Latifundiário do Pará perde posse de área pública onde vivem 120 famílias sem terra

Com a posse da terra nada impede o Incra em Marabá transformar o acampamento Frei Henri em assentamento rural

Lilian Campelo, Brasil de Fato

Milena é uma garota de 9 anos que mora no acampamento Frei Henri com os três irmãos e os pais. Tímida, gosta de ler e agora pode andar em paz pelo acampamento, o fazendeiro que antes ocupava o imóvel foi retirado pela Justiça e a criação do assentamento está mais próximo de acontecer.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) tomou posse da área, antes ocupada indevidamente pelo fazendeiro Darlon Lopes Gonçalves Ferreira, segundo informa sentença do Juiz do Tribunal de Justiça da comarca de Marabá.

Ayala Ferreira, integrante da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), explica que a retomada do estado de uma terra pública e a desapropriação dessas áreas por um fazendeiro na região não é uma situação comum e a partir dessa experiência é possível criar novas estratégias sobre a luta pela democratização de acesso à terra.

“Esse processo de pensar o território e essas múltiplas dimensões apontando as possibilidades do que é o projeto dos trabalhadores para mim é um marco desse acampamento; nos ajuda a pensar novas ocupações na conquista de novos territórios e a busca pela emancipação de outros trabalhadores que nós não tivemos o prazer de encontrar nas fileiras ai da vida”, reflete.

Pertencimento

No acampamento Frei Henri vivem cerca de 120 famílias, instaladas em uma área dentro do imóvel Fazenda Fazendinha e que pertence ao município de Curionópolis. Ao poucos as famílias foram erguendo suas casas, muitas de madeira, outras ainda de pau a pique cobertas com palhas, mas pelas ruas, abertas pelas famílias, se observa um trabalho coletivo de autogestão.

Nas frentes de muitas casas do acampamento estão bonitas as roças de milho, mandioca, cebolinha, maxixe, entre outras. A iluminação mesmo rudimentar foi feita pelos sem-terra, assim como a construção de poços artesianos que através remendos de canos levam água para as casas de forma improvisada. Tudo isso para tentar suprir o mais básico das necessidades onde até o momento não viu a presença do estado como destaca a dirigente do MST.

“O estado não veio até agora, não reconheceu as famílias que não são assentadas, mas isso não nos impediu que nós nos territorializássemos em toda essa área, isso não tem nos impedido de pensar a organização da produção e servir de exemplo e de fornecimento de alimentação de duas principais cidades que é Parauapebas e Curionópolis”, destaca.

Batalhas

Ocupar o território foi uma etapa, permanecer nele foi outra batalha. Ao longo de sete anos muitos conflitos se sucederam no acampamento. Ferreira lembra que as “famílias viveram um estado permanente de terror”. Situação que levou a irmã de Michele Pereira da Silva, 28 anos, mãe de Milena, a ter uma gravidez conturbada por causa dos tiros disparados pelos seguranças da fazenda.

“O fazendeiro jogava refletores [longo alcance] em cima da gente, quem ele visse metia bala, a gente andava tudo de roupa preta”.

O sobrinho nasceu com problemas neurológicos, ela não soube dizer o nome especifico da doença que ele apresenta, apenas que o pequeno não fala, não anda e não responde aos estímulos que fazem com ele. Silva acredita que os problemas na saúde do sobrinho tenham influência em momentos de tensão e medo que muitas famílias sentiram.

Silva nasceu em Curionópolis, filha de pai piauiense e mãe maranhense, ela conheceu Jucimar Alves e com ele teve quatro filhos. Antes de ir para o acampamento ambos moravam numa casa cedida nos fundos de uma serraria, onde o esposo trabalhava. Soube por um amigo da possibilidade de ter um barraco para chamar de seu.

Dos momentos mais tenso ela lembra dos “40 dias”, nome dado ao conflito e o estado de terror com maior duração que as famílias viveram no acampamento sob o peso de tiros, refletores e bombas.

“Quando a gente pensava que eles iriam invadir o acampamento a gente corria para a pista”, recorda.

E era na beira da rodovia que as famílias passavam os dias e as noites até que que as coisas pudessem ficar mais calmas.

Havia também a batalha jurídica. José Batista, advogado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT-Marabá), explica que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) identificou que as terras da fazenda Fazendinha pertencem à União. A Justiça Federal de Marabá emitiu uma sentença de reintegração de posso com o cumprimento imediato, isso em 2014. O fazendeiro então recorreu. O Ministério Público Federal (MPF) no mesmo ano ingressou com agravo interno, um recurso jurídico, reforçando que a área era comprovadamente terra pública.

Em 2016 o Desembargador Federal, Souza Prudente, analisou o pedido do MPF e determinou que a reintegração de posse ao Incra fosse realizada no prazo de 10 dias. No mesmo ano o juiz federal de Marabá determinou a expedição do mandado para o cumprimento no prazo estabelecido pelo Tribunal Regional Federal (TRF), contudo, os dez dias viraram quase um ano.

“Esses dez dias dados pelo desembargador do TRF em Brasília para a justiça em Marabá retirar o fazendeiro e entregar a terra ao Incra durou quase um ano, porque havia resistência do juiz federal de Marabá para cumpri a decisão do desembargado, isso gerou inclusive uma crise, o desembargado ameaçou até reapresentar o juiz na corregedoria do TRF”, afirma Batista.

Ayala Ferreira conta que como a decisão da justiça não era cumprida as famílias, cansadas de esperar, decidiram fazer pressão e ocuparam a sede da fazenda. O clima ficou tenso e a eminência de um conflito repercutiu. Batista também lembra que após isso a Policia Federal se empenho “no sentido de convencer o fazendeiro ocupante a retirar os seus pertences”. A terra foi desapropriada em 2017.

Assentamento

De acordo com o advogado da CPT o Incra já pode criar o assentamento, nada mais o impede, a não ser questões burocráticas sobre o modelo que será instituído. O problema é que entre os projetos de assentamentos o tamanho mínimo de um lote familiar é de cinco hectares e no caso do acampamento Frei Henri os lotes para as 120 famílias é menor do que estabelecido pelo Instituto.

Em nota o Incra informou que está realizando estudos para a implementar o modelo baseado no Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS). O processo, ainda segundo o comunicado, está sendo construído com a participação do movimento social. A reportagem do Brasil de Fato perguntou sobre o tempo que esses estudos levam para serem concluídos e de acordo com o órgão “não é possível definir prazos para a conclusão do processo” e conclui afirmando que o chefe da Divisão de Obtenção do Incra estava em viagem na última quinta-feira.

Batista informa que existem outros assentamentos em Curionópolis, mas este é o primeiro do MST e representa não apenas uma conquista, mas uma vitória carregada de simbolismo a uma das mais fortes organizações de fazendeiros da região dos Carajás, que envolve municípios de Curionópolis, Parauapebas e Canaã dos Carajás.

“A vitória do MST ao conquistar essa área impôs uma derrota a esse setor e os obrigou a passar aqui [na frente] para ir até as suas fazendas e todos dias passar em frente a bandeira do MST e o placa com o nome do Frei Henri, que sempre foi um dos inimigos principais dos fazendeiros nessa região. Então acima da conquista da terra, que é uma vitória, tem uma conquista política com peso ideológico, com um valor simbólico muito grande”, conclui.

Edição: Juca Guimarães.

Imagem: Fazendeiro Darlon Ferreira ocupava indevidamente a área que, agora, pode virar um assentamento de trabalhadores rurais / Lilian Campelo

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