Resistir e lutar: a vida de uma líder indígena em São Paulo

Por Rosana Pinheiro /Agência Plano, no Yahoo Notícias

Patrícia Gabriel Soares tem só 28 anos e há três lidera o núcleo Tekoa Pyau, na aldeia do Pico do Jaraguá, zona oeste de São Paulo, onde moram aproximadamente 135 famílias da etnia guarani mbya. “Primeiramente meu nome é Patrícia, Jaxuka em Guarani”, fala devagar. “Aqui eu ajudo na organização, participo de reuniões e dou conselhos. A minha maior preocupação é ajudar o meu povo. Que a gente consiga melhorar a vida de todos e, principalmente, resistir”.

Neta do cacique e pajé José Fernandes, líder religioso dos guarani no estado de São Paulo, a jovem caminha pela aldeia enquanto conversa com a nossa reportagem. “Eu tenho muito orgulho do meu avô, porque apesar da dificuldade em falar português, ele conseguiu lutar com o nosso povo pela demarcação da Terra Indígena Tenondé Porã”, fala. “Então ele é um exemplo para mim”. A portaria declaratória da Terra Indígena Tenondé Porã, na região de Parelheiros, foi publicada no Diário oficial em 6 de maio de 2016. Apesar do avanço, no ano seguinte, os guarani sofreram um revés quando o presidente Michel Temer anulou a portaria da Terra Indígena Jaraguá, onde hoje vivem Patrícia e o avô.

“O processo está parado, é muito devagar. Com esse Michel Temer a gente não sabe mais o que vai acontecer, mas não vamos desistir”, afirma Patrícia, que participa junto com as lideranças dos outros núcleos do Jaraguá na mobilização pela demarcação do território onde vivem. “São vários líderes, núcleos diferentes, mas a luta é uma só: demarcação, saúde e educação para o nosso povo continuar resistindo”, diz. “Aqui as nossas crianças falam só guarani até os 7 anos, isso é resistir, é preservar a nossa cultura. Defender o nosso território é resistir. Assim que a gente vive, resistindo às pressões da sociedade, da mídia, do governo”.

Luta

Dentre as suas atividades diárias, estão os encontros que promove com adolescentes dentro da escola CECI Jaraguá, que fica na aldeia. “Aqui eu sento com eles e converso sobre a nossa luta. Porque hoje eu estou aqui na liderança, mas amanhã pode ser outra pessoa, esses jovens estão vindo para nos ajudar”, explica. “Eu tenho 28 anos, mas é como o meu avô sempre fala: ‘não importa se a pessoa é mais nova, ela é capaz de guiar e dar conselhos para melhorar a vida de todos’. Então eu sei que sou capaz e esses jovens também são”. No dia da nossa visita, adolescentes faziam junto com Patrícia cartazes com os dizeres “Demarcação já, Jaraguá é Guarani”.

O interesse em assumir a liderança foi natural. “Eu comecei a participar mais e tentar ajudar, eu tenho 3 filhos, penso muito neles e em todas as crianças da aldeia”, fala. “Mas a verdade é que é um caminho espiritual. O meu Deus me colocou nesse caminho e, apesar das dificuldades, eu preciso seguir e enfrentar os obstáculos”. Dentro do espaço de reza da aldeia, Patrícia nos convida a contemplar o lugar mais sagrado do território: “Normalmente eu não deixo as pessoas entrarem aqui. Às vezes eu permito, falo com o meu avô. Para que vocês, não índio, possam entrar, ver de perto e aprender a respeitar a nossa cultura”.

Diferente do que muitas pessoas pensam, não é no dia 19 de abril – uma data estabelecida pelos brancos – , que acontecem as principais celebrações indígenas dos guarani e outras etnias. “O mês de agosto é muito especial porque a gente celebra o dia de batizado da erva-mate, que é uma planta sagrada”, explica. “Neste dia, as nossas crianças recebem o nome, são batizadas, pelo nosso líder religioso, José Fernandes. E também é o mês que comemoramos o nosso ano novo, onde a gente começa a plantar e os ciclos começam de novo”.

Patrícia e o avô José Fernandes, líder religioso dos guarani no estado de São Paulo. (Foto: Tuane Fernandes)

‘Aqui todo mundo é igual’

Sobre a igualdade dentro da tribo e possíveis dificuldades em liderar sendo mulher, Patrícia nos dá mais um exemplo do quanto ainda temos a aprender com os índios brasileiros. “Não tem isso aqui. Todo mundo é igual. Nós somos um só. Então eu estou lutando pelo povo guarani. A minha luta é por todos. E eu sou muito respeitada, fico muito feliz”, explica. “Os homens também nos chamam sempre para participar e eu também chamo as mulheres, falo para elas da importância de se reunir e lutar pelos direitos, apesar da dificuldade que muitas tem com o português”.

Uma das preocupações atuais da líder e dos membros da aldeia é o fim do abastecimento de leite, que desde janeiro de 2018 parou de ser feito pela Prefeitura. “Só está vindo o leite que abastece a escola. E tem muita mãe que precisa e vem falar comigo”. Em casos como este, Patrícia e as outras lideranças precisam fazer a interface com a Prefeitura. “Até agora não deram resposta”. Outra prioridade é a organização do segundo encontro de jovens indígenas do Estado de São Paulo, que dessa vez vai acontecer na aldeia do Pico do Jaraguá. “É uma prioridade pra mim conscientizar os mais novos, eles são o futuro”.

Com tantos compromissos, a única lembrança de uma antiga paixão é um bracelete feito de sementes com o brasão do Corinthians. “Eu adoro jogar futebol com as meninas. Mas desde que assumi como líder não dá mais tempo. Eu falo para elas ‘não tenho mais idade pra isso’”.

Imagem destacada: Patrícia Gabriel Soares tem só 28 anos e há 3 lidera o núcleo Tekoa Pyau, na aldeia do Pico do Jaraguá, zona oeste de São Paulo, onde moram aproximadamente 135 famílias da etnia guarani mbya. (Foto: Tuane Fernandes)

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

12 + nove =