência da intervenção militar no Rio de Janeiro.
No Sul do país, integrantes da caravana de dois ex-presidentes da República foram atacados por militantes protofascistas. Estradas e aeroportos foram bloqueados e os ônibus da comitiva foram apedrejados e alvejados com armas de fogo, sob a assistência complacente das forças legais. Lideranças políticas incentivaram os ataques e responsabilizaram as vítimas pelas agressões sofridas.
Em desrespeito aos regulamentos institucionais, magistrados, promotores e procuradores promoveram manifestações públicas e ocuparam espaços televisivos para pressionar os integrantes do STF a interpretar a Constituição de acordo com as conveniências do momento.
Um dos ministros do Supremo denunciou ter recebido ameaças que se estenderam aos membros de sua família. Generais aposentados e da ativa, incluindo o comandante do Exército e o comando da Aeronáutica, pronunciaram-se em claro desafio ao STF e à sua missão de guardião da Constituição Federal.
O petismo passou a ser considerado por alguns como um crime de lesa-Pátria, a ser exterminado. O ódio e a irracionalidade política disseminaram-se de tal modo, que lideranças políticas conservadoras e de centro-direita e até mesmo as principais redes de comunicação têm sido acusadas de defenderem ideologias e posicionamentos “comunistas”.
O desencanto popular com a política foi reforçado pela forma como o atual presidente conquistou o poder e pelas evidências de seu envolvimento nos escândalos que prometia combater.
Some-se a isso a crise econômica atual, com o desemprego e diminuição do poder aquisitivo da população, para se obter o caldo de cultura ideal para a incubação do fascismo. Não é de surpreender, portanto, que o pacto democrático esteja se esboroando no Brasil e que estejamos a um passo do seu rompimento total.
A negação do habeas corpus preventivo ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva pelo STF possibilitou que qualquer cidadão, sem antecedentes criminais, possa ter sua prisão autorizada antes de se esgotarem todas as instâncias de sua defesa. Contrariando frontalmente a Constituição Brasileira, a suprema corte rompeu a penúltima viga de sustentação do pacto civilizatório no país.
Em todos os países onde o fascismo se instalou, só foi derrotado quando todas as forças democráticas se uniram em uma Frente Ampla Antifascista. Não basta que as esquerdas se unam, nem que a direita democrática acredite que possa controlar os excessos fascistas e utilizá-los para derrotar as esquerdas.
As experiências da Alemanha e da Itália, no início do século 20, não permitem tergiversações. No Brasil, todas as vezes em que as esquerdas se isolaram, foram derrotadas fragorosamente e quando o centro se uniu à extrema-direita, em 1964, foi defenestrado assim que o regime ditatorial se sentiu forte para retirá-lo do jogo político.
A eliminação de Lula e de sua candidatura, possibilitada pela decisão do STF, intensificará os conflitos, amplamente favoráveis aos objetivos da extrema-direita. O adiamento ou até mesmo o cancelamento das eleições é uma possibilidade forte.
Da forma como está se dando o enfrentamento político, o centro e a direita democráticos, sem candidato para enfrentar a extrema-direita, serão por ela derrotados. Sem Lula, ainda que as esquerdas se mantenham competitivas com um candidato por ele apoiado, dificilmente vencerão as eleições e, se vencerem, dificilmente governarão.
É urgente que a forças democráticas saiam do isolamento a que se impuseram pelas disputas fratricidas dos últimos anos e se disponham a dialogar. Centro, direita democrática e esquerdas precisam abrir negociações e deter o avanço da extrema-direita.
Depois da negação do habeas corpus de Lula o tempo é cada vez mais exíguo. Fernando Henrique Cardoso e Lula, como lideranças históricas da luta democrática no Brasil, precisam tomar a iniciativa. São eles que detêm a legitimidade política capaz de lançar as bases de um entendimento mínimo.
Nem FHC, nem Lula, nem nenhuma das forças políticas democráticas que se dispuserem a pactuar abrirão mão de projetos e bandeiras. Não se trata de definir ou defender candidaturas. Trata-se de garantir a institucionalidade democrática, as eleições e, depois, a governabilidade do presidente a ser eleito.
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* Professor aposentado de Ciência Política da UFRGS
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Isabel Carmi Trajber.
Foto: Bruno Itan. Fotógrafo e morador do Complexo do Alemão