Racismo institucional e repressão cultural: “Tão bonito que nem parece índio”

Mais de seis mil índios moram em Brasília e arredores. Homens, mulheres e crianças que, devido ao preconceito, encontram vários obstáculos nas oportunidades de emprego, saúde, educação e qualidade de vida

 Por Verônica Nunes de Holanda, no Cimi

Mais de 896 mil pessoas se declararam indígenas no censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, inclusive 379.534 que vivem fora de terras demarcadas. Em 2015, uma pesquisa feita pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) apontou que mais de seis mil índios moram em Brasília e arredores. Homens, mulheres e crianças que, devido ao preconceito, encontram vários obstáculos nas oportunidades de emprego, atendimento de saúde, educação, segurança e qualidade de vida.

A repressão cultural aos povos indígenas está presente desde a colonização, visto que era uma das principais formas de dominação e submissão dos índios aos modos de vida da sociedade européia da época. Explícita ou sutil, a prática acabou por enraizar uma visão extremamente negativa dessas comunidades que perdura até os dias de hoje.

“Muitos padres, pastores, missionários querem nos obrigar a seguir a ‘religião’ e não a Deus do nosso jeito ancestral”, desabafou Jósimo Constant, 29 anos, primeiro indígena graduando em antropologia e mestre em Direitos Humanos pela UnB. “Muitos missionários desclassificam, ridicularizam e até satanizam nossas pinturas, nossos adornos, nossa maravilhosa língua e dizem que não podemos mais viver com aquilo porque não é de Deus. Isso é um sério problema que ainda enfrentamos. Eles precisam entender que as nossas singularidades culturais são algo maravilhoso deixado por Deus”, ensinou o jovem.

De acordo com dados de 2016 do relatório “Violência contra os povos indígenas no Brasil”, elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), foram registrados pela entidade 17 casos de racismo e discriminação étnico culturais, 11 casos relativos a lesões corporais dolosas, sete casos de ameaças diversas, 10 ameaças de morte, 11 casos de homicídio culposo, 23 casos de tentativas de assassinato e oito ocorrências de abuso de poder.

“Os indígenas que saem das aldeias para as cidades enfrentam pesadas dificuldades, principalmente na adaptação. Se vamos para as cidades para estudar, muitos nos julgam como atrasados, inferiores, índios genéricos. Sofremos com a dificuldade nas disciplinas porque em nossas comunidades nunca houve investimento saudável na educação ao longo do tempo”, conta Jósimo. “Muitos parentes que saem das suas comunidades enfrentam dificuldade até mesmo no português. A própria universidade ainda ainda está longe de se tornar adequada a nós, mas aos poucos os avanços estão vindo”.

O racismo permaneceu também nos sistemas públicos. Recentemente a Fundação Nacional do Índio (Funai) divulgou um relatório expondo o racismo institucional do Conselho Tutelar no Mato Grosso do Sul, que alegou pobreza para retirar semanalmente as crianças indígenas das aldeias e levá-las a abrigos. Segundo o relatório, os profissionais verbalizavam na frente dos pequenos suas impressões preconceituosas. “Tão bonito que nem parece índio” é uma das falas que se destacam entre as demais.

“Houve diversos momentos que me sentia triste por ser indígena, mas hoje vejo o mundo de outra forma. Apesar de todos os percalços que atravessamos ao longo do tempo, hoje entendo que tenho uma missão e que meus ancestrais, minha comunidade precisa de mim e de muitos outros para propagarmos ao mundo o que realmente é um indígena”, ressaltou Jósimo. “Sou indígena Puyanawa de raiz e sangue e não há palavras para descrever a alegria que sinto por carregar essa tradição ancestral.”

Recentemente, Jósimo ingressou no doutorado em Antropologia Social no Museu Nacional do Rio de Janeiro. “Tenho a missão de propagar a nossa história Puyanawa, estou escrevendo diversos trabalhos, produzindo uma nova gramática na nossa língua materna, uma coletânea das nossas histórias tradicionais, artigos. Preciso ser o exemplo para que outros jovens indígenas, outros Puyanawa possam chegar à universidade e valorizar principalmente suas raízes ancestrais. Tenho feito o possível para divulgar a riqueza e a beleza que há no mundo indígena”.

A causa indígena é todos nós, assim para para denunciar situações de violência, acesse a página do Sistema de Ouvidorias do Poder Executivo Federal pelo endereço AQUI e o formulário de denúncia do Cimi no Observatório de Violências Contra os Povos Indígenas.

Imagem: Protesto dos mais de 100 povos indígenas do Acampamento Terra Livre (ATL) 2018. Foto: Oliver Kornblihtt/MNI

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