Yunus: Como criar um mundo sem pobreza, desemprego e emissões de carbono

por Alex Besser e Eli Nemzer, em RioOnWatch

Em seu novo livro, A World of Three Zeros: The New Economics of Zero Poverty, Zero Unemployment and Zero Net Carbon Emissions (Um Mundo de Três Zeros: A Nova Economia da Pobreza Zero, Desemprego Zero e Emissão de Carbono Zero), o autor, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz, Muhammad Yunus, propõe o empreendimento social como forma de redefinir as diversas faces do mundo moderno. Como criador do Banco Grameen e pioneiro do conceito de microcrédito, Yunus ajudou pessoas de baixa renda em todo mundo a se fortalecerem por meio do empreendedorismo local.

Yunus deixa claro que acredita que os princípios fundamentais do capitalismo são a principal causa do crescimento da desigualdade econômica e social presente no mundo inteiro. Ele acredita que somente através de um esforço consciente para reestruturar o pensamento econômico que governa o mundo será possível reverter essa tendência destrutiva.

Yunus argumenta que adotar um modelo de negócio social pode ser a solução para esse sistema de desigualdade. As organizações que adotam o sistema de negócio social vão contra as premissas do capitalismo no que diz respeito ao objetivo de um negócio em si. Em vez de servirem apenas como meio de potencializar os lucros corporativos, os negócios sociais procuram criar soluções sustentáveis para problemas urgentes da sociedade. Através da estrutura de negócio social criada por Yunus, este movimento espera criar o “mundo dos três zeros”: um mundo sem pobreza, sem desemprego e sem emissões de carbono. Junto com uma infinidade de exemplos reais de negócios sociais atuando no mundo inteiro, o livro apresenta um cenário otimista sobre como indivíduos empenhados podem gerar um impacto duradouro na sociedade.

Negócio social

Quando o assunto é incentivo ao espírito empreendedor, Yunus é um pioneiro em nível global. Ele recebeu reconhecimento internacional pela primeira vez devido ao Banco Grameen em seu país natal, Bangladesh. Ao reconhecer os desafios enfrentados por mulheres pobres em seu país no que diz respeito ao crédito, Yunus deu início ao Banco Grameen para ceder pequenos empréstimos e promover o empreendedorismo rural. O banco desafiou o sistema bancário convencional ao atuar em pequenas aldeias, focar nas mulheres e abdicar ao uso de bens dados como garantia de empréstimo. Apesar dessas diferenças radicais, ou talvez por causa delas, o Banco Grameen alcançou um sucesso notável. O banco cresceu de forma a atender 9 milhões de mulheres por ano, cedendo mais de 2,5 bilhões de dólares e mantendo uma incrível taxa de pagamento de quase 100% pelos devedores. Esse fenômeno notável parece ser a base da enorme confiança de Yunus no bem inato da natureza humana e na ideia razoavelmente radical de que quase todos os negócios podem ser economicamente viáveis, e até bem-sucedidos, sem tirar o foco nos recursos primários para promover uma mudança social positiva.

Yunus pretende criar um “setor de negócio social” inteiramente composto por empresas que seguem estes princípios. Como ele mesmo define, um negócio social é simplesmente “uma empresa sem dividendos empenhada na resolução dos problemas humanos”. Na prática, uma vez que uma empresa pagou seus empréstimos iniciais, a estrutura de negócios é tal que todos os lucros são reinvestidos para melhorias e expansão do negócio. O sucesso não é mensurado pelos dividendos pagos aos membros do conselho, mas pela quantidade de pessoas que são impactadas e ajudadas. Através da promoção de negócios sociais, Yunus espera produzir um futuro com três zeros.

Pobreza Zero

Yunus argumenta que, para resolver a pobreza, a sociedade precisa reformular sua visão de que o capitalismo é a melhor estrutura econômica. Ele apresenta vários dados que apoiam seu argumento de que o capitalismo moderno contribuiu para o nível crescente da desigualdade de renda. Uma porção relativamente pequena da população global detém uma quota astronomicamente grande da riqueza mundial. É bem documentado que a pobreza tipicamente se torna um ciclo de auto-reforço, uma vez que as consequências físicas e mentais de ser pobre levam a menores oportunidades educacionais e de emprego e piores resultados de saúde. Yunus espera que esse fluxo de riqueza desigual possa ser revertido por meio do negócio social e da promoção do empreendedorismo.

