MPF defende participação de caiçaras em patrimônio genético de medicamento

Laboratório teve acesso ao conhecimento tradicional mas não pagou qualquer quantia por isso

Procuradoria Regional da República da 1ª Região

Em parecer enviado ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), o Ministério Público Federal (MPF) defendeu recurso da União que pede a aplicação da Lei de Patrimônio Genético ao medicamento fitoterápico Acheflan, desenvolvido a partir de planta nativa da mata atlântica brasileira conhecida como erva baleeira. Segundo a União, a empresa Aché Laboratórios Farmacêuticos teve acesso ao conhecimento tradicional associado dos caiçaras do litoral paulista e não pagou qualquer quantia por isso. Para o MPF, a legislação é clara ao impor a repartição dos ganhos obtidos em colaboração. A manifestação ao TRF1 foi enviada no último dia 5.

O laboratório somente se interessou pelo estudo da erva baleeira após o caseiro do sítio de propriedade do presidente da Aché, um caiçara de Monguagá, ter preparado um remédio à base da erva para curar lesão no joelho. De acordo com o MPF, isso mostra que, embora a comunidade caiçara do litoral paulista não tenha o conhecimento científico para a aplicação da erva baleeira na indústria que conduz à proteção intelectual clássica, a comunidade já a utilizava como medicamento.

“O Conhecimento Tradicional Associado nada mais é que a informação ou prática, individual ou coletiva, de povo indígena ou comunidade tradicional, com valor real ou potencial, associada ao patrimônio genético. Tal conhecimento está relacionado à natureza, aos seres vivos e ao meio ambiente, e faz parte da prática cotidiana de povos e comunidades, integrando patrimônio cultural brasileiro e pertence aos povos indígenas e comunidades tradicionais, grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tal”, diz o procurador regional da República Felício Pontes Jr.

A empresa alega que as pesquisas sobre a erva baleeira tiveram início na década de 1980, donde a impossibilidade de se lhe aplicarem as imposições da Medida Provisória 2.186-16/2001, conhecida como Lei do Patrimônio Genético. Mas, segundo documentos juntados no processo, mesmo depois da vigência da MP foram realizadas novas pesquisas com o desenvolvimento tecnológico do produto, prosseguindo até 2004, quando finalizado o acesso ao patrimônio genético, com o registro do produto na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e efetivo lançamento no mercado.

A MP 2.186-16/2001 regula a pesquisa e o uso fabril dos acessos ao patrimônio genético, sempre que ocorrerem em sua vigência, ainda que o início da pesquisa da substância química e o primeiro de seus acessos anteceder o ato normativo. O MPF defende a aplicação da lei no caso, pois o laboratório realizava acesso ao patrimônio genético da erva baleeira quando já vigorava a medida provisória. “Tendo sido estabelecidas limitações à exploração do patrimônio genético brasileiro, devem elas, a partir de então, ser respeitadas para que sua exploração se considere lícita”, explica.

Entenda o caso – Em primeira instância, a Justiça julgou procedente o pedido do laboratório para declarar a inaplicabilidade da Lei de Patrimônio Genético ao medicamento Acheflan. Também foi determinado à União que deixasse de aplicar ao laboratório quaisquer penalidades previstas com base na Lei de Patrimônio Genético. A sentença tornou sem efeito, por arrastamento, uma penalidade aplicada à empresa. Por isso, a União apresentou recurso de apelação ao TRF1.

Ap nº 0009759-61.2007.4.01.3400/DF.

Imagem: Reprodução do Ambiente Legal.

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