Tania Pacheco
Através de Resolução publicada ontem (24) no Diário Oficial, o Conselho Diretor do Incra reduziu o território do Quilombola Mesquita, em Goiás, em 80% da área comprovada em estudos e documentos como pertencente à comunidade. Contrariando as conclusões do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), que havia apontado 4.200 hectares para as 785 famílias da comunidade, a Resolução nº 12, assinada em 17 de maio e ontem divulgada, reduz arbitrariamente o território do Quilombo para 971,4285 hectares – quase 20% do total comprovado.
Além de desrespeitar seus próprios estudos, o Incra ignora igualmente a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho na sua ‘Resolução’. No artigo 3º, dá um prazo de 90 dias para que a Associação do Quilombo de Mesquita promova assembleia na qual “a proposta de redução do território seja devidamente submetida pela entidade para discussão e aprovação pela maioria dos integrantes da Associação, nos termos do seu Estatuto, em assembleia devidamente convocada para essa finalidade, na qual tenha sido assegurada a participação e livre manifestação consciente de todos”. Ou seja: dá três meses de prazo para que a Associação faça o que ele por lei deveria ter feito antes de tomar qualquer medida que ameaçasse (ou usurpasse, como é o caso) os direitos da comunidade.
Na Carta reproduzida abaixo, entregue ao Incra durante a realização da 14ª Mesa Nacional Quilombola, no Quilombo de Kalunga, em Cavalcante, Goiás, entidades quilombolas denunciam “as fundadas suspeitas de que a tentativa ilegal de redução do território quilombola Mesquita se deu em função de pressões políticas próprias do contexto racista que conforma a sociedade brasileira há mais de 500 anos prejudicando a comunidade quilombola Mesquita”. E acrescentam:
As organizações que firmam a presente requerem que o INCRA adote as medidas necessárias para imediatamente revogar o quanto decidido na Resolução Nº 12 de 17 de maio de 2018, sob pena da adoção das medidas necessárias para responsabilização cível, administrativa e criminal da Instituição e dos gestores com atribuição legal para processamento e julgamento no processo administrativo Nº 54700.001261/2006-82.
Por fim, informamos que no 130º aniversário da abolição formal e inconclusa da escravidão, os fatos aqui relatados serão informados ao Ministério Público Federal, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, à Organização Internacional do Trabalho, entre outras, para adoção das medidas que julgarem pertinentes.
Leia a íntegra da Carta:
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A Exmo. Presidente
Sr. Leonardo Góes da Silva
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
Prezado Sr. Presidente,
A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Associação Renovadora de Mesquita, Coordenação Estadual Das Comunidades Quilombolas de Pernambuco, Federação das Comunidades Quilombolas de Sergipe, Federação Quilombola do Estado de Minas Gerais, Conselho Estadual das Associações e Comunidades Quilombolas do Estado da Bahia, Coordenação Estadual dos Quilombos do Espírito Santo, Coordenação Estadual das Comunidades Negras Quilombolas Furnas de Dionísio (Mato Grosso), Coordenação Estadual de Comunidades Quilombolas do Piauí, Coordenação Estadual dos Quilombolas da Bahia, Associação Quilombola de São Pedro e Espírito Santo, Coordenação Estadual dos Quilombos do rio Grande do Norte, Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará, Federação estadual das Comunidades Quilombolas do Paraná, Associação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro, Associação Quilombola de Monte Alegre e a Terra Direitos, vêm através do presente expor e requerer o que segue:
Considerando que a Convenção 169 da OIT reconhece o direito a consulta livre, prévia e informada, sempre que medidas administrativas possam afetar direitos das comunidades quilombolas;
Considerando que a Convenção 169 da OIT, o Art. 68 da ADCT da Constituição Federal e o Decreto Federal 4887/2003, reconhecem o direito à titulação do território necessário à reprodução física, social e cultural das comunidades quilombolas;
Considerando que no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 3239 o Supremo Tribunal Federal, por ampla maioria, reconheceu a constitucionalidade do Decreto Federal 4887/2003, sem a imposição de qualquer tipo de condicionante;
