Caso determinação não seja cumprida, órgão será responsabilizado civil e criminalmente. Conflito ocorre na mesma região onde foi assassinada a missionária Dorothy Stang
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) recebeu do Ministério Público Federal prazo de cinco dias para solicitar judicialmente a reintegração de posse de áreas invadidas no assentamento do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Virola-Jatobá – no município de Anapu, no Pará.
A determinação partiu da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do MPF que na semana passada coordenou uma missão de instituições de justiça e dos direitos humanos ao assentamento, que foi criado em 2002, pelo Incra, com a perspectiva de aliar conservação ambiental e reforma agrária.
Denúncias à Procuradoria dos Direitos do Cidadão informaram que as famílias que vivem legalmente no Virola-Jatobá estariam tendo suas terras invadidas e sendo impedidas de desenvolver as práticas de manejo florestal comunitário a que foram destinadas aquelas terras públicas da União.
Durante os trabalhos de inspeção, a comitiva identificou a existência de mais de 20 pátios de madeira já extraída de forma legal pela Associação Virola-Jatobá, mas cuja comercialização estaria sendo impedida por grileiros – colocando sob risco de perecimento a produção, que é a base do sustento econômico daquela comunidade. O grupo também identificou áreas de desmatamento ilegal e inúmeras placas de demarcação de terrenos, indicando a venda irregular de lotes.
No diálogo com os assentados foram ouvidos relatos de que o Virola-Jatobá tem sido foco de ação de grupos de invasores, interessados na exploração econômica de terras da região. Segundo a associação de trabalhadores, esses invasores já são maioria numérica e estariam promovendo o desmatamento ilegal e a venda criminosa de terras públicas, além de ameaças à vida dos assentados.
Responsabilidade – Em reunião com o recém-empossado chefe da Unidade Avançada Especial do Incra em Altamira (PA), Andrei Castro, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, ressaltou que é do Incra a prerrogativa de retirar os invasores do Virola-Jatobá, já que o órgão é o detentor da área. De acordo com a PFDC, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária será responsabilizado civil e criminalmente caso não solicite a reintegração de posse das terras no prazo de cinco dias úteis, a contar de 19 de abril. A medida evitaria o conflito judicial direto entre associados e invasores, além de possibilitar o escoamento da madeira já retirada.
No encontro – que reuniu representantes de diversos órgãos públicos do estado e da União –, a promotora Agrária do Pará, Eliane Moreira, observou a existência de Cadastros Ambientais Rurais (CAR) com registros individuais em áreas que têm caráter coletivo, constituindo fator de conflito. A administração do CAR é de responsabilidade da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará, que não estaria respondendo a ofícios do Ministério Público do Estado solicitando esclarecimentos acerca da questão.
Foi concedido à Semas o prazo de até 23 de abril para que responda aos ofícios do Ministério Público, também sob pena de responsabilização cível e criminal. O órgão tem o mesmo prazo para informar que medidas adotou para apurar quem são os responsáveis pelo impedimento do transporte das toras de madeira já retiradas pelos associados, que estaria inviabilizando o plano de manejo florestal da região.
Além da procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, a missão a Anapu contou com a participação do procurador federal adjunto dos Direitos do Cidadão Domingos Dresch da Silveira; do procurador regional da República e representante do Núcleo de Apoio Operacional à PFDC na 1ª Região Felício Pontes; do procurador regional dos Direitos do Cidadão no Pará, Marcelo Correa; e da procuradora da República em Marabá, Patrícia Xavier.
Também integram a missão a presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) e integrante da Defensoria Pública da União, Fabiana Severo; além de Everaldo Patriota, representante da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e que também integra o CNDH.
Saiba mais – O PDS Virola-Jatobá foi criado há 15 anos como parte do projeto que busca aliar conservação ambiental e reforma agrária. Cerca de 160 famílias vivem nos 39.385 hectares do PDS, desenvolvendo atividades de manejo florestal comunitário com apoio financeiro do Incra e assessoria da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Embrapa.
O Virola-Jatobá fica ao lado do PDS Esperança, onde em 2005 foi assassinada a missionária Dorothy Stang – idealizadora desse modelo de assentamento. Os conflitos no Virola-Jatobá vêm se estendendo ao longo dos anos e teriam se acirrado desde novembro de 2017, quando houve ocupação irregular e massiva de lotes, assim como a expulsão de famílias regularizadas.
Em dezembro, o Ministério Público do Pará e o Ministério Público Federal chegaram a encaminhar uma recomendação ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) e ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) para que os órgãos adotassem providências urgentes para garantir a posse dos assentados e para coibir ações criminosas na região.
De acordo com as denúncias feitas à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, além do risco direto às famílias que vivem na localidade, os conflitos na região também colocam sob ameaça a própria existência do Projeto de Desenvolvimento Sustentável e, com ele, a integridade de florestas que se estendem por mais de 30 mil hectares.