‘Só vamos parar quando Temer cair’: uma tarde com os caminhoneiros. Por Rosana Pinheiro-Machado

Na Cult

Já que estamos pesquisando (eu e a antropóloga Lúcia Scalco) eleitores de Bolsonaro e muito se alertava sobre o apoio a esse sujeito nas redes, decidimos pegar a estrada e ir em um ponto de concentração de caminhoneiros para fazer o que mais gostamos: puxar uma cadeira de praia, sentar no meio fio e ouvir as pessoas por longas horas.

Foi assim que conhecemos alguns caminhoneiros, altamente mobilizados e encostados em um posto na BR 290, uma das mais importantes rodovias do Rio Grande do Sul. Era uma boa representatividade (cerca de trinta pessoas, cada uma de um ponto do Brasil, apenas um gaúcho). Metade autônoma, metade empregada.

Escutamos coisas fantásticas que, como imaginávamos e já pontuávamos, desafiam qualquer lógica binária.

O zap bombava, mas as notícias mesmo chegavam boca a boca, minuto a minuto. Eles estavam convictos de que ninguém iria arredar o pé das estradas enquanto o Temer não caísse. Eles tinham a certeza de que se isso acontecesse, quem assumisse teria que negociar qualquer coisa com eles. Nós não parávamos de perguntar se não era pelo preço do combustível e eles insistiram que já não era mais: “É por corrupção, é por tudo”.

Sobre o preço e a razão da crise, cada um dizia uma coisa: culpavam a gestão de Parente, afirmavam que era preciso liber a concorrência internacional para baixar o preço (“assim como aconteceu com as empresas telefônicas”) e falaram muito das condições de trabalho e do preço das refeições.

Quando perguntamos quem colocar no lugar do presidente, eles foram unânimes: intervenção militar. Foi o único consenso que havia ali e parecia haver no movimento em geral. O desejo era muito sintonizado e repetido por todos, mesmo aqueles que não tinham muita ideia do que isso significava.

Mas nenhum se referia à ditadura. Acreditavam ser importante uma intervenção temporária para sanar a “roubalheira” de Temer, Aécio e todos mais, para colocar ordem na casa. (Nós tivemos uma pequena discussão aí, argumentamos que, se a intervenção entrasse, seria contra eles). Foi um momento tenso e um pouco perturbador, mas não surpreendente.

A maioria ali era – como eles diziam – contra o golpe. “Tiraram a mulher de lá para roubar mais”. “O povo só queria tirar a Dilma, não pensaram nas consequências. Agora estamos pagando as consequências”.

“Odiamos a classe política” e por isso – “anota aí”, disse um: “Odiamos o Bolsonaro, que quer se aproveitar do movimento para fazer campanha”. “É mentira que caminhoneiro apoia Bolsonaro” – gritou outro do Mato Grosso. Quando perguntamos em quem iriam votar, muitos manifestaram voto em quem “teria pulso”. E essa pessoa era Ciro Gomes. “Não sou esquerdista, mas o cara é inteligente”. Ninguém contestou. Muitos balançaram a cabeça. Quem contestou foi só para dizer que odiava político. Para nossa surpresa, não mencionaram nada sobre Lula.

A política – do dia a dia e do acampamento – era intensa e das mais belas que já vimos. Eles eram solidários uns com os outros e conversavam intensamente 24 horas por dia, bebendo e comendo. Um caminhoneiro do Ceará, Claudiomiro, falou que odiava política e que aderiu à greve só pelo preço do combustível, mas que com a convivência tinha se tornado outra pessoa, assim como muitos de seus colegas. “Agora eu sei o nosso poder e só saímos daqui quando o Temer, esse vagabundo ladrão, cair”.

Disseram que ameaçaram parar e o governo subestimou e que agora só estão fazendo o que o povo quer. Mencionaram que há lideranças, mas que ninguém sabe quem são para não serem perseguidos ou presos. Riram da tese de locaute e disseram que isso era ridículo. Repudiavam a palavra greve e se corrigiam – ou corrigiam uns aos outros – quando ela era usada: “é paralisação”.

Claudiomiro não parava de repetir que o povo estava com eles. Contou que foi ao mercado e viu uma senhora reclamando da greve. Chamou-a e explicou que “era para todo o povo”. Claudiomiro acredita que está fazendo história. E está.

“O povo está com a gente” foi a frase que mais ouvimos. Disseram que, ao longo desses dias, entenderam que eles são o motor do país, que nunca mais se esquecerão desses dias intensos. “Agora nós queremos virar heróis por tirar o presidente”.

Rosana Pinheiro-Machado é doutora em Antropologia Social pela UFRGS e professora titular da UFS

Foto: Sebastião Moreira /EFE

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