A dívida que o governo federal tem com o Sistema Único de Saúde (SUS) disparou nos últimos anos, atingindo R$ 20,9 bilhões até o final do ano passado. O valor refere-se a despesas que não são honradas.
De acordo com a reportagem de Wanderley Preite Sobrinho, publicada no UOL, nesta quarta (23), a dívida que representava R$ 1 bilhão, entre 2003 e 2011, e cresceu R$ 5,5 bilhões, entre 2012 e 2016, saltou R$ 14,3 bilhões apenas no ano passado.
Faltou dinheiro para o Serviço de Atendimento Médico de Emergência (Samu), ao Programa Saúde da Família, para o sistema de vacinação e o reaparelhamento de hospitais. Ou seja. remover doentes e feridos, prevenir doenças nos mais pobres, evitar epidemias e sofrimento e mortes desnecessárias e equipamento básico para atendimento à população.
De acordo a última pesquisa Datafolha que questionou qual o principal problema dos brasileiros, divulgada no mês de abril, saúde é apontada espontaneamente por 19%, atrás de corrupção (21%) e à frente de desemprego e violência (cada um, com 13%). Em novembro de 2017, saúde aparecia com 25%, seguida de desemprego (19%) e corrupção (15%). A redução de saúde deve-se à percepção dos níveis tóxicos de corrupção no governo Michel Temer.
Contudo, se analisada a opinião apenas dos brasileiros mais pobres (que dependem do Sistema Único de Saúde e das preces ao sobrenatural para sobreviver), com renda mensal familiar de até dois salários mínimos, saúde é ainda o principal problema (20%) – mesmo com toda lambança de Temer e amigos. Desemprego vem a seguir (18%) junto com corrupção (18%).
É essa fatia mais pobre, aquela que mais depende do Estado, que sente na pele o impacto do desgoverno federal.
E isso sem contar a bomba-relógio que está armada para explodir muito em breve. O governo Michel Temer aprovou a proposta de emenda constitucional 55/2016 (antiga PEC 241/2016) que limitou o crescimento nos gastos públicos pelos próximos 20 anos. A chamada PEC do Teto dos Gastos afeta principalmente o aumento de investimentos em duas das principais áreas na Esplanada dos Ministérios: a Saúde e a Educação.
Ambas estavam atreladas a uma porcentagem do orçamento (o montante da saúde, em nível federal, cresce baseado na variação do PIB, e o da educação, deve ser de, pelo menos, 18% da receita).
Como o governo impôs um teto para a evolução das despesas públicas baseado na variação da inflação (ou seja, sem crescimento real), precisará restringir, a partir deste ano, o que é gasto nessa área. Representantes de Michel Temer diziam que a Saúde não será afetada durante o processo de aprovação no Congresso, mas se recusaram a protege-la em ressalva na PEC.
O aumento da destinação de recursos em gastos públicos, como saúde, tem ocorrido acima da inflação nas últimas décadas – em parte para responder às demandas sociais presentes na Constituição de 1988 e, consequentemente, tentar reduzir o imenso abismo social do país. Se o reajuste tivesse sido apenas pela inflação, anualmente teríamos um reajuste de custos e o tamanho da oferta de serviços não cresceria, permanecendo tudo como estava.
Se a qualidade do serviço público seguiu, mesmo assim, insuficiente para a garantia da dignidade da população, imagine quando novos investimentos para além da inflação forem cortados. Afinal, o problema do Sistema Único de Saúde, mais do que questões de gestão, é o subfinanciamento.
Ou seja, falta de grana crônica.
O atual governo, ao reduzir a assistência dada pelo Estado brasileiro, diminuindo-o de tamanho através da aprovação da PEC do Teto dos Gastos – criou um problema enorme para o seu sucessor.
Já em 2016, durante os debates sobre essa imposição do limite constitucional para gastos em saúde, o Datafolha trouxe outro dado interessante: 75% da população acreditava que Michel Temer era defensor dos mais ricos. Vox populi, vox dei.
Temer ”assumiu o poder” a fim de implantar as reformas para que o Estado brasileiro priorizasse o desenvolvimento do capital e protegesse o grupo social que o detém. A consequente perda da dignidade dos trabalhadores, através da também consequente perda de qualidade dos serviços públicos foi mero efeito colateral. Ou seja, não é que Temer persiga trabalhadores. Mas pode-se dizer que ele atua para ”proteger ricos”.
Com isso, o Estado brasileiro se aprofundou no processo de garantir que os lucros fiquem na mão de poucos e o prejuízo na mão de muitos – porque a chicotada para sair da crise está vindo na lombar dos trabalhadores, enquanto que os mais ricos estão sendo preservados até agora. Ou seja, nem dá para falar em socialização de prejuízos, porque é só a xepa que está pagando a conta.
Deveríamos discutir também a volta da taxação de dividendos recebidos de empresas (os muito ricos pagam menos imposto em relação à classe média porque dividendos não são taxados), uma alteração decente na tabela do Imposto de Renda (criando novas alíquotas para cobrar mais de quem ganha mais e isentando a maior parte da classe média), a regulamentação de um imposto sobre grandes fortunas e um aumento na taxação de grandes heranças (seguindo o modelo norte-americano ou europeu).
Não que isso fosse resolver o problema da saúde, mas pelo menos seria um sinal de que o país desistiu de investir descaradamente na desigualdade social como objetivo nacional.
Pelo contrário, o governo segue mantendo centenas de bilhões de reais em desonerações tributárias e crédito subsidiado para o setor empresarial em 2017. O que vai fluir para o bolso de seus acionistas. E faz dívida com o Sistema Único de Saúde.
Ninguém nega que o déficit público precisa ser equacionado e que soluções amargas devem ser propostas e discutidas. E que todos devem sua contribuição, pobres e ricos. Mas Michel Temer e o seu candidato à Presidência da República, o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, defenderam medidas que estão mudando a qualidade de vida dos mais pobres, evitando aplicar remédios amargos entre os mais ricos.
Remédio que vai ajudar a piorar a Saúde, que – antes disso – já estava na UTI.