De onde Temer vai tirar dinheiro para “comprar” sua permanência no cargo?, por Leonardo Sakamoto

no blog do Sakamoto

A greve dos caminhoneiros não jogou o país em uma nova crise, apenas deixou claro que nunca havíamos saído da anterior – apesar do ufanismo desvairado da publicidade estatal e do otimismo vai-que-cola de parte dos analistas.

Mais de 13 milhões de desempregados e suas famílias, além de outros 4,6 milhões que desistiram de procurar emprego de tanto procurar, já sabiam disso, claro.

A incompetência e a lentidão da gestão Michel Temer para prever a paralisação e lidar com ela de forma célere e depois a forma como entregou bilhões que seriam usados para garantir direitos coletivos na forma de desconto de combustível fóssil despertou outras categorias. Afinal, é só falar grosso que o homem cede.

Nos últimos dois anos, quem se aproveitou do butim da República foram os mais ricos e os sócios políticos – através do perdão de dívidas bilionárias, da aprovação de reformas, leis e normas que os beneficiam, da concessão de cargos e emendas. Daqui até o final do mandato de Temer, outros grupos vão apresentar suas pautas, legítimas ou não. Nessa equação, quem tiver menos poder de organização e, portanto, de pressão, sairá perdendo.

Afinal, um presidente fraco que comanda um governo sem legitimidade pode entregar muita coisa para se manter com foro privilegiado e, portanto, longe da cadeia por mais tempo. E dá-lhe pedido de quebra de sigilo telefônico!

Até reduzir a já pequena parcela de direitos sociais efetivados para garantir o barateamento do preço do diesel na bomba sem tocar na política de preços da Petrobras e desagradar o mercado.

Um país de dimensões continentais, que conta com interesses diversos e complexos e muitos espaços de conflitos não precisa de um gestor, mas de um político que seja capaz de mediar tensões e fazer com que recursos limitados sejam usados da melhor maneira possível. E, de preferência, privilegiando quem mais precisa deles. E Temer não se mostrou ser esse alguém.

O mais irônico é que na votação que livrou o pescoço dele da denúncia encaminhada pela Procuradoria-Geral da República por corrupção passiva, em 2 de agosto do ano passado, a maioria dos deputados federais que os salvou dedicou o voto à… economia!

Foram 227 votos contra Temer, 263 a favor, 18 ausências e duas abstenções. Nos segundos reservados para que cada parlamentar fosse ao microfone e declarasse o seu voto, as ”dedicatórias” foram diferentes daquelas proferidas na votação do impeachment de Dilma Rousseff, em abril de 2016. Saiu o Deus cristão e, no seu lugar, entrou o ”crescimento econômico”, o ”desenvolvimento do país”, a ”geração de empregos”, a ”situação financeira”, a ”continuidade das reformas”.

Hoje, olhando em retrospectiva, dá ate vontade de rir da nossa própria dresgraça.

Houve quem, claro, defendesse o governo de forma orgulhosa, seja por que se considera em uma cruzada contra o ”comunismo”, ”a ideologia de gênero” e ”a venezuelização do Brasil”. Nesses casos, pelo menos, agiram por consciência. Seja que tipo de consciência for essa que exclui a lucidez da vida pública.

Naquela época, 81% da população defendia que Temer fosse afastado e julgado por corrupção, segundo pesquisa Ibope. Os deputados deram de ombros. Como não foram ouvidos, seria interessante se os eleitores assistir ao YouTube a votação antes de decidir quem será seu candidato a deputado federal este ano.

O pouco que Temer tinha para mostrar na economia está fazendo água – tornando a manutenção da pré-candidatura de seu ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles uma espécie de piada de salão.

Enquanto isso, a percepção de perda de representatividade, de corrosão das instituições e de descrédito com a política continua crescendo, abrindo caminho para algum ”salvador da pátria”. Que irá governar com um Congresso Nacional que pode ser igual ou pior do que esse que está aí. E, juntos, nos levar para algum lugar novo, longe da liberdade e da dignidade. Afinal de contas, no fundo do poço, há sempre um alçapão. Não sei se a economia aguenta mais quatro anos de crise. A democracia, eu acho que não.

Eu até diria que, no limite, se faltarem recursos para negociação, Temer pode entregar o povo em troca. Mas ele já teve essa ideia quando, quando em outubro do ano passado, acatou um velho pedido dos ruralistas e de algumas empresas da construção civil e baixou uma portaria dificultando o resgate de trabalhadores escravizados. Mas o Supremo Tribunal Federal barrou e a sociedade não deixou, então terá que procurar outra forma.

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