A Intoxicação Midiática

Anderson Pirota*, no Correio da Cidadania

O debate sobre mídia, política e sociedade ocupa um destaque muito importante na atualidade. Obviamente, tem lugar privilegiado na pauta de muitos pesquisadores sobre o assunto, ao se refletir com maior profundidade no que diz respeito à informação e mídia na sociedade contemporânea, incidindo significativamente nos processos sociais, culturais e políticos.

“A opinião pública é um fenômeno humano de caráter social, cuja difícil abordagem pode ser em parte explicada pelas influências que sofre do meio externo, entre elas, da cultura, da educação e do grupo em que se está inserido. Mas, além disso, esse fenômeno é mediado por uma escolha de caráter individual onde o indivíduo opina segundo suas crenças, suas posições sociais e seus interesses”, como bem afirma o psicólogo e sociólogo francês Jean Maissonueve.

Desde Aristóteles a opinião pública sempre teve importância fundamental para a política, chegando mesmo a ter papel decisivo para a evolução da experiência democrática e afirmando-se em nosso tempo como uma meta a ser atingida pela propaganda política.

A opinião pública é um espaço de disputa ideológica em que veículos de comunicação como revistas, jornais, rádios, televisão, internet e cinema exercem toda sua capacidade estratégica na divulgação e difusão dos fatos. Por um lado, revestidos de imparcialidade e independência; por outro lado, revestidos de opinião ideológica e interesses econômicos.

Formar ou influir na formação de uma opinião pública favorável a um determinado interesse político, econômico ou religioso é uma questão sobre a qual não pesam mais dúvidas, sendo objetos explícitos ou não dos grandes conglomerados da comunicação no Brasil e no mundo. Isso porque “a opinião é para o público o que a alma é para o corpo: um conjunto de julgamentos sobre problemas atuais aos quais grande parte dos membros da comunidade adere” afirma Maisonneuve, em sua obra A Psicologia Social.

Neste contexto do discurso político, entende-se que a opinião pública deve estar prioritariamente no campo do dizer a verdade, principalmente como técnica de governabilidade. É o campo de disputa em uma sociedade. Muitas vezes falta-se com a verdade. Há uma política fomentada pelo ódio paranóico, com desprezo total pelo ex-presidente Lula. Por tal razão, Lula e PT podem representar nesse imaginário forjado uma política de inclusão social e valorização dos salários, bem como um “Estado forte”. E neste sentido nossos formadores de opinião trabalharam arduamente para que tais condições fossem compreendidas como negativas.

Cenas absurdas e comportamentos animalescos que beiram o fascismo foram vistos e lamentavelmente aplaudidos por seguidores desprovidos de consciência política. Não foi só no Sul do país que tamanha bestialidade pode ser vista. Hoje, prosear sobre política é um desafio e se tornam casos de altas tensões em churrascos de família, até mesmo amizades são desfeitas nas redes sociais e em lugares comuns, como no trabalho.

É claro, ninguém nunca vai concordar em todos os assuntos, principalmente quando se trata de política, mas é fundamental e salutar ter o respeito sobre as posições divergentes. Contudo, percebe-se (como as cenas ocorridas no Sul do país de ataques à Caravana Lula pelo Sul do Brasil e ao acampamento em frente à Polícia Federal em Curitiba) que tamanho comportamento animalesco é fruto de uma intoxicação midiática carregada de ódio, fomentada e cultivada por uma profissionais da comunicação de índole duvidosa. Destaque-se o ódio estampado na face dos proprietários de terras com o chicote em punho, não reconhecendo o direito à livre manifestação de “seus irmãos e irmãs” na referida caravana.

Chicotearam mulheres, homens, crianças e idosos, que foram estupidamente agredidas verbal e fisicamente. Lamentavelmente as agressões não pararam no chicote e nas agressões verbais. No município de Quedas do Iguaçu com destino a Laranjeiras do Sul, região central do estado do Paraná, um ônibus foi atingido por tiros a fim de ferir ou aniquilar a vida de quem acompanhava a caravana.

Episódios marcantes como o assassinato de natureza política da vereadora pelo PSOL da cidade do Rio de Janeiro em 14 de março, Marielle Franco, revelam que após o golpe de Estado, midiático, jurídico e parlamentar que derrubou a presidenta eleita democraticamente Dilma Rousseff, aumentaram os ataques, as hostilidades e assassinatos contra lideranças sociais no campo e na cidade.

O horror não tem limites. O ataque a tiros na madrugada do dia 28 de abril ao acampamento Lula Livre em Curitiba, com requintes cruéis de atentado a vida, que feriram duas pessoas, uma em estado grave com um tiro no pescoço, demonstram que a barbárie não vai cessar. Não há conversa com quem despreza o diálogo no campo das idéias e o respeito pela diversidade, abre mão de princípios fundamentais para a manutenção da democracia e toma parte da violência física respaldada pela propaganda midiática. Tudo isso diante da omissão conivente das autoridades e da mídia corporativa que silencia ante a barbárie crescente.

Não restam dúvidas que o ódio e a violência vêm de cada um que tem no seu ser a ideia de que é pela agressão física, e pela competição, que se vive a vida, ideia produzida pela intoxicação midiática aqui debatida – sendo mais uma etapa do golpe, a título de tirar Lula da disputa eleitoral, tornando-o invisível.

Esse tipo de violência nasce da verborragia simbólica, sendo uma das estratégias da direita e de grupos associados ao golpe, como as grandes corporações midiáticas, assim como tantas outras páginas de internet com a finalidade exclusiva de pregar o ódio às diferenças.

A disputa que está na sociedade não é simplesmente a figura do ex-presidente Lula, mas qual o projeto político de Estado-Nação que Lula, o Partido dos Trabalhadores e uma boa parte das esquerdas representarim para o país. O sentido de criminalizar Lula e as esquerdas perpassa o projeto de inclusão social, Estado forte, valorização dos salários e a liberdade de expressão, dentre outros. Independentemente da avaliação que se tenha sobre a realização de tais premissas, o espectro oposto as trata como necessárias de aniquilação e banimento. Eis que a direita faz uso de um instrumento violento, o ódio, canalizado por uma mídia produtora do desrespeito às diferenças.

Revisitando a história, percebe-se claramente uma contrarrevolução permanente, com traços de totalitarismo que flerta com um retorno ao passado. É sem dúvida uma idiotice, tanto quanto ter um chicote em mãos. Obviamente é uma idiotice que em hipótese alguma deve ser subestimada. Alguém dúvida a respeito de para onde estamos caminhando?

Cabe a todo progressista conhecedor desta História e dos seus males o incansável papel de denunciar tal descaminho. Todavia, não basta só denunciar, é insuficiente, mas devemos nos contrapor à intoxicação midiática, apoiando as mídias alternativas – como por exemplo este Correio – que  incansavelmente se contrapõe a uma mídia hegemônica e corporativa, comprometida com os interesses do capital e que ainda por cima faz uso de uma retórica tóxica às liberdades individuais e coletivas.

Não se pode perder no horizonte a importância da reforma dos meios de comunicação, mas até lá há um grande caminho a ser percorrido. Exigir Lula Livre e pelo direito de se candidatar é um dos passos a serem dados.

Pela vida pela paz, retrocesso nunca mais!

*Anderson Pirota é sociólogo formado e pós-graduado na FESPSP e mestrando em Ciências Sociais pela PUC-SP

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