Yunus discute o caso de Uganda, país que muitos ocidentais ficarão surpresos ao descobrir que é a nação com a maior taxa de empreendedorismo no mundo. Mais de 28% de todos os ugandenses começaram um negócio nos últimos três anos e meio e espera-se que 80% comecem um negócio em algum momento de duas vidas. Uma das empresas sociais ali presentes, a Golden Bees, oferece suprimentos e treinamento para ajudar fazendeiros ugandenses a aprender as habilidades necessárias na apicultura. Os fazendeiros conseguem cada vez mais desenvolver sua independência econômica e a Golden Bees mantém seu sustento ao ajudar no processamento e comercialização dos produtos dos fazendeiros. Empresas sociais como essa estão agora trabalhando com empreendedores em todo o mundo, nos países em desenvolvimento como Uganda e Bangladesh, mas também em nações ricas, como a França e os Estados Unidos, onde a desigualdade ainda existe em larga escala. A French Action Tank, na França, trabalha para identificar e diminuir a pobreza no país, que pode ser mais difícil de identificar imediatamente em relação a países mais pobres. Projetos similares estão sendo desenvolvidos na Índia e no Brasil.

É convincente a ideia de que as pessoas no mundo em desenvolvimento são, de fato, mais abertas ao empreendedorismo quando se considera que milhões de pessoas são empregadas em iniciativas microempresariais na economia informal, o que abrange mais de 60% da força laboral em vários países em desenvolvimento. Yunus acredita que, ao remover as barreiras que as pessoas pobres encontram para empreender, e mudando a narrativa do emprego “informal” ou “mercado paralelo”, as pessoas pobres podem se desenvolver economicamente e melhorar suas vidas de forma radical.

Desemprego Zero

O segundo problema principal identificado por Yunus é uma dependência desnecessária de terceiros para poder trabalhar. A visão de que dependemos dos outros para nos empregar limita o potencial dos indivíduos e os coloca em uma posição delicada na sociedade. As pessoas, principalmente as mais jovens, que passam vários anos desempregadas ou subempregadas tendem a enfrentar consequências permanentes em termos de renda e segurança do trabalho. Yunus sugere que o desemprego não é um problema dos indivíduos, mas sim de um sistema que incentiva a dependência ao mercado de trabalho em vez da criação de empregos. As empresas sociais podem ajudar a incentivar o empreendedorismo e a independência financeira e, dessa forma, diminuir o problema do desemprego em populações nas quais os mercados convencionais frequentemente não chegam, como as populações rurais pobres. O modelo também pode ajudar a empregar pessoas que, de outra forma, seriam tradicionalmente negligenciadas em oportunidades formais de trabalho, como mulheres pobres, ex-presidiários ou pessoas sem educação formal. Negócios locais e de pequena escala também ajudam a impedir tendências de desigualdade de recursos ao manter a riqueza dentro de uma comunidade. Yunus afirma que o desenvolvimento do microcrédito e dos negócios sociais podem ajudar a transformar pessoas que eram caçadoras de empregos em criadoras de empregos, ao mesmo tempo que tratam de demandas sociais importantes.

Emissão de Carbono Zero

Por fim, Yunus espera usar o negócio social para chamar a atenção para a mudança climática global. Os debates contemporâneos sobre políticas de mudanças climáticas frequentemente focam no equilíbrio entre o apoio ao crescimento econômico e a proteção do meio ambiente, principalmente nas nações em desenvolvimento. Yunus, no tom incansavelmente positivo que mantém ao longo do livro, sugere que esses dois objetivos não precisam entrar em conflito. As estratégias de negócios sustentáveis podem impulsionar economias e, ao mesmo tempo, terem responsabilidade ambiental. Além disso, a natureza jovem da economia dos países em desenvolvimento a torna inerentemente bem posicionada para incluir os negócios sustentáveis no caminho para o crescimento.

Ele destaca vários negócios novos focadas em sustentabilidade que estão usando a estrutura do negócio social para proteger o meio ambiente e apoiar suas comunidades. As empresas sociais estão ajudando a trazer a energia solar à áreas rurais de Bangladesh, reflorestar o Haiti por meio da produção de bens baseados na floresta e reduzir o acúmulo de resíduos plásticos em Uganda. Como não são limitados por pautas que buscam maximizar os lucros, os negócios sociais frequentemente possuem maior flexibilidade para abordar desafios ambientais.

