Não os vejo, nem os escuto

Por Tiago Muniz Cavalcanti, no Justificando

Agora observo as ruas vazias
Não há músicas, danças, alegorias
Coreografias
De repente, tão de repente, um silêncio devoluto
Já não os vejo, nem os escuto

Onde estão as detenções, as conduções, as coerções, as manifestações?
Subitamente, restaram apenas convicções
E orações
Presunções, suposições, delações, powerpoint e jejum absoluto
Eu não os vejo, nem os escuto

Por que se escondem? Por que se calam?
Íntegros, moralistas e legalistas nesta hora apenas param
E já não falam
Todos sumiram, não há ninguém, nenhuma sombra, tampouco um vulto
Não, eu não os vejo, nem os escuto

Andavam informados, indignados, revoltados, inconformados
Estão quietos, mudos, fechados, calados
Amuados
Não ouço fogos, não ouço gritos, está tudo muito confuso
Já não os vejo, nem os escuto

Desfilavam de verde, de amarelo, hasteavam a bandeira nacional
Símbolo do amor à pátria, de um nacionalismo sem igual
Incondicional
Hoje vendem a terra, a água e o óleo, entregam tudo
Eu não os vejo, nem os escuto

Se diziam apartidários, imparciais, desapaixonados
Novos heróis, festa no prostíbulo, na parede seus retratos
Caricatos
Mudam a lei, cortam direitos, transformam o que é justo em injusto
Já não os vejo, nem os escuto

Havia panelas, bandeiras, cartazes contra corrupção
Bradavam pela moral, pela ética, clamavam por saúde e educação
Mera ilusão
Já não há vigília, zelo e desvelo,o país está em luto
Ó, meu Deus, eu não os vejo, nem os escuto

Onde ficaram a razão, a emoção, a compaixão, a determinação?
Livraram os ratos, as quadrilhas, os bandidos que comandam a nação
Tosca armação
Onde estão as pessoas, os patos, os bonecos? Não há nada, não há ninguém
Não os vejo nem os escuto, mas os conheço muito bem.

Tiago Muniz Cavalcanti não é poeta, é um democrata.

*Procurador do Trabalho.

Foto: EBC

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