Nem todos têm um preço, parte 6: Vila Autódromo no contexto das remoções olímpicas do Rio

Theresa Williamson – RioOnWatch

Infelizmente, a Vila Autódromo representa apenas uma de dezenas de comunidades que sofreram remoções na preparação para os Jogos Olímpicos Rio 2016. Ao todo, 80.000 pessoais foram removidas. Duas a três mil dessas eram da Vila Autódromo. De acordo com algumas estimativas, foram removidas no Rio mais pessoas nos anos pré-Olímpicos do que em ambas as administrações anteriores associadas com remoções, juntas: a de Francisco Pereira Passosna primeira década do século XX e de Carlos Lacerda nos anos 60.

Os Jogos Olímpicos foram o pretexto perfeito para a remoção. Ao longo do século anterior, moradores de favela adquiriram direitos básicos à terra, e suas comunidades vinham sendo lentamente urbanizadas sob a crescente conclusão de que essa seria a única maneira de integrá-las de forma justa. Oportunidades para remoções em massa não seriam mais justificáveis–isso é, até o prazo das Olimpíadas oferecer um estado de exceção.1 A população da cidade ansiava por investimentos. Havia uma suposição geral de que as decisões sendo tomadas pela prefeitura eram pertinentes e de interesse público. E havia pouco controle para garantir que realmente o fossem.

Então quando funcionários da prefeitura chegaram em favelas em 2010, de Recreio II à Favela do Metrô, de Manguinhos à Harmonia, do Tanque à Restinga, poucos moradores resistiram. Muitos não sabiam que tinham direitos a reivindicar, estavam focados na batalha diária para pagar as contas, indo de emprego em emprego, ou eram prejudicados por terem pouca educação formal. Vinte e seis por cento daqueles removidos durante esse processo estavam na, ou próximo à, Barra da Tijuca, região de classe alta e em rápida expansão, apesar do fato dessa região abrigar apenas 12 por cento dos moradores de favela da cidade. Quem foi removido foi levado, de modo geral, a conjuntos habitacionais distantes na extrema Zona Oeste do Rio de Janeiro, em bairros como Cosmos e Santa Cruz, há duas horas do Centro da cidade, e agora ficando à mercê de milícias. Em outros casos, o governo ofereceu aluguel social no valor de R$400 por família por mês, o que é insuficiente para alugar uma casa na maioria das favelas do Rio de Janeiro.

Esse contexto mais amplo ajuda a pôr em perspectiva a notável resistência da Vila Autódromo. A comunidade construiu uma estratégia de resistência (a uma ganância de proporções Olímpicas) que se baseava em sete elementos-chave para uma resistência bem-sucedida: certa união da comunidade no comprometimento em ficar onde estava, acesso a informação,[a] defesa jurídica, uma liderança diversa e resoluta, amplas redes de apoio que variavam desde comunidades homólogas a parceiros técnicos, respostas criativas como o Plano Populare o Museu das Remoções, e documentação e visibilidade contínuas.

Moradores atribuem cada momento de sucesso de sua luta a um desses elementos-chave de resistência. Por exemplo, no primeiro ano o mais crítico foi a defesa jurídica da comunidade, particularmente em ganhar tempo para a comunidade se organizar em outras frentes. E conforme a luta progredia, as respostas criativas permitiram a eles que solidificassem seu comprometimento, tornassem-se mais unidos e superassem barreiras psicológicas enquanto atraíam parceiros e a atenção da mídia. E por fim, a atenção massiva da mídia global e as amplas redes de apoio encorajaram os moradores durante o período mais desafiador,[b] quando muitos moradores já haviam sido removidos, serviços foram cortados e os escombros das demolições deixava-os desmotivados. E ao longo de tudo isso, foi a liderança diversa e resoluta, capaz de mudar e se adaptar, no desenrolar da luta, entre tantos membros envolventes da comunidade, que resultou no sucesso relativo do desfecho final.

Apesar de terem sido desmanteladas praticamente por completo, as vitórias da Vila Autódromo no contexto geral da história das favelas do Rio de Janeiro e do direito à moradia no Brasil como um todo (e talvez até do mundo) são muitas e trazem lições de grande valor.

A Vila Autódromo enfrentou os interesses imobiliários mais poderosos do Brasil, uma das sociedades mais desiguais do mundo. Porém, sua luta obteve êxitos únicos, em diversos níveis. Longe de ser o quase paraíso anunciado, o Parque Carioca foi, apesar disso, um dos melhores exemplos de habitação pública construída na administração de Eduardo Paes, e aqueles que se mudaram para lá puderam ficar na mesma região que seus empregos e escolas. Em muitos casos, as famílias que se mudaram para o Parque Carioca receberam diversos apartamentos–um para cada filho adulto, mais um para os pais e um para os avós, por exemplo. E tiveram aqueles que receberam compensações a preço de mercado, as primeiras compensações em favelas que reconheciam o valor dos terrenos na história do Rio.

E por fim, e talvez acima de tudo, aquelas vinte famílias que ficaram até o fim conseguiram provar àqueles que desistiram–e talvez sobretudo a outras comunidades sob ameaça–que a resistência convicta e criativa compensa. E eles assinaram o acordo com a prefeitura coletivamente, não individualmente.

As Olimpíadas do Rio provaram que, pelo menos em algum lugar, nem todos têm um preço. Os Jogos inadvertidamente propagaram essa verdade.

Notas

[a] Informações que respaldaram a comunidade incluem conhecimento de seus direitos e de estratégias de mobilização, assim como a consciência fundamental de não confiar no que viriam a ser promessas políticas vazias e uma noção clara das consequências, e do que seria perdido, caso fossem removidos.

[b] Uma pesquisa no Google News em 5 de maio de 2017 por “Vila Autódromo” rendeu mais de 11.500 resultados.

Demais Referências Bibliográficas

[1] CUMMINGS, Jake. Confronting favela chic: the gentrification of informal settlements in Rio de Janeiro, Brazil. In: LEES, Loretta; BANG SHIN, Hyun; LÓPEZ-MORALES, Ernesto (Ed.). Global Gentrifications: Uneven Development and Displacement. Bristol: Policy Press, 2015. p. 81-99. 84 p.

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