Estudo revela prevalência de depressão entre atingidos pela tragédia de Mariana

Pesquisa feita em conjunto pela UFMG e a Cáritas Regional Minas Gerais ouviu pessoas entre 10 e 90 anos que foram vítimas do desastre. Crianças preencheram critérios para transtorno de estresse pós-traumático

Cristiane Silva, Estado de Minas

A população atingida pelo rompimento da Barragem do Fundão, da Samarco, em Mariana, na Região Central de Minas Gerais, é afetada por transtornos relacionados ao estresse e registra prevalência de depressão cinco vezes superior à da população brasileira avaliada em 2015. O diagnóstico faz parte de um estudo elaborado pelo pelo Núcleo de Pesquisa e Vulnerabilidade em Saúde (Naves) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Cáritas Regional Minas Gerais divulgado nesta sexta-feira em Belo Horizonte. 

O objetivo da Pesquisa sobre a Saúde Mental das Famílias Atingidas pelo Rompimento da Barragem do Fundão em Mariana (Prismma) foi avaliar a saúde das vítimas, com ênfase na saúde mental, especialmente transtornos, desordens ou sintomas que podem piorar com o estresse, como depressão, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno por uso de substâncias e comportamento suicida.

Para elaborar o estudo, em novembro do ano passado, a equipe convidou a responder questionários todas as pessoas com idades entre 10 e 90 anos que foram diretamente expostas à lama despejada pela barragem de rejeitos. Essas pessoas moravam ou tinham propriedades em Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Paracatu de Cima, Borba, Campinas, Pedras e Ponte do Gama na época do desastre que matou 19 pessoas, entre moradores e funcionários da mineradora.

Dos 479 indivíduos abordados, 225 adultos e 46 crianças e adolescentes até 17 anos aceitaram participar da pesquisa. O restante se recusou, alegou medo de assinar documentos ou tinha outra justificativa para não responderem às perguntas.

Os pesquisadores constataram prevalência de depressão em 28,9% da população atingida pelo desastre. “(…) essa prevalência é cinco vezes maior do que a descrita pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para a população brasileira avaliada em 2015. No Brasil, 5,8% da população sofria com esse transtorno, que afeta 11,5 milhões de brasileiros”, diz o levantamento da UFMG e da Cáritas Regional. O transtorno de ansiedade generalizada foi diagnosticado em 32% dos entrevistados, apontando para uma prevalência três vezes maior que a existente na população brasileira.

Pouco mais da metade dos entrevistados (53,8%) relatou sentir dores de cabeça e destes, 52,9% descreveram piora nos últimos dois anos. “Aproximadamente um terço da população (31,1%) mencionou sentir tonteiras e, desses, 62,9% pioraram nos últimos dois anos e 37,1% não se alteraram. A falta de ar esteve presente em 13,8% da população, com piora ocorrendo em 61,3% nos últimos dois anos, 35,5% não tiveram alterações e 3,2% não responderam. Da amostra, 35,1% sentiram palpitações; 63,3% manifestaram piora nos últimos dois anos (…)”, detalha a pesquisa.

Além da depressão e do transtorno de ansiedade generalizada, foram avaliados também o transtorno de estresse pós-traumático, o risco de suicídio e os transtornos relacionados ao uso de substâncias psicotrópicas, como álcool, tabaco, maconha, crack, cocaína. “Encontramos uma prevalência aumentada de transtornos psiquiátricos relacionados ao estresse na população atingida quando comparados aos dados descritos na literatura”, registra o estudo.

A dependência de álcool foi diagnosticada em 5,8% da população e a de tabaco em 20%, enquanto 0,9% foi considerado dependente de maconha e 0,4% dependente de cocaína ou crack. Já o risco de suicídio foi identificado em 16,4% dos entrevistados. Entre eles, estão pessoas que declararam desejo de morte, relataram ideias suicidas, afirmaram que planejaram se suicidar no último mês ou reconhecerem já ter tentado alguma vez colocar fim à própria vida.

Entre as crianças, o principal achado da pesquisa da UFMG foi a alta frequência de entrevistados que preencheram critérios para transtorno de estresse pós-traumático, superior a 82%. Nos adultos, este diagnóstico envolveu 12% dos atingidos. No recorte por sexo, notou-se que a prevalência nas mulheres, de 13,9%, foi superior em comparação com os homens, que ficou em 8,6%.

