Narciso provinciano, pretensioso e arrogante. Por Mino Carta

Há algo de místico na atuação de Moro e da sua turma de pregadores, convictos de que são vingadores do futuro

Na Carta Capital

Em um dia de começo de maio de 1980, liguei para Romeu Tuma, diretor da Polícia Federal. Atendeu-me com a costumeira cortesia. Esclareci que Raymundo Faoro e eu gostaríamos de visitar o amigo Lula, preso do Dops e enquadrado da famigerada Lei de Segurança Nacional. “Venham quando quiserem – respondeu Tuma – será um prazer recebê-los.”

Com cordialidade nos acolheu dias depois, nos ofereceu a comodidade de um sofá instalado em seu gabinete e mandou chamar o prisioneiro. O presidente demitido do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema chegou com o sorriso e o passo de quem se sente em casa, o carcereiro disse “fiquem à vontade”, e se retirou.

Já contei como Tuma tratava Lula, igual a um amigo. O tempora, o mores… Trinta e oito anos exatos se passaram, e a primeira conclusão é a seguinte: em tempos de ditadura, Lula merecia um gênero de respeito hoje negado a um ex-presidente que, no governo, foi o único que não fez demais pelos ricos e bastante para os pobres, como bom intérprete de um capitalismo à moda antiga.

Em Curitiba, Lula é um condenado da inquisição à espera da fogueira. Com o beneplácito do Torquemada de arrabalde, uma anspeçada que se diz juíza proíbe as visitas de amigos e correligionários, muitos autoridades em pleno exercício.

Segregado em uma cela de 12 metros quadrados, o preso dispõe de uma televisão sujeita à censura prévia dos algozes. Não se apagou o eco do atentado cometido contra a caravana de Lula pelo Sul, e uma saraivada atinge o acampamento de lulistas fiéis e derrama sangue na calçada.

Ataque terrorista, sentencia Celso Amorim, o chanceler de Lula, ministro da Defesa de Dilma, como há de ser a agressão feroz a uma comunidade pacífica. Impossível não concordar com ele. E eu me arrisco a crer que houvesse ali infiltrados pelos setores da PF que se afinam com o tribunal do Santo Ofício de Curitiba, como se deu com a CIA, infiltrada das Brigadas Vermelhas quando do assassinato de Aldo Moro.

O conjunto da obra é altamente representativo do espantoso desastre provocado pelo estado de exceção desencadeado com o golpe de 2016. Antes de completar o segundo aniversário, os golpistas agora se engalfinham em lutas internas ao exibir a falta de uma liderança habilitada a uni-los, e oferecem espaço para esta figura tão peculiar e medieval quanto Sergio Moro, surfista da situação.

Há algo de místico na atuação de Moro e da sua turma de pregadores milenaristas, como se portadores da convicção granítica de lhes caber o papel de vingadores do futuro, de salvadores da pátria entregue à corrupção.

Nada disso, está claro, exclui o oportunismo, a empáfia, a ignorância, a pretensão de quem defende a impossível semelhança entre a Lava Jato e a Mani Pulite. E a prepotência, o narcisismo provinciano, a arrogância desmedida.

Quem sabe algum dia o Brasil perceba ter-se defrontado com uma personalidade psicótica admiravelmente secundada por Deltan Dallagnol. Por ora, vale dizer que a dupla e seus comparsas, sem exclusão dos pretensos desembargadores gaúchos, oferecem uma contribuição decisiva à demolição de qualquer resquício de Estado Democrático de Direito.

Hoje, minha única esperança sopra na direção da discórdia reinante entre os golpistas, inflada pela própria Lava Jato, a funcionar como a maçã fatal que precipitou uma guerra mítica.

Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

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