Yunus encara o terceiro objetivo como sendo de igual importância aos objetivos de pobreza zero e desemprego zero, já que o impacto da mudança climática é historicamente sentido de maneira mais forte pelas populações mais pobres. Sem ter nenhuma culpa, a população pobre sofre devido à inércia da sociedade em relação às mudanças climáticas. Com isso em mente, Yunus insiste que todos os negócios sociais devem ser ambientalmente sustentáveis para garantir que eles não estão consertando um problema enquanto pioram outro.

Objetivos mais amplos

Mesmo quem não está diretamente envolvido com os negócios sociais pode ajudar a alcançar o “mundo dos três zeros”. Yunus sugere vários meios de atingir esta mudança global:

  • Incentivar a juventude a ter uma postura ativa no planejamento do mundo. Ao identificarem seu próprio papel no mundo, eles podem desenvolver um espírito empreendedor e utilizar o modelo de negócio social.
  • Mudar a percepção que temos de “pessoas improdutivas” na sociedade, principalmente os idosos. Em vez de perderem sua utilidade social e serem “aposentadas”, as pessoas deveriam receber incentivo para tocarem projetos como os negócios sociais na terceira idade. As experiências coletivas e as capacidades criativas delas oferecem potenciais para ajudar imensamente o mundo de uma forma, que talvez, não fosse possível enquanto elas estavam trabalhando para sustentar a si mesmos ou as suas famílias.
  • Promover o desenvolvimento de tecnologias destinadas a ajudar os pobres. O negócio social serve como um modelo eficiente para promover tecnologias de planejamento específicas para resolver os problemas dos pobres em vez de usar a tecnologia padrão focada nas necessidades dos ricos. As necessidades de uma pessoa que vive em uma cidade de uma nação rica provavelmente são muito diferentes das de alguém que vive em uma área rural com acesso inconstante à internet ou eletricidade.
  • Apoio político e sistemas sociais que diminuam a corrupção, desigualdade e opressão. Qualquer crescimento econômico que não tenha como base um bom governo e os direitos humanos não será sustentável.
  • Envolver as próprias comunidades no planejamento de projetos de desenvolvimento. Naturalmente, as pessoas que têm mais consciência dos pontos fortes e desafios de uma comunidade e que serão as mais empenhadas no sucesso de um projeto serão as pessoas que vivem naquela comunidade.

Levando em consideração os desafios globais massivos como a pobreza disseminada, a desigualdade de renda e as mudanças climáticas que estão sendo intensificadas todos os dias, A World of Three Zeros (O Mundo dos Três Zeros) é uma leitura revigorante, positiva e propositiva. Yunus consegue quebrar um conceito um tanto radical–de que a sociedade global seria melhor atendida por um sistema econômico alternativo–com metas viáveis e estratégias para alcançá-las. A visão inspiradora do livro talvez não consiga resolver complemente os problemas gerados pela ganância e a corrupção de alguns poucos poderosos que podem limitar o impacto de muitos atores positivos, e como combater efetivamente essa barreira aparentemente avassaladora. Para cada jovem talentoso que troca o setor corporativo pelo empreendedorismo social, também existe um nível significativo de aquisições por políticos arraigados e empresas focadas no aumento dos lucros. Yunus trata desse problema nos capítulos sobre boas formas de governo e infraestrutura financeira, ao destacar o Giving Pledge (Compromisso de Doação) assumido pelas 150 pessoas mais ricas do mundo. Embora seja, sem dúvidas, um passo na direção certa, uma espiada nas prioridades atuais dos governos das maiores potências mundiais deixa algumas dúvidas sobre se o sistema capitalista pode ser modificado de alguma maneira significativa em um futuro próximo.

Yunus, por mérito próprio, mantém a mensagem inspiradora e olha apenas para o futuro, que ele acredita ser uma era de grandes possibilidades movida pela imensa riqueza, potencial e criatividade do mundo moderno. Para todos que se sentem atolados pela diversidade e pelo tamanho dos problemas globais em 2018, O Mundo dos Três Zeros pode apresentar uma estrutura abrangente e algumas ideias concretas para tornar reais mudanças positivas em nível local e global.

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