Adoecimento

A tragédia de Mariana provocou a liberação no ambiente de aproximadamente 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos, que causaram devastação da vegetação nativa e poluição de afluentes e do Rio Doce, alcançando até sua foz no Espírito Santo. Dezenove pessoas morreram e comunidades foram destruídas. Em Mariana, os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu foram arrastados pela lama. O episódio é considerado a maior tragédia ambiental do país.

Passados mais de dois anos da tragédia, as indenizações das vítimas ainda estão sendo calculadas e os moradores que perderam suas casas continuam morando em imóveis alugados pela empresa enquanto convivem com atrasos na reconstrução dos distritos destruídos.

Segundo o relatório final da UFMG, o adoecimento da população não é um fato isolado e está conectado com estresses e processos de sofrimento social que as famílias têm vivenciado. “Estudos têm mostrado que as lembranças do ocorrido nas tragédias podem tornar-se profundamente vivas na memória, levando a respostas pós-traumáticas. As doenças físicas crônicas, as preocupações com os meios de subsistência, a perda de emprego, a ruptura de laços sociais e as preocupações com as indenizações também foram associadas a respostas pós-traumáticas”, registra.

De acordo com a literatura médica, a percepção dos riscos de danos à saúde e de morte, a perda de moradia e de entes queridos e a consciência da falta de uma satisfatória assistência em saúde são também fatores que podem levar a um diagnóstico de depressão em populações acometidas por desastres. A discriminação também é apontada como um elemento agravante, o que levou a pesquisa da UFMG a identificar se os entrevistados já haviam sido vítimas de atitudes preconceituosas motivadas pela sua condição de atingido.

Os resultados mostraram que 62,7% responderam já ter sofrido algum tipo de discriminação e 27,1% alegaram já ter sofrido algum tipo de discriminação verbal. Em 21,3% desse casos, a ocorrência se deu em lojas, restaurantes ou lanchonetes e em 12,4% em repartições públicas, como Receita Federal, cartório, departamento de trânsito, companhias de água, luz, esgoto e outras. Além disso, 17,3% dos entrevistados descreveram tratamentos diferenciados por colegas de trabalho e 12,9% já se sentiram excluídos em sua vizinhança. Relatos de preconceito foram tema de reportagem da Agência Brasil em novembro do ano passado.

A UFMG colheu ainda indicadores sobre a qualidade do sono. Dificuldades para dormir no último mês foram relatados por 52% dos atingidos. Por outro lado, 53,8% classificaram seu sono como sendo ótimo ou bom, enquanto 26,2% o consideraram regular e 19,6% ruim ou péssimo. O uso de medicamentos para dormir foi constatado em 18,2% da população e de antidepressivos em 16,9%. Em todos os casos, os entrevistados afirmaram que os remédios foram prescritos por médico.

A expectativa dos pesquisadores é de que os dados possam fomentar a discussão sobre políticas públicas e planejamento em saúde, além de permitir uma melhor orientação e alocação de recursos e estabelecer programas adaptados à realidade atual dessa população. Eles também sinalizaram a importância de planos de ação em casos de tragédia para minimizar os transtornos vinculados à saúde mental.

Por meio de nota, a Fundação Renova, criada para gerir os planos de recuperação dos impactos causados pelo rompimento da Barragem do Fundão, informou que também desenvolve um estudo nesse sentido, e que também oferece apoio de saúde à população atingida pelo desastre por meio do sistema público de saúde. Leia o posicionamento na íntegra:

“A Fundação Renova desenvolve, em parceria com o Instituto Saúde e Sustentabilidade, um estudo que irá avaliar a tendência de aumento de transtornos mentais, de uso de álcool e outras drogas nos moradores das áreas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão. Esse estudo será concluído em fevereiro de 2019, mas os resultados parciais serão usados para nortear novas ações da área de saúde.

Além disso, faz parte da estratégia de apoio aos atingidos o fortalecimento das estruturas públicas existentes, tanto no atendimento clínico quanto na proteção social. No município de Mariana, a Fundação Renova reforça o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) com 50 profissionais de saúde e de assistência social. 

Desde a sua criação, a Fundação Renova não tem poupado esforços e trabalha com afinco em diferentes frentes para garantir aos atingidos acesso aos cuidados com a saúde. Neste sentido, todos os estudos e pesquisas que permitam uma melhor compreensão dos efeitos do rompimento da barragem de Fundão sobre a saúde dos atingidos, e que possam contribuir na definição de medidas de prevenção e assistência à saúde, são acolhidos com interesse.”

Imagem: Tragédia de Mariana, que ocorreu em 5 de novembro de 2015, deixou 19 mortos. Sobreviventes relatam piora em problemas de saúde – foto: Sidney Lopes/EM/D.A PRESS

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