Considerando que a Instrução Normativa do Incra Nº 57 prevê que a delimitação do território tradicional necessário à reprodução física, social e cultural da comunidade deve estar amparada em estudo científico e antropológico, bem como nas demais peças que compõem o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação;
Considerando que nos autos do processo administrativo Nº 54700.001261/2006-82 concluiu-se que o território da comunidade Quilombo Mesquita, necessária à reprodução física, social e cultural, conta com 4.200 hectares, em benefício de mais de 785 famílias;
Considerando que na data de hoje publicou-se no Diário Oficial da União a Resolução Nº 12 de 17 de maio de 2018 em que o Conselho Diretor do Incra pretendeu reduzir, de forma absolutamente ilegal, o território da comunidade quilombola Mesquita para 971,4285 hectares;
Considerando que a citada tentativa de redução não foi precedida de consulta livre, prévia e informada, como expressamente reconhecido no Art. 3º da Resolução Nº 12 de 17 de maio de 2018;
Considerando que a citada tentativa de redução não está embasada em peça técnica que componha o RTID do Quilombo Mesquita;
Considerando que a área de 971, 4285 hectares é flagrantemente insuficiente à reprodução física, cultural e social da comunidade, pois destinará a cada família, que vive do trabalho com a terra, a média de 1.2 hectares;
Considerando as fundadas suspeitas de que a tentativa ilegal de redução do território quilombola Mesquita se deu em função de pressões políticas próprias do contexto racista que conforma a sociedade brasileira há mais de 500 anos prejudicando a comunidade quilombola Mesquita;
Considerando que na data de hoje o Incra está realizando a 14ª Mesa Nacional Quilombola no território quilombola de Kalunga, na comunidade Engenho II, em Cavalcante-GO, momento apropriado para denunciar violações à direitos das comunidades quilombolas;
As organizações que firmam a presente requerem que o INCRA adote as medidas necessárias para imediatamente revogar o quanto decidido na Resolução Nº 12 de 17 de maio de 2018, sob pena da adoção das medidas necessárias para responsabilização cível, administrativa e criminal da Instituição e dos gestores com atribuição legal para processamento e julgamento no processo administrativo Nº 54700.001261/2006-82.
Por fim, informamos que no 130º aniversário da abolição formal e inconclusa da escravidão, os fatos aqui relatados serão informados ao Ministério Público Federal, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, à Organização Internacional do Trabalho, entre outras, para adoção das medidas que julgarem pertinentes.
Brasília, 24 de maio de 2018.
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq)
Associação Renovadora de Mesquita
Coordenação Estadual Das Comunidades Quilombolas de Pernambuco
Federação das Comunidades Quilombolas de Sergipe
Federação Quilombola do Estado de Minas Gerais
Conselho Estadual das Associações e Comunidades Quilombolas do Estado da Bahia
Coordenação Estadual dos Quilombos do Espírito Santo
Coordenação Estadual das Comunidades Negras Quilombolas Furnas de Dionísio (Mato Grosso)
Coordenação Estadual de Comunidades Quilombolas do Piauí
Coordenação Estadual dos Quilombolas da Bahia, Associação Quilombola de São Pedro e Espírito Santo
Coordenação Estadual dos Quilombos do rio Grande do Norte
Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará
Federação estadual das Comunidades Quilombolas do Paraná
Associação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro
Associação Quilombola de Monte Alegre
Terra Direitos
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Informação enviada para Combate Racismo Ambiental por Daiane Souza
É triste saber que isso está acontecendo e logo com esse povo tão sofrido e marginalizado ao longo da história, povo escravizado, maltratado, desprezado e depois largado, jogado nos morros da vida e de fato; povo esse que constitui maioria nas favelas, nas cadeias, nos contingentes dos assassinados e perseguidos pela policia, enfim, povo marcado pelos “sem”; sem terra, sem casa, sem qualificação profissional, sem estudo, sem comida………